Especialistas reunidos pelo Diálogo Agropolítico Brasil-Alemanha (APD) analisaram o mercado de produtos biológicos em um webinar, destacando o panorama do mercado e tendências ao redor do mundo.
Foto: Freepik
Em 24 de junho, foi realizado um webinar promovido pelo Diálogo Agropolítico Brasil-Alemanha (APD). A iniciativa é um instrumento de cooperação bilateral para o intercâmbio técnico, político e científico de experiências e políticas públicas, focando na transformação e sustentabilidade do sistema agroalimentar.
As apresentações e debates contaram com um painel diversificado de especialistas. Como representante brasileira, participou Christiane Abreu de Oliveira, pesquisadora da Embrapa Milho e Sorgo na área de Microbiologia e Bioquímica do Solo. O debate incluiu também Brigitte Kranz, da Associação Internacional de Fabricantes de Biocontrole (IBMA) como representante da União Europeia, Ricardo Yapur, CEO da Rizobacter Global, representando a Argentina, David Vásquez, pesquisador da Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (AGROSAVIA), e a representante uruguaia Alda Rodrigues dos Santos, fundadora do Instituto BIO Uruguay e diretora técnica do laboratório da CREBIO.
No Brasil, segundo a legislação vigente, os produtos biológicos são divididos em duas categorias principais: inoculantes, destinados à promoção de crescimento ou nutrição vegetal, e produtos para controle de pragas e doenças, como bionematicidas e biofungicidas.
A regulamentação desses produtos obedece a diversas normas, com destaque para a Lei no. 6.894, de 1981, que estabelece as diretrizes para a produção e o uso de inoculantes.
Até 2020, os insumos biológicos no Brasil estavam sujeitos a regulamentações em comum com produtos químicos. No entanto, a partir daquele ano, houve progressos na legislação referente aos produtos biológicos. Um marco importante foi a criação do Programa Nacional de Bioinsumos, instituído pelo Decreto no. 10.375, de 2020.
Recentemente, foi sancionado do novo marco regulatório do setor, a Lei no. 15.070, de 23 de dezembro de 2024, que substituiu a Lei no. 14.785, de 27 de dezembro de 2023. Conhecida como "Lei dos Bioinsumos", ela trouxe clareza sobre produção, importação, registro, comercialização, exportação, transporte, fiscalização e outros aspectos relevantes para o setor.
Os avanços regulatórios têm sido em parte decorrentes do crescimento do mercado. O setor de biológicos no Brasil cresceu quatro vezes mais do que a média global, tendo tido um crescimento de 13% na área tratada de 2023/2024 para 2024/2025 e uma taxa de adoção de 23% para 24%. A área tratada alcançou 156 milhões de hectares no período. Os dados são do projeto Bioinsumos do Brasil, da Blink em parceria com a Croplife Brasil.
Ainda segundo o projeto, a cultura que mais usa bioinsumos é a soja, seguida pelo milho, cana-de-açúcar e outras (figura 1), e em relação à participação no mercado, os bioinseticidas e bionematicidas lideram, com 27% e 28% na participação total (figura 2).
Figura 1.
Uso de bioinsumos por cultura no Brasil.
Fonte: Blink e Croplife Brasil/ Elaborado por Scot Consultoria
Figura 2.
Participação por classe de bioinsumos no mercado brasileiro, em 2024.
Fonte: Blink e Croplife Brasil/ Elaborado por Scot Consultoria
Segundo estimativas do Projeto Bioinsumos do Brasil, o mercado de bioestimulantes é de R$2,5 bilhões, o de biodefensivos R$3,5 bilhões e o de inoculantes R$1,0 bilhão.
No Brasil, a produção de bioinsumos se divide em duas modalidades: a industrial e a on-farm (na própria fazenda). Enquanto a produção industrial avança com um controle de qualidade mais rigoroso, a modalidade on-farm ainda tem um longo caminho a percorrer. Para ilustrar esse desafio, um estudo conduzido pela Embrapa em 2022 com amostras de diversas fazendas do país revelou dados alarmantes: 100% das amostras on-farm analisadas estavam contaminadas, 44% continham agentes com risco patogênico à saúde humana e um terço dos micro-organismos encontrados apresentou resistência a antimicrobianos (Bocatti et al., 2022).
Segundo a dra. Christiane, a produção de bioinsumos on-farm precisa de melhores mecanismos de controle para garantir a qualidade e a rastreabilidade. É importante notar que a garantia de qualidade nessa modalidade de produção impacta o mercado como um todo, inclusiva o panorama de exportações. Além dos desafios na produção, o mercado de biológicos no Brasil enfrenta outras barreiras relevantes, como a lentidão na aprovação de novas patentes, a volatilidade cambial e os desafios climáticos de cada região. Adicionalmente, são necessários investimentos nos bancos brasileiros de germoplasma, que são parte fundamental na dinâmica brasileira de produção de bioinsumos, que mantêm as coleções microbianas, para garantir a segurança e disponibilidade de matéria prima.
