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Fazenda no Cerrado sem Reserva Legal


Quarta-feira, 27 de janeiro de 2021 - 16h00

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Foto: Shutterstock


Em outra oportunidade, tratamos de áreas consolidadas, ou seja, aquelas definidas pelo Código Florestal (artigo 3o., IV) como a área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, mas o enfoque foi apenas para áreas de preservação permanente.


Há uma situação ainda mais intrigante na legislação e que não pode ser esquecida pelos produtores que buscam regularização ambiental de suas fazendas no bioma Cerrado, principalmente no Centro-Oeste do país.


Segundo o Código Florestal, no artigo 68, proprietários ou possuidores de imóveis rurais que realizaram supressão de vegetação nativa (desmate), respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época (1934, 1965, 1989, 2001 etc.) em que ocorreu a supressão, são dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais atuais.


Os percentuais atuais são: para propriedades rurais na região da Amazônia Legal, 20% em campos gerais, 35% em cerrado e 80% em florestas amazônicas; e nas propriedades rurais fora da região amazônica, o mesmo percentual de 20%.


Assim como lembramos que as áreas consolidadas em APPs foram consideradas “constitucionais”, ou seja, válidas, pelo Supremo Tribunal Federal, segundo vários dos Ministros que julgaram as ações diretas de inconstitucionalidade contra o Código Florestal, também consideraram questão de “segurança jurídica” manter vigente o texto do citado artigo 68.


De acordo com o Ministro Edson Fachin é uma “verdadeira regra de transição. Permite àqueles que realizaram supressão de vegetação nativa em conformidade com os percentuais de Reserva Legal em vigor à época que sejam dispensados do dever de realizar a recomposição, compensação ou regeneração, com a finalidade de atender aos percentuais mais rígidos previstos pelo Novo Código Florestal. Ou seja, se a supressão de vegetação nativa se deu em respeito ao limite legal então vigente, não há como projetar para o passado regra superveniente”.


Pois bem. Ao falar de “legislação da época”, o caso mais emblemático nos remete ao cerrado entre os anos de 1965 e 1989, quando em 1965 a “regra ambiental da época” era estabelecida pela Lei Federal no. 4.771/65, que determinava a possibilidade utilizar “florestas de domínio privado” desde que não sujeitas às restrições estabelecidas pelo artigo 16, que dizia:


a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, essa na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas, desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério da autoridade competente.


Não há dúvidas de que as propriedades rurais fora da parte sul do Centro-Oeste (vide mapa da época) poderiam ser completamente desmatadas e essa argumentação não é um incentivo ao desmate ou à criminalidade ambiental, mas deve-se ao fato de que na década de 1950, prevalecia a política de expansão agrícola baseada na ocupação do cerrado, um bioma até então improdutivo e imprestável para as atividades agrícolas, recebendo alta tecnologia que mudou esse cenário com os investimentos em pesquisa na agricultura e pecuária através da Embrapa, EMGOPA etc., passando a ser definido por alguns pesquisadores da época como o “Maracanã”.


De acordo com alguns textos como de Fernandes & Pessoa (2011), os resultados na década de 1960 foram traduzidos em aumento de fertilidade do solo, correção de acidez e da adubação química (Revista Eletrônica de Geografia Observatorium, v. 3, n. 7, p. 13-37, out. 2011).


Com isso, diante de grande abertura de áreas de cerrado, 24 anos depois de 1965, a Lei Federal no. 7.803/1989 alterou o Código Florestal de 1965 incluindo expressamente as ÁREAS DE CERRADO no §3o. do art. 16, um texto até então inexistente na legislação, que passou a registrar: “Art. 16 [...] § 3º Aplica-se às áreas de cerrado a reserva legal de 20% (vinte por cento) para todos os efeitos legais”.


Novamente com ajuda de Fernandes & Pessoa (2011) para compreender o contexto histórico, na década de 1990 e início da década de 2000 aproximadamente 80% da área total do cerrado encontrava-se antropizada (Revista Eletrônica de Geografia Observatorium, v. 3, n. 7, p. 13-37, out. 2011), fazendo-se necessária maior proteção ambiental do bioma Cerrado.


Então, 12 anos depois de 1989, a Medida Provisória no. 2.166-67, de 24/08/2001, incluiu outros tipos de área e aproximou do atual sistema de divisão de Reserva Legal por regiões ao determinar que o texto do referido artigo 16 fizesse expressa menção à: oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal; trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal; vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do país; e vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do país.


Por isso se diz que algumas propriedades rurais do país podem sim permanecer com zero por cento de reserva legal, pois a legislação desta época permitia, entretanto, inúmeras batalhas judiciais têm sido travadas neste assunto, sem melhor compreensão do Judiciário sobre este contexto histórico, dando espaço apenas ao apelo ambiental atual, como aconteceu na 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, que deu entendimento completamente novo à essa situação dizendo ser “óbvio que o antigo Código Florestal utilizou de forma ampla a palavra "floresta", abrangendo todas as formas de vegetação, o que faz concluir que o cerrado se encontrava englobado no conceito de floresta”.


Enfim. Seguiremos rumo à uma década do aniversário de vigência do “novo” Código Florestal tentando esclarecer essas situações. Saudações pantaneiras!



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