Programa estadual remunera produtores rurais pela conservação ativa de vegetação nativa no Pantanal sul-mato-grossense.
Foto: Freepik
Desde a sanção da Lei Federal nº 14.119/2021, que instituiu a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), observa-se uma evolução significativa dos mecanismos regulatórios voltados à valorização dos ecossistemas e ao reconhecimento do papel do produtor rural na conservação do meio ambiente.
Conforme comentado em artigo de 24/11/2023, os PSAs têm ganhado maturidade institucional e jurídica, sendo capazes de conjugar proteção ambiental com remuneração econômica por parte do Estado ou de entidades privadas.
No final de julho de 2025, o Governo do Mato Grosso do Sul lançou um novo e ambicioso programa estadual: o Edital SEMADESC nº 006/2025, referente ao subprograma "Conservação e Valorização da Biodiversidade" do PSA Bioma Pantanal.
A iniciativa representa um salto qualitativo em relação aos projetos anteriores como o PSA "Uso Múltiplo Rios Cênicos", não apenas pela escala territorial, mas também pela sofisticação técnica dos critérios de elegibilidade e de valoração ambiental.
No PSA "Uso Múltiplo Rios Cênicos" (Resolução Semagro 717 de 25/9/2020), o recurso financeiro foi disponibilizado no Edital Semagro/Funles 02/2021, remunerando mais de 40 propriedades rurais selecionadas com 3,1 mil hectares de pastagens, 1,9 mil hectares de área de conservação (reserva legal, remanescente florestal ou área de proteção permanente), 197 hectares de agricultura, 160 hectares de áreas úmidas e 32 hectares em fase de restauração, com proprietários rurais estabelecidos nas bacias hidrográficas dos rios da Prata e Formoso, nos municípios de Jardim e Bonito.
Em 2021 o Governo Estadual disponibilizou R$942,8 mil e recentemente (2023) anunciou ampliação para microbacias dos rios Betione e Salobra, na região de Bodoquena e Miranda, acrescentando R$1,0 milhão de reais para pagamentos.
Já em 2023, o Edital SEMADESC/FUNLES nº 012/2023, aumentou a abrangência e os recursos a serem repassados, incluindo as bacias hidrográficas do Salobra e Betione, contemplando os municípios de Bodoquena, Jardim, Bonito e Miranda no Mato Grosso do Sul, totalizando abrangência de 571,8 mil hectares.
Agora, diferentemente de ações voltadas apenas à recuperação de nascentes ou ao combate à degradação em microbacias, o atual edital adota uma abordagem sistêmica, voltada à remuneração pela conservação ativa de excedentes de vegetação nativa no Bioma Pantanal.
O foco está em áreas florestais, savânicas e campestres que excedem os percentuais mínimos legais exigidos pela legislação ambiental, ou em áreas cuja supressão estava autorizada, mas cujo desmatamento será voluntariamente evitado.
A proposta está amparada em um sólido arcabouço legal, que inclui, além da já citada Lei Federal nº 14.119/2021, a Lei Estadual nº 5.235/2018, que instituiu o Programa Estadual de PSA em Mato Grosso do Sul, e a recente Lei nº 6.160/2023, que trata da conservação da Área de Uso Restrito da Planície Pantaneira.
Segundo a Lei Federal nº 14.119/2021, os principais conceitos são:
Art. 2º Para os fins desta Lei, consideram-se: [...]
III - serviços ambientais: atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos;
IV - pagamento por serviços ambientais: transação de natureza voluntária, mediante a qual um pagador de serviços ambientais transfere a um provedor desses serviços recursos financeiros ou outra forma de remuneração, nas condições acertadas, respeitadas as disposições legais e regulamentares pertinentes;
V - pagador de serviços ambientais: poder público, organização da sociedade civil ou agente privado, pessoa física ou jurídica, de âmbito nacional ou internacional, que provê o pagamento dos serviços ambientais nos termos do inciso IV deste caput;
VI - provedor de serviços ambientais: pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, ou grupo familiar ou comunitário que, preenchidos os critérios de elegibilidade, mantém, recupera ou melhora as condições ambientais dos ecossistemas.
A Lei Estadual nº 6.160/2023, conhecida por lei do pantanal sul-mato-grossense, também comentada em artigo de 1/9/2023, inovou ao reconhecer os remanescentes de vegetação nativa como ativos ambientais passíveis de gerar instrumentos econômicos, como créditos de carbono e pagamentos diretos.
Entre os critérios de elegibilidade exigidos pelo edital, destacam-se a regularidade fundiária ou possessória do imóvel, a inscrição válida no Cadastro Ambiental Rural do Estado (CAR-MS), a ausência de infrações ambientais ou embargos, além da comprovação de regularidade fiscal, sanitária e trabalhista.
Importa observar que o edital admite tanto proprietários quanto posseiros legítimos como provedores de serviços ambientais, ampliando a abrangência do programa e o acesso a pequenos e médios produtores.
O valor base de remuneração é de R$55,47 por hectare/ano de vegetação nativa excedente, com teto de até R$100,0 mil por propriedade, podendo chegar a R$300,0 mil para grupos econômicos com até três propriedades habilitadas.
Adicionalmente, para os casos de cancelamento de autorização ambiental de supressão de vegetação nativa, há previsão de pagamentos fixos ou variáveis conforme a área envolvida. Os valores são pagos em duas parcelas, correspondentes aos anos de 2025 e 2026, com recursos do Fundo Clima Pantanal.
O contrato entre o Estado e o produtor é formalizado via Termo de Adesão, com vigência até dezembro de 2026. Não há incidência de tributos sobre os valores recebidos, nos termos do art. 2º, inciso IV da Lei Federal nº 14.119/2021.
As obrigações assumidas exigem a manutenção da integridade ambiental da área contratada, sob pena de suspensão dos pagamentos, exigência de devolução e impedimento temporário de participação em novos editais.
O processo seletivo considera ainda critérios técnicos de priorização, como a localização em áreas prioritárias para conservação da biodiversidade, a existência de medidas preventivas contra incêndios florestais e a disposição do produtor em permitir o monitoramento da biodiversidade por instituições científicas.
Em resumo, o Edital PSA Bioma Pantanal marca uma fase madura da política pública ambiental no Brasil, consolidando a transição de um modelo compensatório para um modelo de incentivo econômico direto à conservação. Para o setor produtivo rural, em especial no Pantanal, representa uma oportunidade concreta de diversificação da renda, valorização da paisagem natural e regularização ambiental proativa.
O futuro da conservação ambiental no campo passa, cada vez mais, por mecanismos como o PSA. Programas bem estruturados como o PSA Bioma Pantanal demonstram que é possível aliar segurança jurídica, preservação ecológica e geração de renda, sem antagonismo entre produção e conservação.
Diante da complexidade técnica e jurídica dos critérios e documentos exigidos, é recomendável que os interessados realizem uma leitura atenta do edital e contem com apoio técnico especializado no processo de inscrição.
As inscrições estão abertas até 20 de agosto de 2025, pela Plataforma Editais Prosas.
Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644), Consultor e Professor em Direito Agrário e Ambiental. Doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2025), Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008), ambos pela Universidade Católica Dom Bosco. É comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões ativo de comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB desde 2013, tendo exercido a função de Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS (2013/2015).
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