• Terça-feira, 16 de dezembro de 2025
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Scot Consultoria

Dez anos testemunhando (e divulgando) avanços na agropecuária brasileira

Uma década de dedicação a contar a trajetória da agropecuária brasileira, combater a desinformação e ajudar o produtor a produzir mais e melhor.


Foto: Bela Magrela

Foto: Bela Magrela

Dizem que a vida vale a pena ser vivida quando é baseada em propósitos. Há dez anos me propus a escrever um texto por mês para ocupar esse espaço da Scot Consultoria: uma década e 102 textos depois, tenho a satisfação de chegar com a meta (quase) cumprida. Esse centésimo-terceiro texto faz uma retrospectiva dessa trajetória, procurando fazer paralelos com os avanços que a agropecuária brasileira fez no mesmo período.

O acervo é variado e, ainda que a maioria seja texto-padrão, temos um “quiz”, uma poesia, entrevistas (com um boi, um touro e uma molécula de CO2) e o ciclo de vida de um átomo de nitrogênio, de uma semente à compostagem e seu retorno em uma nova semente.

A divisão por assuntos tratados nesses dez anos é apresentada no gráfico abaixo.

Figura 1.
Porcentagem de artigos por assunto publicados na coluna de 2015-2025.

Fonte e elaboração: Sergio Raposo de Medeiros

Apesar de, percentualmente, “técnica” e “nutrição” não serem a maior parte (somam 38,0%), sugerindo um eventual potencial de perda de oportunidade de transferência de tecnologia, nunca foi perdida nenhuma chance de incluir aspectos técnicos nos textos dos demais assuntos. Por exemplo, em 2017, no texto de junho, cujo objetivo foi mostrar como um palestrante negacionista do clima, em um evento de confinamento, conseguiu errar tanto, o texto termina comentando as opções para combater as mudanças climáticas, produzindo melhor e aumentando a renda do produtor, uma afirmação cuja validade permaneceu imune à passagem desses dez anos.

Abaixo, vamos por assuntos, citando alguns textos selecionados, em que comentamos brevemente parte do seu conteúdo e examinamos o que mudou ou não para os dias de hoje.

Mudanças climáticas

O padrão de ter sempre algo de técnica, como no caso do texto do negacionista citado na introdução, pode ser comprovado nos outros 15 artigos sobre o tema: mudanças climáticas. Destes, destacaria o de dezembro de 2018, sobre o “Acordo de Paris”, o “CO2 abre o jogo”, de janeiro de 2024, o “Compensação por apropriação atmosférica: uma proposta para justiça climática”, publicado em agosto de 2023, e o mais recente “COP30 no Brasil: sucesso!”, de 08/10/2025. No seu conjunto, eles dão uma boa ideia do contexto das negociações climáticas, o histórico das emissões mostrando o tamanho da dívida, os devedores (países desenvolvidos) e credores (países em desenvolvimento), quanto erramos ao pensar que nada foi feito e quanto temos que acelerar o passo da transição energética para reduzir os extremos climáticos do futuro, para evitar enormes prejuízos financeiros e, principalmente, dor e sofrimento humano. O texto de outubro de 2024, “Caminhos para a redução das emissões na produção pecuária”, complementa esse grupo ao mostrar o imenso potencial que ações da pecuária têm para contribuir para o combate às mudanças climáticas de maneira positiva para o setor – economicamente, ambientalmente e socialmente –, e como cada centésimo de grau Celsius de aquecimento evitado faz diferença.

E a trajetória do aquecimento global nesses dez anos, justificaria tantos textos? Para mostrar a evolução do aquecimento global, causador das mudanças climáticas, segue um gráfico do site Berkeley Earth, da Universidade de Berkeley (Califórnia, EUA) de outubro deste ano. No eixo “y”, temos a anomalia da temperatura (temperature anomaly), já tendo ultrapassado a meta de 1,5ºC do Acordo de Paris em 2024 (penúltimo dado da linha azul). A anomalia da temperatura representa quantos graus a temperatura média do globo estão acima da média calculada entre 1850 e 1900, primeiros 50 anos da Segunda Revolução Industrial, período em que a temperatura média pouco se alterava. A linha azul é a média de 12 meses (outubro a outubro) e a sombra em azul mostra o intervalo com 95,0% de onde pode estar a média (incerteza do dado). Por fim, a linha vermelha é feita com médias de 30 anos e com pesos maiores dados aos pontos perto da curva, estratégia que a suaviza e, assim, ajuda a visualizar a tendência da mudança a longo prazo. Por esse motivo, vemos o penúltimo ponto da linha azul acima de 1,5ºC, mas a vermelha ainda em 1,4ºC, mostrando que temos alguns poucos anos antes de passar da meta do Acordo de Paris.

