Se benefícios fiscais para defensivos agrícolas não forem considerados constitucionais, a competitividade do agronegócio brasileiro e os custos de produção serão colocados em xeque.
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Há quase três décadas, está em vigor no Brasil o Convênio ICMS 100/97, um acordo firmado em 1997 entre os estados brasileiros no âmbito do CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária). A medida reduz a base de cálculo em até 60% ou isenta o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre insumos agropecuários, aliviando os custos de produção e garantindo competitividade e previsibilidade à atividade agropecuária.
Produtos essenciais para o agronegócio, como fertilizantes, defensivos, vacinas, medicamentos, sementes, rações e suplementos, estão amparados pelo Convênio ICMS 100/97. Tal benefício é revisado e renovado periodicamente pelo CONFAZ, normalmente a cada dois anos, e a última atualização estendeu a vigência do convênio até 31 de dezembro de 2027. (Clique aqui para ler o ato declaratório).
Apesar da longa vigência da medida e da atualização que a estende até 2027, o STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou em 16 de outubro, a análise de ações – ADIns (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.553 e 7.755 movidas pelo PSOL e pelo Partido Verde respectivamente - que questionam os incentivos fiscais concedidos a defensivos agrícolas. As discussões questionam a possibilidade desses benefícios violarem princípios constitucionais relacionados ao meio ambiente, à saúde pública e à isonomia tributária.
Embora o tema esteja em discussão atualmente, os primeiros questionamentos começaram em 2016, com a ADI 5.553, que questiona o Convênio 100/97 e o Decreto 7.660/2011, que concede isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para determinados defensivos. Em seguida, foi protocolada em 2024 a ADI 7.755, que questiona as mesmas cláusulas do Convênio 100/97 e dispositivos da Emenda Constitucional 132/2023, relacionados ao regime diferenciado de tributação de insumos agropecuários.
Os críticos aos incentivos fiscais para defensivos agrícolas afirmam que tais benefícios podem infringir cláusulas da constituição, por comprometerem direitos à saúde pública e à preservação ambiental. A concessão de desonerações a pesticidas foi comparada à hipótese de isentar impostos sobre cigarros ou bebidas alcoólicas.
Segundo os opositores, essas vantagens tributárias tendem a favorecer a produção de commodities voltadas à exportação, em detrimento de alimentos básicos, e incentivam o uso excessivo de produtos químicos, alguns proibidos em outros países. Ressaltam que o Estado não deveria subsidiar insumos que contaminam o solo, poluem a água e colocam em risco a saúde da população.
Além disso, argumentam que os principais beneficiários são grandes propriedades voltadas à exportação, que são os responsáveis pelo maior consumo de defensivos. Para reforçar suas posições, citam experiências internacionais, como na Bélgica e na França, onde a tributação varia conforme o grau de toxicidade dos produtos.
Os defensores da manutenção dos incentivos argumentam que a revogação das desonerações elevaria em R$16 bilhões por ano os custos de produção do setor agropecuário, pressionando os preços dos alimentos e comprometendo a segurança alimentar do país, atingindo especialmente produtos básicos do consumo nacional.
Ressaltam que os defensivos agrícolas não devem ser tratados como artigos supérfluos, mas como insumos indispensáveis à atividade produtiva. Nesse sentido, alertam que um aumento na carga tributária poderia reduzir a eficiência das lavouras e até estimular o desmatamento.
Representantes do setor destacaram que o Brasil adota padrões de controle e fiscalização compatíveis com as principais referências internacionais e que os defensivos passam por rigorosas análises técnicas conduzidas por Anvisa, Ibama e Ministério da Agricultura, reforçando que, quando utilizados de forma supervisionada e dentro das normas, não geram impactos ambientais relevantes e que a elevação de impostos poderia incentivar o comércio ilegal.
Defendem, ainda, que a concessão de benefícios tributários é prerrogativa dos Poderes Executivo e Legislativo, não cabendo ao Judiciário interferir, salientando que a redução tributária foi aprovada pelo Congresso Nacional - com 461 votos favoráveis e apenas 24 contrários -, inclusive com o apoio de partidos que hoje contestam a medida.
Por fim, afirmam que, com fiscalização eficiente, não há justificativa técnica ou ambiental para o fim do benefício fiscal.
Conforme citado, o convênio prevê a redução da base de cálculo do ICMS, o que, na prática, reduz a alíquota efetiva incidente sobre esses produtos.
Em um cenário em que a alíquota do ICMS é de 12% - ressaltando que a alíquota não é uniforme e muda de estado para estado -, a aplicação do Convênio 100/97 reduz a base de cálculo em 60%, resultando em um imposto efetivo de aproximadamente 4,8%.
Suponha que um galão de defensivo agrícola custe R$1.000,00. Sem o benefício, o ICMS seria de 12%, totalizando R$120,00. Com o convênio em vigor, 40% do valor é considerado na base de cálculo, ou seja, R$400,00. Assim, o imposto cai para R$48,00.
O resultado é uma economia de R$72,00 por unidade, o que, em larga escala, representa uma diferença expressiva nos custos de produção.
O Convênio é um instrumento relevante para o agronegócio, entretanto, seu futuro está condicionado a decisões judiciais que podem redefinir o cenário tributário e econômico para produtores e empresas. Eventuais alterações podem afetar negativamente os custos de produção, a rentabilidade, o planejamento financeiro e toda a cadeia produtiva, repercutindo nos preços ao consumidor final e potencialmente comprometendo a segurança alimentar.
Até o momento, nenhuma decisão foi tomada, e a medida está em vigor com os mesmos fundamentos, porém o alerta está ligado, a insegurança se disseminou, e o debate deverá ressurgir.
Referencias:
CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA (CONFAZ). Convênio ICMS 100/97. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/convenios/1997/CV100_97. Acesso em: 27 out. 2025.
MIGALHAS. Incentivos fiscais a agrotóxicos são constitucionais; STF julga. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/442474/incentivos-fiscais-a-agrotoxicos-sao-constitucionais-stf… Acesso em: 27 out. 2025.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Processo STF Incidente 5011612. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5011612. Acesso em: 27 out. 2025.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Processo STF Incidente 7103152. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=7103152. Acesso em: 27 out. 2025.
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