Após visitas em fazendas referência, o Circuito Cria conta o que acompanhou e como os pecuaristas estão solucionando problemas comuns.
Foto: Bela Magrela
Depois de dois meses na estrada, passando por Minas Gerais, Goiás, Tocantins, Pará, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, para acompanhar de perto e coletar dados sobre a estação de nascimento em mais de 40 fazendas referência neste setor da pecuária, o Circuito Cria encerra a sua segunda etapa, No Berço da Pecuária. Queremos saber mais quais são as tendências praticadas para a bezerrada recém-nascida e passar adiante o conhecimento aplicado nas principais fazendas maternidade do Brasil. Conversamos com a equipe técnica da pesquisa expedicionária que comentou sobre tecnificação, desafios, taxa de mortalidade, os gargalos da pecuária de cria em mão de obra, e ainda comentou se vale a pena produzir bezerro para a próxima safra.
Scot Consultoria: A expedição saiu em setembro para visitar fazendas de cria em seis estados estratégicos para a produção de bezerros. Antes de sair, a expectativa era de ver mais tecnificação sendo aplicada a campo. É possível afirmar que as fazendas estão mais bem preparadas para a estação de nascimento?
Circuito Cria: Sim. De forma geral, observamos que as fazendas estão mais bem preparadas do que no ano passado, e isso por vários motivos. Nas visitas (lembrando que a expedição passou por propriedades que são referência, e o que foi mapeado não representa uma média nacional), muitas propriedades já desenvolveram estruturas específicas a campo, aprimoraram protocolos sanitários e estão mais atentas à condição das matrizes antes da parição. Esse cuidado começa muito antes do nascimento. Hoje, a maior parte trabalha com estações de monta bem definidas e busca antecipá-las para concentrar os partos em períodos mais secos, quando o desafio sanitário é menor e o desempenho inicial dos bezerros tende a ser melhor.
Na fase de parição, observamos um salto de tecnificação. Práticas de manejo antigas deram lugar a estruturas e rotinas que buscam oferecer conforto ao colaborador, à vaca e ao bezerro. A preocupação com o bem-estar e com o primeiro contato do animal com as pessoas aumentou, algo que influencia diretamente o temperamento do rebanho. E realmente vimos essa diferença: onde havia manejo mais calmo e estruturado, encontrávamos lotes mais dóceis e fáceis de manejar.
Além disso, os protocolos sanitários estão mais completos, embora variem de fazenda para fazenda. De forma geral, tudo está mais planejado: desde a definição da estação de monta até a organização da equipe para o período de maior concentração de partos. As propriedades sabem exatamente quando terão maior concentração de partos e alocam seus vaqueiros mais experientes nesse momento crítico, garantindo atenção maior à maternidade.
Em resumo, há um planejamento mais robusto e um cuidado mais intencional com a parição, e isso já aparece no comportamento e no desempenho dos bovinos.
Scot Consultoria: Quais as dificuldades e as soluções observadas relacionadas à mortalidade dos bezerros? Há relatos de morte de matrizes na fase de parição, se sim, quais os principais motivos e o que está sendo feito para evitar este problema, especialmente com as primíparas?
Circuito Cria: Quando falamos em mortalidade de bezerros, o principal desafio continua sendo a dependência de mão de obra especializada. O cuidado no momento do parto e nos primeiros dias de vida exige atenção constante, e nem sempre é simples encontrar pessoas treinadas para isso. Por isso, muitas fazendas têm adotado soluções como rondas mais frequentes e acompanhamento específico de matrizes que apresentam maior risco ou alguma particularidade no parto. Essa atenção inicial é fundamental para reduzir perdas.
Do ponto de vista sanitário, a diarreia neonatal permanece como a principal causa de mortalidade geralmente ligada à hemeriose, associada ao consumo de água suja ou empoçada. Para enfrentar isso, as propriedades mais tecnificadas têm investido em bebedouros artificiais e sistemas que garantem oferta de água limpa, inclusive em regiões mais desafiadoras, como o Pantanal.
