Fernando Reinach*
Você pára em uma lanchonete e pede um cachorro-quente. No pão, o trigo veio de uma semente, o ketchup é tomate e a mostarda, uma semente. A salsicha é carne de mamífero e o papel que embrulha tudo, a celulose de uma árvore. Utilizamos um número tão grande de produtos derivados de outros seres vivos que jamais poderíamos viver sem eles.
Até recentemente nossa relação com esses produtos era passiva. Coletávamos, processávamos, criávamos ou plantávamos seres vivos existentes na natureza de modo a poder consumir os materiais que eles produzem.
Recentemente, essa relação se tornou ativa: passamos a modificar os seres vivos de modo a induzi-los a produzir o que necessitamos. São os fungos que produzem enzimas para nossos detergentes ou as bactérias que produzem hormônios ou vacinas.
No início do século 21, surgiu outra forma de utilizar os seres vivos. Somos capazes de transformá-los em minúsculas fábricas de produtos químicos.
A indústria química, que produz tecidos sintéticos e plásticos, foi construída sobre dois pilares. O primeiro é a química, uma série de conhecimentos que permitem o encadeamento de reações capazes de transformar uma molécula em outra. Como uma criança que monta uma boneca encaixando a cabeça e os braços ao corpo, os químicos montam novas moléculas adicionando átomos e grupos químicos a uma molécula básica. O segundo pilar são os esqueletos de carbono. Essas pequenas moléculas derivadas do petróleo são utilizadas, à semelhança de peças de Lego, para construir moléculas mais complexas ou montar polímeros e plásticos.
Agora entra em cena a biotecnologia industrial. Enquanto na indústria química cada passo da produção se resume a uma reação química executada em grandes reatores, na biotecnologia industrial o que se faz é construir um organismo vivo capaz de executar em seu interior cada um dos passos executados na antiga fábrica. Para isso se coloca no genoma desses microorganismos genes capazes de produzir as enzimas necessárias para executar cada reação e desse modo se "instrui" o ser vivo a executar os passos que antes eram executados na fábrica. Construído o ser vivo, basta deixá-lo crescer que ele se encarrega de fazer tudo o que era feito na fábrica. Em vez de uma grande fábrica agora temos enormes frascos contendo bilhões de bactérias - minúsculas fábricas.
Apesar de essa tecnologia estar em sua infância, já existem no mercado tecidos e plásticos produzidos por microorganismos. Faz milênios que o homem descobriu que existem na natureza bactérias e fungos com rotas metabólicas capazes de transformar açúcar em álcool. Utilizamos essas rotas naturais para produzir bebidas alcoólicas. Mas foi só no século 20 que aprendemos a manipular os seres vivos e agora, em vez de depender somente de rotas metabólicas preexistentes, nos tornamos capazes de construir seres vivos com as rotas que nos interessam.
Primeiro construímos as fábricas, agora estamos colocando cada uma delas dentro de um ser vivo. É o supra-sumo da exploração do pequeno animal-bactéria pelo grande animal-homem.
*Fernando Reinach é biólogo
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