Figura 2.
Temperatura média global de 1850 a 2025.

Fonte: www.BerkeleyEarth.org (https://berkeleyearth.org/october-2025-temperature-update/)

O que o gráfico revela de mais importante é uma maior velocidade com que o aumento da temperatura global está ocorrendo nos últimos dez anos, fácil de ver na linha azul após a linha vermelha pontilhada, que marca o ano de 2015. Os dez anos mais quentes da série histórica estão todos dentro dos últimos dez anos. Além da linha pontilhada para marcar o ano de 2015, adicionei ao gráfico original o teor de CO2 médio na atmosfera, de 280ppm (0,028%), que se manteve por 800 mil anos nesse patamar, e o valor atual de 430ppm (0,043%). Apesar dos valores parecerem pequenos, a mudança relativa é grande. O valor atual é 54,0% maior do que o valor pré-Revolução Industrial, com dez unidades percentuais desse aumento tendo ocorrido apenas na última década, pois a média em 2015 foi de 400ppm (0,040%). Assim, se usarmos a analogia de um raio de laser, como a da radiação que é refletida da Terra, hoje há 1,5 vezes mais chance de ele encontrar uma molécula de CO2 do que em 1850. O calor irradiado sendo interceptado, faz com que, essa energia deixe de seguir seu caminho rumo ao espaço sideral, fique retida e ajude a aquecer o planeta. Assim, reduzir todos os gases de efeito estufa é o caminho, com o enfoque no principal vilão: o C de combustíveis fósseis. A pecuária é sócia minoritária dos GEE, mas tem grande potencial de ajudar a reduzir o problema sem se prejudicar, aliás, com opções altamente favoráveis.

Agro e sociedade

Os 26 textos foram colocados nesta categoria principalmente por abordarem temas em que o agro e a sociedade se sobrepõem. Um tema recorrente é a desconfiança da sociedade, especialmente urbana, com relação aos produtos do agro e as polêmicas com relação aos impactos ambientais das atividades rurais. Curiosamente, foi o texto em que “Entrevistei um boi!” (30/11/2020), um dos que teve maior repercussão ao abordar os temas das mudanças climáticas, desmatamento, veganismo/vegetarianismo e carne de laboratório. Parece que as palavras na boca do bovino ajudaram a passar a real participação da pecuária nos desafios ambientais, o propósito de existir do bovino – “Alimento, logo existo!” –, a convivência com quem tem um hábito alimentar alternativo e pontuar a complicação desnecessária que é produzir carne artificialmente. Antes deste, bem na mesma linha, foi feita uma resposta para o programa “Papo de Segunda” (18/09/2019), programa da TV paga: “Papo de primeira: nossa história, quem deve contar somos nós mesmos!”. Na resposta, procurou-se entender a raiz da desinformação apresentada e repassar fatos do setor para mostrar um sistema de produção virtuoso, baseado em pastagens que produzem um produto nobre e seguro em áreas marginais e que tem grande potencial de crescimento sustentável. Um bom par deste é o “Pecuária de corte no Brasil: bem mais do que um copo meio cheio” (11/10/2022), pois, além de reforçar essas informações, tem novos dados e todos eles são referenciados. Ainda que todos os textos tenham dados de sua época, que devem precisar de atualização, na questão de ordem geral, das conclusões e na indicação do nosso Norte para sustentabilidade com aumento de renda, estes resistiram ao tempo e permanecem válidos.

Outro de grande impacto, também uma resposta a “segunda sem carne”, foi o “Apertem os cintos, o rebanho brasileiro sumiu” (24/02/2022), que mostrou do que estaríamos abrindo mão caso, em um passo de mágica, fizéssemos o rebanho bovino de gado de corte brasileiro desaparecer: para o enorme impacto negativo causado, a redução da emissão global de GEE seria de menos de 1,0%. Um dos dados reportados seriam 8,5 bilhões de dólares a menos nas importações de 2021. Hoje, com dados de 2024, seriam mais US$4,3 bilhões, com os US$12,8 bilhões obtidos com a exportação naquele ano, mostrando o avanço do Brasil em termos de exportação de carne bovina. Outro texto na linha ambiental foi o “O mundo quer as riquezas do Brasil. Temos muito a dar!”, que, ao contrário do que o título parece sugerir, não tem nada de entreguismo, mas, fazendo paralelos com uma orquestra sinfônica e seus instrumentos musicais, sugere um modo inteligente – baseado em ciência – de nos relacionarmos com um dos maiores ativos brasileiros, a floresta amazônica, conciliando produção e preservação ambiental.

