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Scot Consultoria

Floresta não é bioma, Cerrado não é floresta


Segunda-feira, 24 de dezembro de 2018 - 10h00

Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644) e Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco.


Foto: Scot Consultoria


O bioma Cerrado tem sido pauta de discussões jurídicas nos órgãos ambientais e nos tribunais, fazendo-se necessárias algumas provocações jurídicas sobre o assunto, já que segundo o Ministério do Meio Ambiente, representa o segundo maior bioma da América do Sul, ocupando uma área de 2.036.448 km2, cerca de 22% do território nacional.


O discutido bioma está presente nos estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia, Maranhão, Piauí, Rondônia, Paraná, São Paulo e Distrito Federal, além dos encraves no Amapá, Roraima e Amazonas, além disto, está situado também na região da Amazônia Legal onde a Reserva Legal tem o percentual de 35%, e também fora da Amazônia Legal, onde nas demais regiões do país o percentual é de 20%, segundo o Código Florestal de 2012. 


Entretanto, o bioma cerrado era inexistente de maneira expressa na legislação brasileira até 1989, portanto, em tese, desobrigado na composição de reserva legal para aquelas propriedades convertidas até a referida data. 


Isto porque, no Código Florestal de 1965 (Lei Federal no. 4.701/1965), sem alterações, a qual regulamentava as áreas de proteção ambiental em sua época, com interpretação do artigo 1o., assim constava:


Artigo 1o. - As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.”


Ao citar o termo florestas e demais formas de vegetação apenas inicia o texto legal, visto que nos demais artigos da lei foram apontadas limitações de uso tanto para florestas como para as demais vegetações, a exemplo da proteção das restingas, das encostas, das margens dos rios, dos parques nacionais, estaduais e municipais, etc..


O mesmo ocorre com a exigência da reserva legal em áreas de domínio privado, onde o art. 16 da mesma lei revogada estabelecia as restrições para a exploração das florestas de domínio privado, para as várias regiões do Brasil, em que, no inciso “a”, limitou expressamente apenas florestas na parte sul do Centro-Oeste, nos termos:


Artigo 16 - As florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos artigos 2o. e 3o., desta Lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:


a) nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, as derrubadas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas, só serão permitidas desde que seja, em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada propriedade com cobertura arbórea localizada, a critério de autoridade competente;


Portanto, o artigo 16 do Código Florestal de 1965 não cita as demais formas de vegetação e sim, exclusivamente, florestas de domínio privado. Não por outro motivo, a letra “a” do artigo 16 foi muito especifica ao citar “nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul”, ou seja, para o Centro-Oeste indicou apenas as florestas na parte sul com necessidade de preservação e constituição.


É inconteste que o surgimento do bioma cerrado no texto legal só ocorreu após vinte e quatro anos, com a edição da Lei Federal no. 7.803, de 18/07/1989, que alterou a Lei no. 4.771/1965, e incluiu expressamente as áreas de cerrado no §3o. do art. 16, como se vê adiante:


Art. 16 [...] § 3o. Aplica-se às áreas de cerrado a reserva legal de 20% (vinte por cento) para todos os efeitos legais. (Incluído pela Lei no. 7.803 de 18.7.1989)


Em uma interpretação ainda mais óbvia, se o bioma cerrado estivesse incluído no texto legal dentro do conceito de florestas, não haveria a necessidade de sua inclusão e especificação pela Lei Federal no. 7.803, de 18/07/1989.


Assim, no ingresso do bioma cerrado na legislação do revogado código florestal de 1965, dois foram os resultados: o cerrado passou a ter limitação de exploração (20% de reserva legal), e, incluiu todo o Centro-Oeste e não mais só a parte sul.


Em algumas localidades de determinados estados, o texto original ao se referir unicamente a parte sul do Centro Oeste, não por coincidência, mas por lógica, aponta regiões onde somente naqueles locais haviam trechos com florestas, que cobrem parte de alguns municípios, tornando ainda mais óbvia a conclusão de que se o texto legal pretendesse a abrangência do bioma cerrado incluído no conceito de floresta, não haveria motivo citar apenas a parte sul do centro-oeste, mas sim todo o centro-oeste.


O termo “florestas e outras formas de vegetação nativa”, só foi incluída no mencionado artigo 16 no ano de 2001, com a edição da Medida Provisória no. 2.166-67, de 24/08/2001, que passou a ter o seguinte texto:


Art. 16.  As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: (Redação dada pela Medida Provisória no. 2.166-67, de 2001) (Regulamento)


Em interpretação teleológica, não há como afirmar que o cerrado estava incluído no termo “floresta de domínio privado”, pois, dos elementos constantes do texto legal e da sua evolução e extrai por lógica e evidencia que o termo cerrado surgiu apenas e tão somente com a edição da Lei no. 7.803/89.


Segundo a obra Direito Ambiental do professor Paulo de Bessa Antunes (2017, p. 896-899), a definição jurídica de florestas não é genérica, ao que têm interpretado alguns tribunais, muito pelo contrário, este conceito, transportado ao art. 2o. do novo Código Florestal, condiz etimologicamente, até mesmo segundo o dicionário Aurélio, à “formação arbórea densa, na qual as copas se tocam; mata” e neste sentido corroboram os dicionários internacionais citados pelo autor caracterizando grandes extensões de terras cobertas com árvores e arbustos, refletindo maior segurança jurídica no trato das questões florestais e conclui que “o Direito deverá se socorrer com os conceitos originários da biologia, da ecologia, da agronomia e de tantas quantas sejam as ciências voltadas para o estudo das florestas”.


O mesmo livro jurídico cita ainda mais definições, características e tipos específicos de florestas delimitadas pela densidade de cobertura vegetal em hectares, talhões, etc., exemplificando florestas do tipo boreal, temperada e tropical.


O judiciário, portanto, jamais poderá interpretar florestas simplesmente como todo tipo de vegetação ou cobertura vegetal, qualquer seja o bioma, a política pública agrícola anterior a 1989 prestigiava a grande abertura de áreas de cerrado sem a exigência de reserva legal, as novas fronteiras agrícolas da época.


O quadro comparativo utilizado pelo autor é ainda mais ilustrativo neste sentido:


Tabela 1. Quadro ilustrativo entre tipos de florestas. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2017.


Portanto, proprietários ou possuidores de imóveis rurais que desmataram a vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época, ficam expressamente dispensados de promover a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos pela nova Lei, este é o perfeito posicionamento do art. 68 do Novo Código Florestal, considerado constitucional pelos julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal.





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