Outro ponto importante é o manejo do umbigo. As infecções apareceram pouco nas fazendas visitadas porque os protocolos são bem estruturados, com cura nas primeiras horas de vida, e adaptações simples, como o uso de recipientes individuais usados para aplicação de pré e pós-dipping da produção de leite, para evitar contaminação entre bezerros durante a cura do umbigo.
Em raças mais desafiadoras, como Angus ou cruzados, há ainda preocupação adicional com carrapato e tristeza parasitária, o que leva algumas fazendas a adotarem manejos preventivos específicos.
Quanto às matrizes, mortes são raras. O maior risco está nos partos distócicos de novilhas precoces e superprecoces, o que reforça a importância da escolha genética, especialmente das DEPs de peso ao nascimento e tempo de gestação. Bezerros mais leves reduzem significativamente o risco de distocia.
No geral, como há um avanço no uso de categorias mais jovens, cresce também a necessidade de atenção ao parto.
As perdas gestacionais também preocupam e, nesse caso, a vacinação reprodutiva – especialmente contra leptospirose – tem sido fundamental para evitar abortos e reabsorções.
Os desafios existem, mas as fazendas que investem em mão de obra qualificada, manejo neonatal cuidadoso, água limpa, protocolos sanitários e escolhas genéticas bem orientadas têm conseguido reduzir significativamente as perdas tanto de bezerros quanto de matrizes jovens.
Scot Consultoria: Um dos maiores gargalos da pecuária hoje é a falta de mão de obra. Segundo os dados da pesquisa expedicionária Confina Brasil, 80,4% das fazendas mapeadas apontam esse fator como o principal desafio. A fase de parição exige profissionais experientes e tecnicamente preparados, o que acentua ainda mais a necessidade por mão de obra especializada. Como as propriedades estão se adaptando diante a falta de mão de obra?
Circuito Cria: Hoje, os dados que temos coletados pelo Confina Brasil deixam claro: o principal gargalo da pecuária é a mão de obra. E isso fica ainda mais evidente na cria, que exige profissionais especializados, atentos e, muitas vezes, apaixonados pelo que fazem. O manejo de maternidade é delicado, começa muito cedo, ocorre sob sol forte e demanda cuidados que vão além da rotina de outras áreas da pecuária.
Para enfrentar essa dificuldade de contratação e retenção, as fazendas têm investido pesado em oferecer condições de vida e trabalho superiores à média. Casas confortáveis, ar-condicionado, internet, alimentação de qualidade, entre outros benefícios. Esse movimento é ainda mais necessário nas fazendas de cria, que quase sempre estão em regiões remotas onde o acesso a serviços públicos é limitado. Como muitas contratações envolvem núcleos familiares, oferecer estrutura para que os filhos estudem tem se tornado um diferencial importante.
As fazendas também têm buscado engajar mais suas equipes. Treinamentos frequentes, comunicação clara sobre metas e sistemas de bonificação ajudam o colaborador a compreender a importância do seu trabalho – seja na maternidade, no cocho ou no manejo de pastagens. Em muitos casos, o desempenho da fazenda melhora significativamente quando o funcionário entende que participa diretamente do resultado. Assim, fazendas têm buscado oferecer equipamentos, instalações e manejos que reduzam o esforço físico e aumentem a segurança. Um exemplo é o uso de estruturas cobertas e apartações que evitam o contato direto com a vaca, permitindo que o manejo seja feito no conforto da sombra e com muito mais precisão – uma mudança que muitos vaqueiros afirmam nunca querer abandonar depois de experimentar.
Além disso, algumas fazendas estão reorganizando sua estrutura física para facilitar o dia a dia do colaborador – por exemplo, dividindo melhor as áreas de pasto para que uma única pessoa consiga movimentar o gado sem esforço excessivo. Isso não só melhora a eficiência, mas contribui para manter o funcionário motivado e reduzir a rotatividade, algo especialmente desafiador em regiões remotas como o Pantanal.
