Antes de comprar uma fazenda, é essencial avaliar possíveis passivos ambientais. Eles podem transformar um bom negócio em um grande prejuízo, mas o direito de regresso garante meios legais de reequilibrar essa conta.
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A compra de imóveis rurais é uma das decisões mais estratégicas e impactantes para um produtor rural. Seja para expandir as atividades pecuárias, seja para diversificar a produção, investir em terra é sempre visto como um passo seguro.
Adquirir uma propriedade rural parece, à primeira vista, um ato simples: verificar documentação, visitar o imóvel, negociar valores e fechar negócio. Mas muitos não percebem é que esse tipo de aquisição tradicional, apenas com visitação e contrato de compra e venda, pode esconder armadilhas, especialmente quando se trata de passivos ambientais, o chamado passivo oculto.
O passivo ambiental pode transformar uma oportunidade de crescimento em um pesadelo jurídico e financeiro.
Passivo ambiental é toda obrigação, atual ou potencial, relacionada à reparação de danos causados ao meio ambiente. Isso inclui desde desmatamentos não autorizados, supressão de vegetação em áreas de preservação permanente (APP), uso irregular de reserva legal, até crimes como aterramento de nascentes ou degradação de solos e rios.
A formalização destes passivos é percebida em documentos como “autos de infração” (que inclui as multas financeiras, embargos, paralisação), os “termos de ajustamento de conduta” (TAC), os “alertas de desmatamento por satélite”, os projetos de recuperação de área (PRADA/PRADE) e a documentação irregular em sentido geral.
Em termos econômicos, trata-se de uma dívida ambiental que pode exigir do proprietário ações de recuperação, pagamento de multas e, em alguns casos, compensações ambientais onerosas.
No meio rural, passivos ambientais são comuns em propriedades antigas, adquiridas sem acompanhamento técnico ou com histórico de uso intensivo. A ausência de regularização no Cadastro Ambiental Rural (CAR), falta de licenciamento de atividades como desmatamento (supressão vegetal), barragens, poços, fossas e outras questões que podem configurar passivos graves
Mas o adquirente de imóvel com passivo ambiental, embora atualmente responda integralmente pela obrigação de reparação, conforme interpretação dos tribunais, possui o chamado direito de regresso contra os responsáveis, de acordo com a legislação civil¹, podendo exigir de cada codevedor, sua parte da responsabilidade ambiental, presumidamente igual.
O direito de regresso permite que o produtor rural que assumiu uma obrigação ambiental de um imóvel já com passivo (como uma APP desmatada ou reserva legal suprimida), possa depois cobrar de quem causou o problema ou se beneficiou do dano sua parte na conta e isso inclui antigos donos, posseiros, arrendatários e até terceiros que usaram indevidamente a área.
Ainda que a obrigação seja indivisível na esfera ambiental, o pagamento feito por um dos devedores ou responsáveis não exonera os demais, até o limite do que foi efetivamente pago².
Se vários devedores (ex: antigos e novos proprietários de um imóvel com passivo ambiental) são responsáveis por uma mesma obrigação perante o Estado (credor ambiental), supondo agora que apenas um deles faça um acordo com o Estado assumindo obrigações mais pesadas (como prazos mais curtos ou multas maiores), sem ouvir os outros, não se produzem efeitos contra o outro.
E se vários são responsáveis por uma obrigação ambiental (por exemplo, recompor a vegetação de uma APP) e um deles impede ou atrasa o cumprimento da obrigação por culpa sua, ele será o único responsável por indenizar os prejuízos causados (perdas e danos).
Em termos práticos, cláusulas contratuais específicas na compra e venda podem reforçar a segurança jurídica, especialmente ao prever mecanismos de regresso, cauções ambientais ou obrigações específicas de cumprimento de PRADAs, compensações de Reserva Legal ou regularização.
As cláusulas não excluem a responsabilidade solidária perante o Estado, mas podem disciplinar a repartição interna das obrigações, como no caso em que um antigo proprietário rural, ao vender seu imóvel, deixou negociadas cotas de reserva legal com um comprador interessado em compensar Reserva Legal, mas que as cotas foram emitidas fraudulentamente, sem existir área de vegetação nativa.
O comprador das cotas multado pelo órgão ambiental por não cumprir obrigação de apresentar reserva legal, move ação contra antigo e novo proprietários, mas é o antigo proprietário que responde integralmente pela fraude e pelos danos contratuais e ambientais causados. Já o novo proprietário, embora não tenha causado o ilícito, pode ser obrigado (propter rem) a recuperar a área, mas possui direito de regresso contra o antigo dono.
O Código Civil fornece sólida base legal para o reequilíbrio interno por meio do direito de regresso, permitindo a recomposição patrimonial diante dos verdadeiros causadores ou beneficiários do dano, assegurando que a solidariedade não se converta em injustiça.
Para o produtor rural, a lição é clara: a responsabilidade ambiental pode ser solidária, mas o pagamento não precisa ser injusto.
O direito de regresso é a ferramenta legal que restaura o equilíbrio, permitindo que quem pagou por obrigação de outro recupere seu patrimônio.
E quanto mais bem documentada estiver a origem da terra, o histórico ambiental e as cláusulas contratuais, maior a chance de sucesso na justiça.
Num cenário onde a regularidade ambiental se torna cada vez mais exigida, por bancos, mercados compradores, certificadoras e até vizinhos de fazenda, identificar, controlar e mitigar passivos herdados é uma questão de sobrevivência no campo.
¹Código Civil. Art. 283. O devedor que satisfez a dívida por inteiro tem direito a exigir de cada um dos co-devedores a sua quota, dividindo-se igualmente por todos a do insolvente, se o houver, presumindo-se iguais, no débito, as partes de todos os co-devedores.
²Código Civil. Art. 277. O pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não aproveitam aos outros devedores, senão até à concorrência da quantia paga ou relevada.
Advogado (OAB/MS 16.518, OAB/SC 57.644), Consultor e Professor em Direito Agrário e Ambiental. Doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina (2025), Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008), ambos pela Universidade Católica Dom Bosco. É comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. É membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA) e membro das comissões ativo de comissões de Direito Ambiental e Direito Agrário da OAB desde 2013, tendo exercido a função de Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS (2013/2015).
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