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Scot Consultoria

Engordar fêmeas II


Terça-feira, 9 de fevereiro de 2010 - 12h01

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


“Se é tão bom engordar fêmea, porque todo mundo não faz isso?” Foi a pergunta que fiz na semana passada. Olhem só algumas das respostas. Elas foram editadas para melhor compreensão. 1) Em primeiro lugar, já experimentou segurar um lote de fêmeas abrindo cio e um tourinho tucura à beira da cerca tentando entrar? Ele vai entrar! Em segundo lugar, elas ganham e perdem com facilidade peso/gordura/acabamento, o que acontece é que grandes quantidades todo mundo tem ao mesmo tempo à pasto. Em terceiro lugar, na compra destes animais você tem acesso ao descarte das fazendas e não ao lote cabeceira que vai para a reprodução. Ou seja, o mercado não abate os mais produtivos. 2) Acredito em algumas alternativas como respostas. 1o. Apesar da evolução do manejo, mineralização e medicamentos, ainda existem regiões em que há o chamado fator "clima" vocacional, as tradicionais regiões de cria. Não é considerada vantajosa a engorda, nem de boi nem de vacas. 2o. O preço do bezerro tem ficado bastante atrativo nos últimos anos. Basta fazer uma pesquisa sobre as taxas de reposição anteriores e atuais para verificar a situação. O bezerro está caro, voltou a ser vantajosa a cria. Sem vaca não pode, ainda, existir bezerro. Vamos ao debate, não existem donos da verdade. Compartilhar idéias é preciso. Inovar, também é preciso. 3) Acho que há dois fatores biológicos que fazem com que o custo da arroba produzida pela fêmea seja superior à do macho e ajustam esta conta: 1o. A fêmea tem conversão alimentar (...) inferior à do macho inteiro. 2o. Enquanto o macho é comprado com base em um rendimento de 50% e no abate dá 54%, a fêmea é comprada por 50% e, no abate, na melhor das hipóteses, dá os mesmos 50%. 4) Sou criador de fêmeas para abate ou reposição há aproximadamente 8 a 10 anos em Alagoas e tenho muitos dados que indicam um resultado melhor para a engorda das fêmeas. Desde o deságio da arroba do boi em relação ao bezerro, quanto à velocidade do giro do dinheiro, à capacidade de suporte dos pastos, à perda por briga e conservação de cercas, etc. Se avaliarmos somente o ganho de peso por animal, o macho ganha, mas o resultado financeiro por hectare é menor, e isso é o que importa, não é? 5) Não sei se esse pessoal que engorda bezerra ajusta os ganhos para rendimento de carcaça. Para mim o problema “engordar fêmea” é que não tem arbitragem de rendimento de carcaça entre a compra do animal magro e a venda do animal gordo. Quando compramos 360kg de boi magro, costumamos computar 12@ (360x50%=180/15=12) de entrada, e quando vendemos 500kg de boi gordo lançamos 18@ (500x54%=270/15=18). Então temos um “prêmio” de meia arroba sobre a carcaça de entrada (360x4%=14,4). Para fêmeas esse ganho não existe, pois uma novilha, para engordar 6@, pesa realmente 180kg e no abate vai pesar 330kg, ou 11@. Sem prêmio sobre o estoque de arrobas magras, portanto. Esse para mim é o principal fator a depor contra a engorda de fêmeas como atividade isolada. Além disso, temos o problema da conversão alimentar. Fêmeas são fáceis de acabar, engordar, mas comem mais para fazer isso. No confinamento isso é claro. Quanto menor for o prêmio de rendimento (gado de pasto rende menos que gado de confinamento, gado castrado rende menos que inteiro, gado abatido com 16@ rende menos que gado que vai a 20@, gado nelore rende mais que gado cruzado...) mais competitiva será a engorda de fêmeas. Quanto mais difícil for obter o bom acabamento da carcaça (confinamento x pasto, confinamento com alto grão x confinamento com volumoso alto... ), mais interessante será o trabalho com fêmeas. Finalmente, fêmea é bom de comprar, mas não é fácil de vender. O mercado de abate de fêmeas não é exatamente um mercado de risco de crédito agradável, são frigoríficos de mercado interno, segunda linha e muito difíceis de controlar a matança. Portanto esse negócio de engordar fêmea me parece mais uma atividade ligada ao setor de cria, que neste caso dá um tratamento nobre ao seu subproduto, do que uma atividade alternativa real para terminadores de gado. Para os terminadores, a engorda de fêmeas vai servir apenas em casos muito específicos e seu sucesso estará quase que totalmente relacionado a uma excelente compra, tem que “ganhar” as bezerras J. Alguém vai me corrigir e lembrar de programas como o Garantia de Origem (Carrefour), orgânico lá no MT (JBS) ou Rubia Galega (Pão de Açúcar). Nesses casos, não tenho dúvida que funciona, mas temos que convir que vender arroba de fêmea pelo valor da arroba de macho não é o mercado. Mais uma vez se trata de casos muito específicos. Resumindo: engordar fêmea é muito bom para o criador, pena que eles não prestem atenção à esta alternativa. Para os invernistas é atividade oportunista, não devem se converter no negócio principal. 