Scot Consultoria: Do ponto de vista de vocês, após as visitas deste ano, qual o maior desafio da produção de cria no Brasil hoje?
Circuito Cria: No que ouvimos a campo, o maior desafio da cria hoje, porteira dentro, continua sendo a mão de obra. Porteira a fora, entram fatores que fogem ao controle do produtor – clima, mercado e oscilações de preços – e, por isso, são percebidos como os mais difíceis de enfrentar. E, justamente por estarem fora do controle dos produtores, esses elementos são percebidos como os mais impactantes. Há, porém, uma compreensão comum entre eles: “o que depende de mim, aqui dentro, eu consigo melhorar”.
Ainda assim, cresce a visão de que parte desses desafios pode ser antecipada. Há produtores que afirmam: “todo ano tem seca; esperar o problema acontecer para então tentar resolver vai sair caro. Se sei que a seca virá, preciso me antecipar”. Estes, já estruturam planos para o período seco, seja com produção de feno e silagem, sistemas de sequestro ou uso estratégico do confinamento, especialmente para categorias jovens que exigem retorno mais rápido.
A mão de obra permanece como um ponto crítico, sobretudo em regiões remotas, onde a concorrência com oportunidades urbanas é maior. Mesmo assim, há um movimento claro de adaptação, com investimentos em estrutura, condições de trabalho e organização interna.
No geral, o maior ponto de atenção que identificamos é a capacidade de planejamento. Há propriedades com forte cultura de antecipação e outras ainda presas à visão de curto prazo. O que diferencia os melhores resultados é justamente essa postura: encarar clima, mercado e mão de obra não como barreiras inevitáveis, mas como fatores que exigem estratégia e preparação.
Scot Consultoria: E para finalizarmos, considerando o que vivemos ao longo destes últimos anos, com o aumento do abate de fêmeas, neste final de ano compensa fazer cria para 2026?
Circuito Cria: O mercado de cria deve permanecer firme em 2026 e, muito provavelmente, também em 2027.
Os anos seguintes a 2022 foram de abate intenso de matrizes, reduzindo significativamente a base de fêmeas para reprodução. Os próprios dados do Confina Brasil 2025 reforçam esse gargalo: no comparativo com 2024, a reposição (boi magro) ficou, em média, 48,8% mais cara no primeiro giro e 42,2% mais cara no segundo, reflexo direto da menor oferta de categorias jovens. Isso mostra que a pressão de oferta está em todas as pontas – e na cria, a base desse sistema, ela se torna ainda mais evidente.
Além disso, já em 2025 se observa um ajuste claro entre os giros, com valores mais altos na primeira compra e recuos pontuais no segundo giro devido à menor pressão dos confinadores. Esse comportamento reforça que há disputa por bovinos jovens e, consequentemente, valorização do bezerro.
Com menos matrizes no mercado e demanda aquecida para recompor plantéis, a cria ganhou força já em 2025, com valorização mínima de 25,0% em várias regiões, tendência que deve continuar nos próximos meses. A restrição de oferta somada à necessidade crescente por genética, padronização e eficiência reprodutiva cria um ambiente favorável para margens positivas no setor.
Portanto, a tendência é de pressão por maior retenção de matrizes, com impacto direto na oferta em 2026 e 2027, onde o segmento de cria tende a permanecer com boas margens e forte procura, consolidando um momento positivo para o criador.
O Circuito Cria retorna em 2026 para a terceira etapa da pesquisa, “Rastro do Bezerro”, que almeja acompanhar o momento da desmama e da oferta dessa safra de bezerros ao mercado de reposição. Acompanhe nas redes sociais e no site.
Em uma jornada por diversas regiões do Brasil, o Circuito Cria, promovido pela Scot Consultoria, é uma iniciativa que tem como objetivo principal fomentar e difundir boas práticas na pecuária brasileira. Além de mapear o atual cenário da cria no país, a pesquisa-expedicionária busca valorizar os criadores que sustentam a base da pecuária de corte nacional, promovendo a troca de conhecimento e fortalecendo parcerias com empresas de referência no setor.
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