Isso também se mostrou bem atual na Agrizone, o espaço criado pela Embrapa, em Belém, para ser a vitrine da nossa produção tropical sustentável durante a COP 30. Ela mostrou, ao vivo e em cores, inúmeras provas contundentes de que não nos faltam opções em todas as atividades agropecuárias para sermos mais sustentáveis na prática. Prova do seu sucesso é que a Turquia, onde será a COP 31, quer replicar sua própria Agrizone no próximo ano.

Por fim, não ficaram de fora dois grandes acontecimentos do período 2015-2025: (i) a pandemia da COVID-19, com o texto “Vinte e nove genes” (08/04/2020), no qual foram feitos paralelos entre as lições aprendidas no início dela e o ambiente rural, do qual tive a satisfação de ver ele ser bastante replicado na Internet e (ii) a data em que foi estimado o nascimento do oitavo bilionésimo humano, para o que foi escrito o texto “Oito bilhões de habitantes e subindo: algumas alternativas para termos alimentos para todos” (28/12/2022), no qual são elencadas dez chances de aumentar a produção de alimentos (eficiência, redução de perdas, aumento da base de alimentos, melhor aproveitamento de resíduos, fontes alternativas de alimento, economia circular, tecnologia de informação, inteligência artificial e educação). Esse texto foi selecionado para compor o anuário da Embrapa Gado de Leite de 2023, motivo de muito orgulho para esse autor.  

Técnica

Sob esse termo amplo, foram incluídos os temas em que uma ou mais técnicas de produção tenham sido o tema e, ao mesmo tempo, a nutrição não seja a protagonista. Por exemplo, em 20 de março de 2017, comparei o “Boi de capim brasileiro versus boi de confinamento americano: Qual é melhor?” cuja conclusão foi: O que a comparação destes dois universos distintos de produção de carne bovina mostra é que, dependendo do critério escolhido (bem-estar animal, maciez, preço etc.), teremos um vencedor diferente. Contudo, temos uma grande vantagem: é bem mais fácil produzir carne similar à americana no Brasil do que os americanos produzirem carne em pastagem.

Essa realidade não mudou de 2017 para hoje, mas uma das informações do texto mostra que o número de animais abatidos em confinamento aumentou muito: o dado usado no texto, de 2016, era que, apenas 10,0% dos animais abatidos no Brasil teriam origem em confinamento. O dado mais recente (2024) é praticamente o dobro (19,9%) conforme o relatório de 2025 da ABIEC. Com o dado de 2016, foi estimado que 99,0% da carne brasileira tem, como base, pastagens. A atualização desse valor com os dados de 2024 vai para 98,0%, pois o confinamento dura cerca de 100 dias. De fato, mesmo na hipótese de que um dia 100,0% dos animais abatidos venham de confinamento com 100 dias de duração e a idade de abate seja de dois anos, ainda 86,0% da produção será baseada em pastagem (ainda que com variados graus de suplementação).

No artigo, “Pensando no metano fora da caixinha” (02/12/2021),  são elencadas várias alternativas para melhorar a eficiência da reprodução: “(a) uso de suplementação estratégica de baixo consumo (sal com ureia e proteinados) para manutenção de peso das vacas em bom estado de condição corporal; (b) uso estratégico de suplementos ricos em gordura poli-insaturada para vacas com condição corporal inferior; (c) sequestro desses animais magros nas estruturas de confinamento ociosas; (d) realização de integrações que beneficiam as vacas de cria com o pasto safrinha, no caso da integração lavoura-pecuária e; (e) especialmente em regiões mais quentes, o benefício da sombra dos sistemas integrados com árvores na redução dos prejuízos por estresse térmico à reprodução” que foram complementadas por informações sobre soluções baseadas na natureza (SBN), incluindo bioinsumos e pecuária de precisão. Todas são práticas bem estabelecidas, mas que precisam ser mais bem exploradas para o objetivo de mitigação de GEE.

