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Scot Consultoria

O leite e a guerra cambial


Quinta-feira, 30 de setembro de 2010 - 16h48

Presidente da Associação de Técnicos e Produtores de São Paulo - Leite SP


Em R$1,75/US$, a sobrevalorização do real com relação ao dólar americano é de 30% (segundo o índice Big Mac). Este fato tira a competitividade da pecuária leiteira brasileira para a exportação, pois produzimos em reais, e um preço razoável para a sustentabilidade econômica do produtor de R$0,75/litro, com essa taxa, corresponderia a US$0,429/litro. Se a nossa política cambial tirasse essa sobrevalorização do real, considerando uma taxa de câmbio de R$2,20/US$, os mesmos R$0,75/litro recebido pelo nosso produtor representaria US$0,33/litro, valor bastante competitivo para exportação. Por isso tenho defendido que as entidades representativas dos produtores de leite e da indústria devem pressionar por mudanças na política cambial ou para medidas compensatórias, e que se isso não acontecer corremos o risco de sermos importadores significativos de leite no futuro, como fomos entre 1977 e 2003. Tenho ouvido muita gente do setor falar que não dá para mudar a política cambial, que o dólar deve permanecer flutuante de acordo com as condições de mercado, que não há o que fazer. Mas será que não há mesmo o que fazer? É preciso lembrar que já passamos por experiência de administração da taxa de câmbio. Com a implantação do real em julho de 1994, a taxa de câmbio foi administrada para fazer uma desvalorização gradativa da moeda nacional que estava sobrevalorizada. Depois deixou-se flutuar a moeda de forma controlada, dentro de certas faixas, conhecidas como bandas cambiais. Só depois do Arminio Fraga no Banco Central, em 1999, é que passou-se para a política de flutuação livre da taxa de câmbio. Mas essa flutuação teve, em determinadas situações, uma intervenção do Banco Central para não deixar o dólar despencar com relação ao real. Atualmente, com uma sobrevalorização do real em 30% em relação ao dólar americano e ainda com tendência de baixa, a situação está crítica para nossa economia, e o presidente do Banco Central tem declarado que cogita taxar o capital externo para conter a valorização do real com relação a outras moedas e admite usar o IOF contra o câmbio. O ministro Mantega tem dito que acredita que o mundo está em uma guerra cambial e comercial, com países procurando vantagens através da manipulação de suas moedas. O Estado de São Paulo, de 28 de setembro deste ano, apresentou a matéria "Culpar a China não resolve", de Anatole Kaletsky, economista chefe de uma empresa de consultoria econômica baseada em Hong Kong. Liderada pela China, a Ásia vem adotando a política de administrar agressivamente a taxa de câmbio, com países como Coréia, Cingapura e Taiwan desvalorizando suas moedas para favorecer suas exportações. E finalmente o Japão passou a desvalorizar sua moeda, mesmo sob pena de irritar os Estados Unidos. É um sinal dos tempos diz a matéria, não adianta culpar a China, o predomínio do pensamento de livre mercado na economia internacional acabou e, o chamado "consenso de Washington", deverá evoluir e aceitar um capitalismo moderno adaptado a um ambiente em que desequilíbrios comerciais e cambiais são administrados conscientemente. O artigo mostra que apesar da relutância em aceitar essa situação, praticaram duas das maiores intervenções monetárias da história: o acordo de Plaza, que desvalorizou o dólar em 1985, e o do Louvre em 1987 que encerrou a desvalorização. As regras do capitalismo mudaram irrevogavelmente desde o colapso do Lehman Brothers há dois anos e se os Estados Unidos não aceitarem isso a liderança mundial lhe escorrerá entre os dedos. Esses fatos me levam a crer que realmente existe uma guerra cambial com fins comerciais. Se não aceitarmos isso e não fizermos algo em termos de administrar a nossa taxa de câmbio ou adotarmos medidas compensatórias, o desenvolvimento econômico e social do Brasil poderá ser prejudicado, e um dos setores mais atingidos será o agronegócio do leite, especialmente a nossa pecuária leiteira. É preciso que as lideranças da nossa indústria de lacticínios e da pecuária leiteira discutam em profundidade e se manifestem com relação a essa questão.
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