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Cana-de-açúcar: do boom de área à estagnação da produtividade

Em duas décadas de expansão da oferta, o setor aumentou área, enquanto os ganhos de rendimento por hectare ficaram para trás.


Foto: Shutterstock

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A cana-de-açúcar acompanha a história econômica do Brasil desde a colonização. O grande salto recente, porém, começou com o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975 em resposta à crise do petróleo, e que completou 50 anos recentemente. A partir dali a cana passou a ser também energia, não apenas açúcar.

Um novo ciclo se abriu em 2003, com a chegada dos carros flex. Ao permitir o uso do etanol ou gasolina no mesmo veículo, os flex consolidaram a demanda pelo biocombustível. Na prática, criou-se uma espécie de “demanda latente”: sempre que o etanol fosse competitivo, o consumo migraria da gasolina para o etanol. Esse movimento coincidiu com um período de crescimento econômico mais forte na década de 2000, o que ajudou a empurrar o setor sucroenergético.

Segunda dados da Unica, a moagem brasileira saiu de cerca de 257 milhões de toneladas em 2000/01 para algo em torno de 602 milhões em 2009/10 (figura 1), um aumento de 134,2%. Entre 2005/06 e 2010/11, segundo a Conab, a área plantada cresceu, em média, 6,6% ao ano, enquanto a produção aumentou 7,7% ao ano. A produtividade avançou apenas 0,8% ao ano. Em resumo, já nesse período, o aumento da produção veio quase todo do aumento de área, e não de ganhos consistentes de produtividade por hectare. Era mais vantajoso e fácil o arrendamento ou a aquisição de áreas do que o investimento em produtividade.

Figura 1.
Evolução da moagem de cana-de-açúcar no Brasil, em milhões de toneladas. 

Fonte: Conab, Unica / Elaborado por Scot Consultoria

A partir da década de 2010, o quadro muda. Entre 2010/11 e 2020/21, a Taxa de Crescimento Anual Composta (CAGR) da área foi de apenas 0,67% ao ano, a produção avançou 0,48% e a produtividade caiu em média, 0,19% ao ano. Se a década de 2000 foi de expansão acelerada, a década seguinte foi de estagnação.

Essa crise teve múltiplas causas, que se sobrepuseram ao longo do tempo. A entrada de grandes grupos do setor de petróleo e commodities agrícolas alterou a estrutura de governança de várias usinas, até então controladas majoritariamente por grupos familiares. Em alguns casos, houve choques culturais, alavancagem elevada e dificuldades de gestão operacional. Ao mesmo tempo, as empresas menores passaram a enfrentar problemas de competitividade diante dos grandes grupos.

No ambiente macroeconômico, o setor teve que lidar com forte volatilidade cambial e períodos de preços deprimidos do açúcar e do petróleo no setor internacional. Houve também problemas no crédito via BNDES, que sofreu mudanças e retração. No mercado interno, a política de controle dos preços dos combustíveis fósseis, usada entre 2011 e 2015 para segurar a inflação, reduziu a competitividade do etanol frente à gasolina.

A combinação desses fatores resultou em um processo prolongado de crise. Muitas usinas fecharam ou entraram em recuperação judicial, novas plantas foram engavetadas e a estratégia do setor passou a ser menos de expansão de fronteira e mais de sobrevivência e ganho de eficiência nas unidades existentes, o que, mais uma vez, deixou os investimentos em produtividade de lado (figura 2). Por exemplo, houve a diminuição da reforma dos canaviais e, por consequência, o aumento do número médio de cortes.

Figura 2.
Evolução da produção, no eixo da esquerda, em milhões de toneladas, e da produtividade, no eixo da direita, em toneladas por hectare. 

Fonte: Conab / Elaborado por Scot Consultoria

Uma das respostas de política pública foi o RenovaBio, lançado em 2017. O programa deu um novo sinal de longo prazo para o etanol e para outros biocombustíveis, embora ainda não tenha sido suficiente, por si só, para recolocar a cana em uma trajetória de expansão.

Nos dados recentes, há sinais de recomposição parcial. Entre 2021/22 e 2025/26, a área plantada cresceu 1,9% ao ano e a produção, 3,3% ao ano, enquanto a produtividade avançou 1,4% ao ano. É um movimento de recuperação depois de anos difíceis, mas não chega a reverter o diagnóstico de estagnação no horizonte mais longo.

Mesmo com esse quadro de estagnação de longo prazo, o cenário para a cana continua relevante, sobretudo pelo lado do etanol, com uma boa demanda, pensando no cenário macro. A prova disso são as usinas de etanol de milho, em franca expansão.

A crise da década passada deixou marcas na produtividade. Em muitos casos, a necessidade de reduzir investimentos levou à postergação da reforma de canaviais, com aumento do número de cortes e envelhecimento das lavouras. Problemas de manejo e nutrição, a transição da colheita manual com queima para a mecanizada e a expansão da cana sobre áreas menos férteis, limitaram os ganhos de produtividade.

Por outro lado, o melhoramento genético feito por instituições como o IAC e o CTC foi importante para evitar quedas maiores na produtividade. Olhando para frente, a irrigação tende a ser uma ferramenta para destravar avanços.

A cana-de-açúcar deixou para trás a fase de expansão acelerada de áreas e vive, atualmente, o seu período de “maturidade”. 

Lorenzo Cracco

Engenheiro agrônomo, formado pela Esalq/USP, Piracicaba/SP, com período de graduação no programa de intercâmbio na Katholieke Universiteit Leuven (KU Leuven), Bélgica. Atua como analista de mercado, na elaboração de análises setoriais nas áreas de pecuária, grãos, suplementos minerais e fertilizantes.

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