Ele é bem complementado pelo “Cria: oitenta por cento e além!” (05/07/2024), colocando o foco no par vaca-bezerro, onde está bem mais da metade da energia para abater um bovino, e como melhorias nessa fase da pecuária de corte pode aumentar a eficiência e sustentabilidade de todo o ciclo. Nele, são abordados: (i) sanidade, (ii) manejo reprodutivo, (iii) nutrição, (iv) detalhes nutricionais, (v) melhoramento animal e (vi) bem-estar animal, e algo a mais que podemos fazer para melhorar os resultados da reprodução.

Um assunto particularmente entrou, definitivamente, nessa década como um grande gancho para mudarmos o jeito que olhamos a fase da cria, já com dados muito robustos de trabalhos científicos feitos no Brasil: a programação fetal. Um trabalho muito recente mostra biomarcadores e sua relação com a genética envolvida nesse fenômeno¹. O mais interessante é que, os benefícios de se preocupar com a nutrição da matriz, não só no terço final da gestação, matam dois coelhos com uma cajadada só: bezerros positivamente programados, aptos a melhor expressarem seu potencial produtivo, e vacas com melhor condição corporal e maiores probabilidades de emprenharem na próxima estação de monta.

No “Seeeeeeeeeeeeeeeeca” (27/08/2017) é proposto um conjunto de seis alternativas para ajudar na convivência com secas que têm mostrado a tendência a serem cada vez mais longas e severas. A lista é: (i) diferimento de pastagem, (ii) volumosos suplementares, (iii) leguminosas, (iv) sistemas integrados, (v) concentrado suplementar e (vi) confinamento. Nenhuma delas é novidade, mas o texto enfoca cada uma delas dentro do contexto de serem alternativas de adaptação às mudanças climáticas, já considerando secas mais desafiadoras. E dados atuais mostram que essa preocupação é real, como pode ser visto no gráfico abaixo.

Figura 3. Balanço hídrico e sua tendência para dois períodos (2000-2012 / 2013-2024).
Fonte: Adaptado de Da Silva et al, 2025 (nota de rodapé 2).

Nele, é destacado um grupo de três cidades, de um trabalho científico com o histórico de clima de nove cidades² em que há a tendência estudada de 2000-2012 (linha preta) e de 2013-2024 (linha verde). As colunas em azul indicam balanço positivo de água e, as em vermelho, balanço negativo. Pela inclinação das retas, fica fácil perceber que esses dados suportam a ocorrência de secas mais pronunciadas entre 2013-2024, e o agravamento desta tendência é um dos grandes riscos de não combatermos o aquecimento global e o desmatamento na Amazônia, uma grande fornecedora de chuvas para a região Centro-Sul do Brasil.

Algo que entrou no vocabulário corrente do setor depois de 2016 é a “agricultura regenerativa”, como mostra o texto “Agropecuária regenerativa: desafios e oportunidades”. Ele tentou mostrar como é um termo mal definido que, basicamente, usa uma série de técnicas sustentáveis para uma produção mais ambientalmente correta. No texto, são elencados cinco delas: (i) sistemas integrados, (ii) Consórcio Gramínea-Leguminosa, (iii) bioinsumos, (iv) controle biológico e (v) reciclagem de dejetos. Portanto, é mais novidade o termo do que as técnicas que têm sido usadas.

Essas técnicas são usadas em combinações distintas, e cada um acaba criando sua própria versão de agropecuária regenerativa. Como escrito nas considerações finais do artigo em questão: “fica claro, também, que a transição da agropecuária convencional para a agropecuária regenerativa mais estrita, que impeça o uso de agroquímicos, por exemplo, depende de agregação de valor no produto, pois é bem difícil manter a produtividade nessa situação e o produto acaba sendo mais caro por unidade produzida. Por outro lado, conciliar práticas que reduzam ‘inputs’ é bom ao ambiente e podem aumentar a margem de lucro ao reduzirem os custos”.

Essa última afirmação aceita a hipótese que é possível ganhar mais dinheiro, mesmo com desempenhos mais modestos, desde que o custo seja tão mais baixo que compense a redução de renda com o produto, acabando em uma margem maior na última linha da análise econômica. Isso, junto com privilegiar o ganho individual em vez de ganho por área em pastagens, podem ser duas grandes mudanças na pecuária nos próximos dez anos.