6) Vou arriscar dar alguns palpites sobre o “baixo” volume de engorda de fêmeas. 1o. Oferta bem inferior à de machos: Para um plantel estabilizado de vacas há uma necessidade entre 10 a 20% de reposição por falhas de prenhes, defeitos produtivos (perda de peitos etc.) e mortes. Considerando uma taxa de desmama média de 75% e uma produção de 50% de fêmeas, teríamos uma produção de 37,5 bezerras para cada 100 vacas. Se precisamos de 10 a 20 bezerras para reposição, sobrariam de 17 a 27 bezerras para engorda, ou 48% a 77% da oferta de bezerros para engorda. Numa situação de retenção de fêmeas, como a que vivemos hoje, essa oferta para engorda seria ainda menor. 2o. Restrições de demanda: como o custo de transporte de fêmeas é proporcionalmente maior porque vão menos arrobas em um caminhão (mesmo quando se aumenta o número de cabeças transportadas em relação à quantidade de machos), o raio de compra de fêmeas praticado pelos frigoríficos é menor que o raio de compra de machos. Assim, dependendo de onde você está, o mercado de venda de fêmeas gordas é muito limitado. Agora, eu pergunto. Porque VOCÊ não me escreveu a sua opinião? Caro leitor, me escreva! Por mais que você ache que não vale a pena, a sua opinião é extremamente importante para mim. Então, da próxima vez que você ler algo que te fez vir uma opinião à cabeça, mesmo que seja contrária à minha, me escreva pelo menos para me xingar de besta quadrada. Antes de continuar, deixe-me colocar um aviso aqui. Semana que vem estarei de férias. Vou de moto para o Chile! Sim, você leu direito. Vou viajar 8.000 km até o Chile passando pelo norte da Argentina, cruzando a Cordilheira dos Andes até o Deserto do Atacama. Depois vamos descendo, margeando o Oceano Pacífico até Santiago. De lá cruzamos novamente as Cordilheiras até Mendonza, região dos vinhos, na Argentina. Daí, vamos por dentro do país até Assunção, capital do Paraguai. Terminamos atravessando o interior do Paraguai até sair em Ponta Porã, aqui do lado de Dourados. Observe o mapa do trajeto na figura 1. “Rogério, você é louco?” Não, não sou. As estradas são excelentes. “Você vai sozinho?” Não, vou com um companheiro motociclista daqui de Dourados. “Qual a sua moto?” É uma moto grande, compatível com a viagem. “Quantos dias você vai ficar fora?” Um mês. “Você vai escrever a Carta Pecuária enquanto estiver fora?” Não, caro leitor. Aliás, isso está me deixando um pouco triste. “Mas como é que você vai fazer para falar com sua casa?” Vou levar meu celular, ora. Lá pega normalmente. “O que seus pais estão achando dessa aventura?” Bom, obviamente meus pais, por serem “pais”, detestaram a ideia e me chamaram de irresponsável e inconsequente por deixar mulher e filha para trás e sair atrás dessas bobagens. Nada mais natural que os pais falarem isso. Então, por causa disso, caro leitor, o nosso próximo texto será publicado somente dia 12 de março. Google Quantos de vocês usam o Google? Vou te falar uma coisa, o sistema deles é bom. Como vocês sabem, a Carta Pecuária é distribuída pelos servidores do Google. O site também é desenvolvido no sistema deles. Agora, o que vocês não sabem é que o controle das fazendas no nosso escritório está migrando para a internet, através do Google Docs. É como um Microsoft Office, só que online. Já estão na internet o diário de cada fazenda, o controle de nutrição do gado, o estoque de animais e o histórico de chuvas. Está em processo de migração o controle dos tratores, a planilha de controle de uso de medicamentos e o controle de custos do rebanho. Quando tudo estiver migrado, de qualquer lugar a gente pode entrar, ver e alterar as planilhas. Facilita demais a vida. Somente uma coisa ainda ficará sem mudanças: é o controle financeiro da empresa. Usamos o programa chamado Quicken e esse ainda ficará no escritório. Gostaria de salientar a importância de se possuir um diário dentro da fazenda. Isso não tem nada a ver com o mercado, nós copiamos essa técnica de outras fazendas bem organizadas. Um diário é como o diário de bordo de um navio. Lá é anotado tudo o que acontece na fazenda durante o dia. É de responsabilidade do gerente/administrador da propriedade. Estão lá: mortes, nascimentos, serviços, vendas, o que os funcionários fizeram, o consumo de sal e de medicamentos, se