Os "campeões-de-cocho" foram os mais atingidos; caso foi diagnosticado como enterotoxemia.
Foto por: Bela Magrela
Um importante consultor veterinário, ligado à empresa de nutrição, foi chamado para averiguar a morte de um pouco mais de 1.000 cabeças, que sucumbiram neste último mês (novembro), em um significativo confinamento da região do Centro-Oeste, com cerca de 20.000 cevados, composto basicamente de bovinos da raça Nelore. Todos os animais estavam entre 30 e 60 dias de cocho e apresentavam-se com ótima condição corporal, e ganho de peso um pouco superior a 1.700 gramas por dia. As primeiras mortes ocorreram em pequenos lotes, aumentando de forma crescente o número de mortos nos últimos dias.
A morte era súbita e praticamente não se conseguia detectar animais ainda vivos com a doença. Aparentemente, os mais atingidos foram os bovinos "campeões-de-cocho", que estavam ganhando o maior peso corpóreo, sendo a maioria deles machos, porém, ocorriam também mortes de fêmeas. Os mortos geralmente surgiam de manhã, deitados de lado, com a "barriga" inchada (figura 1).
Na necrópsia, chamavam a atenção as alças do intestino delgado (segmentos do jejuno e do íleo), que se apresentavam bem avermelhadas e com a presença de gás (figura 2). No seu interior, detectava-se a presença de conteúdo sanguinolento (hemorrágico), com secreção clara e espessa (fibrinosa).
Examinando o manejo dos bovinos, verificou-se que uma parte deles eram de compra e os outros da própria fazenda. Os primeiros eram adquiridos com antecedência e recriados na própria fazenda. Antes da entrada e na introdução deles no confinamento, os dois grupos eram vermifugados e imunizados contra clostridioses, com vacinas tradicionais que continham oito toxoides contra carbúnculo sintomático, tétano, botulismo, hemoglobinúria bacilar, enterotoxemia causada por C. perfringens tipo C e D, hepatite necrótica e gangrena gasosa.
O protocolo de adaptação aos concentrados estava correto, e o número de casos de acidose ruminal era aparentemente desprezível. A leitura de cocho era relativamente bem-feita e a distribuição de ração adequada. Porém, o consultor deparou que, recentemente, foi introduzida uma grande quantidade de amido (49,0%) por quilograma de matéria seca de ração, proveniente do aumento de concentrado energético, à base de fubá.
Frente aos dados obtidos no histórico, no quadro epidemiológico, nutricional e patológico da doença, o consultor fechou o diagnóstico como enterotoxemia por Clostridium perfringens tipo A. Essa bactéria vive em pequeno número e sem causar danos no intestino delgado. Quando ocorre uma rápida passagem de amido não digerido para o intestino delgado, pode existir uma súbita e rápida multiplicação da supracitada bactéria, assim como a produção de uma toxina que provoca hemorragia, presença de muitos gases e necrose dos intestinos, levando à morte em poucas horas. A maioria dos casos clínicos ocorrem a partir do 30º dia de confinamento, quando a ingestão de alimentos aumenta de forma significativa, com o aumento de peso corpóreo dos animais e com o máximo oferecimento de concentrados.
Para fechar o diagnóstico, o consultor, além de constatar o excesso de amido na ração, notou que o esquema de vacinação não contemplava proteção contra o Clostridium perfringens tipo A, apenas contra o C e o D, que não fornecem proteção cruzada com o tipo A.
O controle da enfermidade foi feito com a diminuição da quantidade de amido oferecido, de 49,0% para 40,0%, e a imunização de todos os animais com vacina comercial que contém o toxoide contra Clostridium perfringens tipo A. Aparentemente, até o momento, as medidas tomadas surtiram efeito e a mortalidade de animais diminuiu subitamente.
Dois pontos chamam a atenção nessa descrição: já descrevi recentemente outros surtos de enterotoxemia em bovinos confinados, e, em todos eles, existiam quantidades exageradas de amido na dieta, associado ou não a erros na distribuição de ração, assim como não ocorreu a devida vacinação contra o C. perfringens tipo A.
Quanto à presença de excesso de amido na dieta de confinados, há necessidade de os nutricionistas reavaliarem as formulações de ração, visto que, segundo um levantamento da UNESP, ano a ano aumenta-se a quantidade de concentrados energéticos na comida de cevados. Quanto às vacinas comerciais, constata-se que a maioria delas, com exceção de três produtos, não contém tal toxoide, necessitando de uma rápida readequação delas para atender o expressivo mercado do confinamento brasileiro. Com a palavra, o MAPA e as empresas veterinárias produtoras de vacinas.
Figura 1.
Ilustrativa de animal morto por eneterotoxemia.
Fonte: Arquivo pessoal/Enrico L. Ortolani.
Figura 2.
Intestino com alças hemorrágicas e cheias de gás.
Fonte: Arquivo pessoal/Enrico L. Ortolani.
Receba nossos relatórios diários e gratuitos