Nutrição

A nutrição de bovinos de corte é minha área, portanto, são os textos em que mais fico à vontade para escrever.

A suplementação de pastagens é o tema mais recorrente, de acordo com o protagonismo delas na pecuária brasileira, como provado na questão do grande aumento de animais em confinamento e o efeito marginal na redução da “dependência” das pastagens. Em seu conjunto, os artigos cobrem desde a suplementação mineral até a suplementação pesada da terminação intensiva em pastagens, mas, consciente de que é a mais simples que se deve dar mais atenção. Além de sua enorme escala, melhorias na mineralização do rebanho ainda podem fazer bastante diferença, ao permitir expressar melhor o potencial energético e proteico das pastagens. Um elemento chave é conseguir consumo adequado e homogêneo, do que dois textos bastante lidos trataram, o “Acertando o consumo de sal mineral na fazenda” (29/09/2016) e o “Espaço Linear de Cocho: Pequenos números, grandes dúvidas!” (17/11/2016). Eles são dois exemplos de informações aparentemente simples, mas que podem fazer bastante diferença no resultado das fazendas de corte em todo o Brasil. No caso da mineralização, há pouca novidade nesta década, pois, apesar de isso estar longe de ser verdade, parece haver um entendimento (falho) entre indústria, produtores e pesquisadores de que não é preciso fazer nada para mudar.

O “O etanol de milho e as boas novas para a pecuária de corte” (27/02/2018) se debruçou sobre esse, então, novo ingrediente, que hoje é um dos alimentos mais usados nos confinamentos no Brasil e cujas vantagens no uso em suplementação de pastagem vêm se confirmando. Tem havido um crescimento sustentado das plantas de fabricação do etanol de cereais (com esmagadora maioria do cereal sendo o milho) em todo o Brasil, mas, notadamente no Centro-Oeste, o que tem garantido uma oferta crescente do produto usual, bem como de produtos específicos, uns mais concentrados em proteína, outros em fibras, além do ingrediente óleo de milho. Uma preocupação que tem aumentado é quanto à presença de micotoxinas (produzidas por fungos), que não são decorrentes de problemas de armazenagem, mas da contaminação nos próprios campos de produção dos cereais. Como são micotoxinas, e os fungos têm seu crescimento favorecido por altas temperaturas, esse é mais um assunto que acaba se envolvendo com o aquecimento global e as mudanças climáticas, com previsão de continuar se agravando enquanto aumentar a anomalia climática.

Outro assunto que, nesse período de dez anos, não poderia ficar de fora, são as “fake news”, as informações falsas que se multiplicam no âmbito da Internet, por isso, não poderia faltar nesta retrospectiva o texto “Fake news nutricionais” (29/10/2018). Nele, há desde o caso de muita gente recomendar “sal de gado” para consumo humano, que se mantém ativa, até o “ganhar dinheiro com pecuária é fácil”, passando por “usar ureia para animais em reprodução é prejuízo na certa” e “incluir gordura na dieta ajuda a acabar o animal”, e mais seis outras que são frequentemente encontradas por aí. Com a sofisticação da inteligência artificial (IA), especialmente pela sua capacidade de criar imagens de pessoas falando com cada vez mais realismo, as “fake news” ou “deep fake” devem estar cada vez mais presentes em todas as áreas de nossas vidas. Nunca foi, portanto, tão importante contar com locais de informação sólida, baseada em fatos, como, por exemplo, a Scot Consultoria.

Demais assuntos

Os assuntos acima concentram mais de 80,0% do total de artigos escritos ao longo destes dez anos. Aqui, vamos destacar alguns dos artigos dos 20,0% que restaram.

O primeiro a destacar é o “Brasil-China: excelentes oportunidades com o poderoso dragão, sendo mais saci e menos mula-sem-cabe…” (22/06/2020), baseado no webinar de lançamento da publicação “China-Brasil partnership on agriculture and food security” do Dr. Marcos Jank. Pela época do lançamento, havia algumas pessoas vocalizando descontentamento com o aumento da relação do Brasil com a China, o que ficou claro com o conteúdo do Webinar ser contraproducente. As palavras finais do artigo foram, então: “O Dragão é o símbolo mítico duradouro da milenar sociedade chinesa, significando proteção, sabedoria, força, poder e riqueza. A bem mais jovem sociedade brasileira tem também sua rica mitologia. O que a apresentação do livro deixou claro é que, para nos beneficiarmos dessa parceria, vai ser importante nos inspirarmos na astúcia do Saci Pererê, evitando o voluntarismo inconsequente da Mula-Sem-Cabeça”.