chegou ou saiu qualquer coisa de dentro da fazenda e as visitas que foram feitas de técnicos/vendedores/compradores/outros. São anotadas também as ordens que foram dadas, as tarefas que foram solicitadas e a conclusão dos serviços. Obviamente, nem tudo isso ocorre no mesmo dia, mas quando ocorre, há uma anotação. Isso é o documento oficial da fazenda. Se não estiver lá, não aconteceu. Ajuda demais, demais mesmo. Dá um trabalho danado para implantar no início, mas depois a coisa funciona. Se você tiver paciência de fazer isso, te garanto que muda a cara da fazenda. É através do diário que alimentamos as outras planilhas de controle. Com ele e suas informações na mão, o resto fica fácil. Era fácil no escritório. Agora com o escritório online, fica fácil de qualquer lugar. Rastreamento “Rogério, vocês fazem o rastreamento do seu rebanho?” Não. “Por que não?” Rastreamos desde 2003 até 2008 e só deu dor de cabeça. O problema é a conferência e manutenção de 100% dos animais rastreados. Acho o retorno financeiro atual incompatível com o trabalho. E mais — à medida em que mais fazendas entram no “sistema”, menor será a necessidade de se pagar ágio pela arroba rastreada. “Ah, Rogério, mas você está perdendo dinheiro em não rastrear o rebanho.” Não sei, não. Existe uma diferença enorme entre perder dinheiro e deixar de ganhar. Para trabalhar com commodity deve-se que desenhar uma linha imaginária de custos e tomar cuidado de não ultrapassá-la. Porque senão fica-se nessa ânsia de “fazer alguma coisa”, sendo que quanto mais simples o sistema, mais lucrativo (e com menor impacto ambiental, tá na moda) ele é. Isso vale para rastreamento e também para técnicas mirabolantes de aumento de produtividade na fazenda. Mercado Na última semana a arroba rompeu para cima a sua tendência de baixa iniciada lá em julho-09, como você pode ver na figura 2. Observe a linha do preço recentemente sendo desenhada acima da reta em rosa. Isso é extremamente importante sob o ponto de vista de direção dos preços no curto-prazo. Além disso, o IFR não está ainda sobre-comprado. Isso é sinal que está havendo espaço para essa alta recente da arroba e confirma o movimento. As escalas de abate não andam. Além de não andarem, estão caindo. Hoje os frigoríficos em São Paulo possuem 4 dias de animais comprados, apenas. Isso é menos da metade do que tinham em plena entressafra, no auge dos confinamentos em outubro, com as escalas ao redor de 9 dias de animais comprados. Observe na figura 3. Quatro dias é pouco tempo. Historicamente, uma oferta tão baixa mexeu com os preços da arroba — para cima. É isso que já estamos vendo agora acontecendo. Se bem que a alta até agora está sendo tímida, contida. Não há desespero de compra. Pelo menos até agora. Mas estava andando de moto na sexta-feira (5/2) e me veio uma sensação diferente ao ver as avenidas tomadas de carro. Gente, estamos falando de Dourados, uma cidade de interior. Estava lotada de carros, os bares cheios, o povo andando na rua, as lanchonetes cheias de gente... Daí me veio: “Esquece... a crise já era... foi embora.” A construção civil já está dando sinais de stress novamente, que nem em 2008. Mão de obra já começou a faltar. Preços dos insumos já estão sinalizando alta. Os ingressos dos shows da Beyoncé esgotaram logo quando foram postos à venda. Acho que você entende onde quero chegar, não é? Isso se traduz em maiores salários, maior renda para a população. Ainda mais em um ano eleitoral. O ponto-chave aqui é que parte dessa renda repercute no consumo de carne, e isso para nós faz toda a diferença. As exportações também voltaram firmes. No final de 2009 e já no início de 2010 elas estão mostrando uma retomada dos negócios. O importante são as médias A gente não vende boi todos os dias, mas os frigoríficos compram bois todos os dias, várias vezes ao dia. Assim sendo, dá para se utilizar o indicador da Esalq/BVMF como um balizador de preços pagos efetivamente, em média, pelos frigoríficos. Como o boi é a sua principal matéria-prima, como é que anda o custo de aquisição desse produto? Sob o ponto de vista de um frigorífico, o preço da arroba é desenhado assim, com a média dos últimos 12 meses da arroba. Observe a figura 4. Observar a arroba dessa maneira esclarece muita coisa. Mostra, por exemplo, que este início de 2010 está melhor para comprar do que foi o início do ano passado, no auge da crise, e isso sem considerar o que falamos sobre a melhora da renda e das exportações. A média de 2009 foi R$78,70. Não me surpreenderia se, na média, 2010 terminasse acima disso.
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