Apesar dos entraves, as tendências para os bioinsumos no Brasil indicam crescimento, aponta a dra. Christiane. Essa perspectiva está amparada pelo aumento do uso para manejo integrado de pragas, pela maior adoção de práticas sustentáveis e pela crescente preocupação com a saúde do solo. Espera-se que os próximos anos tragam a consolidação de micro-organismos de terceira geração (com edição genética) e de quarta geração, que envolvem novas formulações e metabólitos (biologia sintética/biorrefinarias).
É importante notar o pioneirismo das instituições de pesquisa públicas brasileiras no desenvolvimento dos biológicos. Em 1970 a Embrapa foi pioneira na introdução da fixação biológica de nitrogênio, e em 2019, sob a liderança da dra. Christiane, a Embrapa lançou o primeiro bioinsumo solubilizador de fósforo no Brasil.
A dra. Brigitte Kranz, da Associação Internacional de Fabricantes de Biocontrole (IBMA), apresentou a classificação de agentes de controle biológico utilizada na União Europeia, um modelo diferente do brasileiro. Segundo ela, o sistema europeu divide os biológicos em cinco categorias: benéficos (insetos, ácaros e nematódeos); micro-organismos (vírus, bactérias e fungos); feromônios; substâncias naturais (extratos de plantas e minerais); e bioestimulantes.
Em sua análise, a dra. Brigitte abordou as perspectivas do mercado, indicando uma tendência de crescimento global estimada em 12,7% até 2027, com destaque para a categoria de biocontrole. Na União Europeia, a aplicação de produtos biológicos supera a de químicos desde 2016. Esse movimento é impulsionado pela pressão do público por redução no uso de produtos fitossanitários químicos e pela adoção de produtos com menor risco ambiental, além das restrições impostas pelo regulamento (CE) no. 1107/2009, vigente no bloco.
A União Europeia, embora seja um dos mercados de biológicos mais maduros do mundo, tem sua posição global desafiada por um crescimento lento quando comparada a regiões de expansão mais acelerada, como a América Latina.
Dados de uma pesquisa da IBMA (Associação Internacional dos Fabricantes de Biocontrole), com informações coletadas em 2022, ilustram essa dinâmica. A pesquisa mostra que, apesar de a indústria de biológicos na Europa ter dobrado de tamanho desde 2016, o ritmo recente diminuiu. O crescimento anual desacelerou de um patamar de 17% para aproximadamente 8% no período entre 2019 e 2022, especialmente no setor de proteção de plantas.
Em 2022, o mercado atingiu 1,54 bilhão de euros. Este valor, consistente com a nova taxa de crescimento anual de 8%, confirma a tendência de um avanço moderado, em grande parte atribuído aos longos e complexos processos regulatórios que dificultam a entrada de novas tecnologias biológicas na região.
O principal motivo para essa desaceleração são os entraves regulatórios. Estima-se que um novo produto leve de 10 a 20 anos para ter seu princípio ativo autorizado na União Europeia, e o tempo total até a entrada no mercado em todos os países membros pode chegar a 32 anos.
Para reverter esse quadro, a dra. Kranz menciona a necessidade agilidade na aprovação de novos produtos, uma abordagem regulatória "mais ambiciosa e menos emocional" e maiores investimentos públicos em pesquisa e extensão. Segundo ela, é preciso apoiar a modernização dos métodos e incorporar estratégias regulatórias, enquanto os produtores rurais do bloco buscam por alternativas de melhor custo-benefício, com maior eficiência e eficácia.
Ricardo Yapur, CEO da Rizobacter Global, apresentou o panorama dos mercados global e argentino de biológicos.
Segundo Yapur, o mercado global deve alcançar no mínimo US$19,6 bilhões até 2027. Desse total, o segmento de biocontrole deve representar US$12 bilhões, e o de bioestimulantes, US$7,6 bilhões. Também é esperado crescimento no mercado de biofertilizantes. Em contraste, Yapur projeta uma retração no mercado de agroquímicos, com uma queda esperada de 6,4%, atingindo US$77,1 bilhões no mesmo período.
Outra projeção é a de que o mercado de biológicos represente 50% do mercado global de proteção de cultivos até 2049. Essa expectativa está amparada pela crescente demanda por produtos saudáveis, pela necessidade de preservação do solo (especialmente sua macro e microbiota) e por novos equilíbrios de custos. Como exemplo, Yapur mencionou que os biológicos têm o potencial de atender à demanda por produtos mais acessíveis na Argentina, onde os altos custos de arrendamento e as margens menores pressionam os produtores.
Em relação à América Latina, onde se apresentam oportunidades, a indústria de biológicos cresce a uma taxa de 15% ao ano. No continente, os biopesticidas correspondem a 62% do mercado. O Brasil é o principal mercado da região, representando um terço do consumo de bioestimulantes e 50% do de biocontrole. O segundo maior mercado é o México, que passa por um processo de desenvolvimento de um marco normativo para impulsionar a regulação e a adoção de biológicos no país.