A relação Brasil-China tem se intensificado, e o mercado de carne bovina é um bom exemplo: ela importava diretamente 8,0% da carne produzida no Brasil em 2015 e, em 2024, esse valor passou a 46,0%, sendo que, neste ano, novos recordes de embarque rumo a este país já foram quebrados. Ainda que, nos últimos anos, tenhamos conseguido diversificar os importadores de carne brasileira, com boas perspectivas de ampliar mercados (incluindo o desejadíssimo mercado japonês, agora que somos área livre de vacinação de aftosa), hoje, ter o mercado chinês absorvendo mais de metade da nossa exportação, leva a uma “dependência” preocupante. Algo que ameniza essa preocupação é nosso perfil de fornecedor fiel, com produção robusta, produtos seguros para o consumo e a preços competitivos, que devemos manter e que é um dos pontos mais importantes da “astúcia do Saci”.

Para terminar essa retrospectiva decadal, trago o “Pastagens des-graduadas” publicado em 27 de março deste ano, que defende que a trajetória de uma pastagem produtiva para uma pastagem degradada é um contínuo, sem marcos destacados separando uma condição da outra. Assim, muito das que apontamos como “degradadas” seriam apenas estágios intermediários que não mereceriam esse adjetivo pejorativo. Neste texto, comentamos o magnífico trabalho feito na oficina “Conceitos e Indicadores para Diagnóstico e Monitoramento de Pastagens nos Biomas Brasileiros”.

Segue um trecho que resume bem o resultado do trabalho e explica o título: “[...] o grupo do Cerrado[...] decidiu que não deveria ter apenas um ponto inicial para delimitar ‘em degradação’ e um ponto final que determinaria a pastagem degradada, passando de três níveis para quatro. O primeiro nível, portanto, seria a melhor situação possível de um pasto, sem necessidade de nenhuma intervenção e, o segundo, o pasto na fase ‘tampão’ entre o ideal e o início da fase de degradação. As fases se completariam com o ‘pasto em degradação’ e ‘pasto degradado’. Aqui o título deste texto se justifica: o nosso maior problema é a falta de graduarmos o estado das pastagens. A solução para a definição de pastagens degradadas passa por resolver o problema de as pastagens serem des-graduadas”.

Essa oficina fez parte do Plano Nacional de Recuperação de Pastagens Degradadas, hoje com o novo nome “Caminho Verde” (https://www.gov.br/agricultura/pt-br/campanhas/caminho-verde), que visa recuperar até 40,0 milhões de hectares de pastagens de baixa produtividade ao longo dos próximos dez anos, convertendo essas áreas em terras agricultáveis de alto rendimento, sem a necessidade de desmatamento. Interessante observar o uso do termo pastagens de baixa produtividade, não pastagens degradadas. Amém!

Considerações finais

Antes das palavras finais, um agradecimento especial ao Alcides Torres, pela abertura desse espaço, e a todos da Scot Consultoria que trabalharam, ao longo desta década, com competência para que cada um deles ficasse à disposição dos leitores, e que sempre me trataram com simpatia e paciência pelas várias demandas de correção ou alteração nos textos.

No fim das contas, os 23 artigos destacados aqui correspondem a pouco mais de 1/5 do acervo e foram escolhidos não por serem os preferidos ou os melhores, mas para tentar dar uma ideia da abrangência e espírito do conjunto, ao mesmo tempo em que eram mais favoráveis ao “diálogo” com as mudanças nesse período de dez anos que celebramos. É um trabalho feito com amor, ao encadear letra após letra procurando construir a melhor palavra, encadear cada palavra, uma após a outra, para ter a melhor sentença e, sentença a sentença, construindo um texto que atinja seu objetivo: ser lido, entendido e que suas informações permitam ganhos ao leitor, que investe na leitura o que ele tem de mais valoroso na vida: seu tempo!

¹Polizel et al, 2025. Unveiling long-term prenatal nutrition biomarkers in beef cattle via multi-tissue and multi-OMICs analysis. doi.org/10.1007/s11306-025-02384-3

¹Da Silva et al, 2025. Drought Monitoring in the Agrotechnological Districts of the Semear Digital Center. doi.org/10.3390/atmos16040465

Sergio Raposo de Medeiros

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.

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