A Argentina é um mercado promissor, com um crescimento de 11% em 2024 em relação a 2023. No país, o tratamento de sementes com produtos biológicos é o segmento mais representativo (51% do mercado), seguido pelos bioestimulantes.
Nos demais países, como Chile, Equador, Colômbia e nações da América Central, o mercado de biológicos também segue em tendência de crescimento, com uma crescente aceitação pelos produtores rurais.
Yapur também trouxe considerações sobre pontos para o desenvolvimento da indústria de biológicos na América Latina. Segundo ele, a participação das multinacionais impulsiona a evolução da ciência na área e gera uma concorrência em produtos, portfólios e tecnologias, o que acelera a inovação no setor.
Ele menciona a necessidade de um enfoque estratégico para a promoção de produtos e informa que é necessária capacitação dos representantes técnicos e comerciais. Dessa forma, eles poderão fornecer informações com qualidade técnica e clareza aos produtores rurais, permitindo uma maior adoção das tecnologias da indústria de biológicos.
David Vásquez, pesquisador da Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (AGROSAVIA), trouxe o contexto colombiano para os bioinsumos. Na Colômbia, os bioinsumos são regulamentados pela norma no. 68370/2020, que trata de produtos biológicos, e pelas normas no. 1580/2022 e 0150/2023, que se referem a produtos para controle de pragas, fertilizantes e condicionadores de solo.
No país, uma parcela significativa das propriedades rurais é composta por unidades familiares, representando cerca de 70% das unidades produtivas do país. Essa característica, segundo Vásquez, favorece a ampla utilização dos chamados “biopreparados”, produtos desenvolvidos pela agricultura familiar para consumo próprio.
Segundo dados do Instituto Colombiano Agropecuário (ICA), até julho de 2024, havia 141 empresas registradas para a produção de bioinsumos e 153 para a importação desses produtos.
Ainda de acordo com o ICA, o país contava com 406 produtos registrados, sendo os inoculantes biológicos os mais representativos, com 31,8% do total, seguidos por agentes microbianos (28,4%) e extratos vegetais (15,3%). Os bioquímicos, macro-organismos, biocontroladores, promotores de crescimento e bioestimulantes compõem os 24,5% restantes.
Vásquez também destacou as metas ambiciosas da Colômbia em relação ao uso de biorecursos, por meio do Plano Nacional de Bioeconomia, que busca potencializar o desenvolvimento socioeconômico do país por meio da gestão eficiente e sustentável dos recursos naturais e da biodiversidade — incluindo a indústria de bioinsumos. Entre as metas estabelecidas estavam: fazer com que a bioeconomia representasse 10% do PIB até 2030, gerar 2,5 milhões de empregos e registrar mais de 500 produtos até o mesmo ano.
A dra. Alda Rodrigues dos Santos, fundadora do Instituto BIO Uruguay e diretora técnica do laboratório CREBIO, destaca que o Uruguai vive um momento de transformação para a indústria de biológicos. Sua perspectiva está embasada por décadas de trabalho pioneiro, como sua pesquisa sobre o controle do carrapato bovino com fungos nativos, que exemplifica o tipo de inovação que o país busca escalar.
Segundo a especialista, o catalisador dessa mudança é o Plano Nacional de Bioinsumos (PNB), oficializado pelo Decreto no. 42/025, de fevereiro de 2025. O plano não foi uma medida súbita, mas o resultado de um amplo diálogo entre o governo, cientistas e o setor produtivo. Seu objetivo é unificar normas, dar segurança jurídica e fomentar a produção sustentável por meio de quatro pilares estratégicos: inovação, fortalecimento regulatório, gestão do conhecimento e incentivos à produção.
A perspectiva do mercado é de pleno crescimento, impulsionado pela nova legislação e pela crescente demanda do agronegócio por tecnologias limpas e sustentáveis. Esse dinamismo já era evidente no final de 2021, quando o número de produtos em avaliação no ministério (18) já superava o total de bioinsumos registrados até então (14), confirmando a confiança dos investidores e a aceleração do setor.
Com esta estratégia, o Uruguai se posiciona de forma inteligente na América do Sul. Em vez de competir em volume com gigantes como o Brasil, o país aposta na agilidade regulatória e na especialização para se tornar um polo de desenvolvimento de bioinsumos de alto valor.
O mercado de biológicos mostra potencial de crescimento, e isso se confirma em dados e expectativas para diferentes regiões do mundo. Apesar dos desafios regulatórios, climáticos ou estruturais de cada país ou região, a perspectiva é de que na América Latina e União Europeia, o uso de biológicos passe a ser cada vez mais comum em diferentes frentes na agricultura e na pecuária.
<< Notícia AnteriorReceba nossos relatórios diários e gratuitos