Foto: Bela Magrela
No último dia 24 de março, ocorreu em Campo Grande, organizado pelos colegas da Embrapa Gado de Corte, o Fórum pré-COP. Nele, foram reunidos especialistas, como uma das etapas para chegar em um documento de posicionamento da relação entre agropecuária e mudanças climáticas que possa ser mais uma referência para as negociações do Brasil na COP que, no final do ano, ocorrerá no Brasil.
O objetivo deste texto é trazer os principais pontos de duas palestras desses especialistas, de maneira a dar maior acesso às excelentes informações e ideias debatidas em uma segunda-feira muito produtiva.
O primeiro palestrante foi o Dr. Marcelo Morandi, Chefe do Escritório de Relações Internacionais da Embrapa, cuja grande experiência em participações em COPs proporcionou a apresentação muito bem detalhada sobre esse evento. Aliás, ele começou exatamente explicando que a COP não é um evento, mas sim, um processo, no qual as reuniões principais de cada ano retomam assuntos das anteriores e, antes de sua realização, são precedidas de várias outras reuniões preparatórias.
Outro ponto extremamente importante é que ela extrapola a questão do clima, ao levar em conta, simultaneamente, o desenvolvimento e a economia global. O objetivo é buscar soluções que conciliem o combate às mudanças climáticas com a necessidade das pessoas e seus países prosperarem.
Do ponto de vista de como ela acontece efetivamente, há dois distintos fóruns: (i) a Zona Verde, na qual setores da sociedade civil, lobbies etc., defendem seus interesses e tentam promover suas agendas e, a que realmente interessa, (ii) a Zona Azul, na qual as negociações entre os países-membros, de fato, acontece e os assuntos são encaminhados, seja para ações efetivas, seja para postergar o assunto para as próximas COPS.
O palestrante colocou a questão que muita gente acha que já tem a resposta: “A COP não serve pra nada?”. Ele, então, mostrou dados de como seria a trajetória de aumento de temperatura se nada tivesse sido feito, com situação muito mais crítica do que estamos deixando claro que, se fizemos menos do que devíamos, pelo menos conseguimos ter uma situação bem melhor.
O que a COP faz é delinear metas (frameworks) vinculantes, que têm impacto econômico, por exemplo, quando um país que não tenha cumprido suas metas encontre restrições comerciais. Elas são compromissos nacionalmente determinados, usualmente chamados pelo seu acrônimo em inglês, ou seja, NDC. Portanto, o próprio país estabelece suas ambições, e elas até podem ser mudadas, mas apenas para mais do que foi prometido.
Morandi lembrou, também, que as negociações são transversais, ou seja, não são realizadas por setor econômico, portanto, não haverá uma discussão específica sobre agropecuária, mas ela como parte do todo. Todo o processo é bastante complicado, pois precisam ser acomodados os interesses de 196 países, uma vez que as decisões ocorrem apenas por consenso. Ele elencou a agenda de negociação em que o Brasil procura aumentar sua ambição nos NDCs, focado em transição justa, graças ao programa de trabalho de transição justa (JTWP); com mitigação, com o programa de trabalho para ambição implementação de mitigação (MWP); e com adaptação, pelo trabalho da meta global de adaptação (GGA). Em função do cenário atual, ele acredita que, dentro do elencado, devemos ter mais chance com a adaptação.
Alguns dados apresentados foram que, considerando toda emissão global, a agropecuária seria responsável por 14,0% das emissões, mas, considerando o sistema alimentar como um todo, seriam 30,0%. Das emissões brasileiras de metano agropecuário, 70,0% são biogênicos, isto é, de processos biológicos, como a fermentação ruminal ou em áreas alagadas, e os 100,0% de emissão desse gás representariam perto de 30,0% das emissões totais do Brasil. Destacou que o grande vilão das emissões brasileiras é o desmatamento (principalmente ilegal), que está dentro do item “mudança do uso da terra” (MUT) e representaria 40,0% das emissões brasileiras. Para dar uma ideia, comparou que dez anos de Plano ABC resultaram na mitigação de 1 Gt de CO2-eq, mas que, no mesmo período, o desmatamento levou a 10,8 Gt de CO2-eq de emissões.
Ao reduzir o desmatamento, Morandi, lembra que a participação percentual da agropecuária aumentará e, portanto, passa a ficar ainda mais em foco. De fato, ela é significativa por ser o Brasil um grande produtor de alimentos, mas fica bem mais destacada em porcentagem, principalmente, por nossa matriz energética ser predominantemente baseada em energia renovável. Lembrou, ainda, que, atualmente, a energia elétrica gerada por biomassa no Brasil fornece mais energia do que as hidrelétricas.
Sobre as NDCs do Brasil, o palestrante disse que são economicamente abrangentes, englobando todos os setores econômicos. Portanto, é fundamental ter uma visão ampla em que todos os setores (agropecuária, empresas, serviços etc.) contribuam. No caso da agropecuária citou que o fato de 8,0% das propriedades gerarem 85,0% da renda, mostra como há assimetria no setor e que isso, obviamente, é um desafio a mais no quadro como um todo.
Por fim, lembrou que temos que avançar com uma agenda de rastreabilidade, redução de desmatamento, adaptação e inclusão, preparando-nos, principalmente, para sermos resilientes, pois, nas palavras dele, “não temos 50 anos...”, mas um horizonte bem mais limitado de tempo para vencer o desafio das mudanças climáticas.
Outra palestra com informações muito interessantes foi a do Dr. Judson Valentim, da Embrapa Acre, que trouxe valiosas informações sobre esse bioma tão no foco global, que é a Amazônia. Ele iniciou contextualizando que a lotação da pecuária nesse bioma é menor do que 1 unidade animal por hectare (56 milhões de cabeças e 59 milhões de hectares de área de pastagem). Também, que a pastagem degradada, ao contrário dos outros biomas, volta a ser floresta secundária e que as pequenas propriedades são 77,0% do total, mas com apenas 36,0% do rebanho, voltado principalmente para cria, que, além de atividade de ganho econômico, serve como uma poupança para os momentos de aperto financeiro.
Algo que seria comum, segundo Valentim, para pequenos e grandes proprietários é haver pouco acesso aos fatores de produção, desde calcário até assistência técnica. Quase 50,0% das áreas ocorrem em áreas de baixo índice de desenvolvimento humano (IDH) e, nessa situação, há a tendência de aumento da degradação do ambiente.
Como uma das soluções para alterar esse cenário ele apresentou o Sistema Guaxupé, que usa gramíneas e leguminosas biodiversas e visa: (1) Com a fixação biológica de nitrogênio (FBN), ter autossuficiência em N; (2) uma diversidade inteligente de forrageiras, que explore suas complementariedades; (3) tolerância zero com daninhas e, por fim; (4) ter pasto bem manejado e o gado bem alimentado.
Usando esse sistema a lotação sobe para 3 UA/ha/ano, com a produção de 12@/ha/ano, emitindo menos 23,0-36,0% de metano por quilograma de produto, conseguindo uma FBN no solo de 150 kg/ha/ano. Além de trazer resiliência e resistência, reduz-se em nove meses a recria. O Sistema Guaxupé já é usado, conforme o palestrante afirmou, em mais de 80 mil hectares na Amazônia.
Com relação à arborização de pastagem, Valentim falou do uso do aplicativo da Embrapa, Arbopasto, para escolher as melhores árvores para a pastagem, que podem ser usadas como material para cerca e para vender para secar grão. Lembrou que trabalhos mostram que, para até 20,0% de sombra, as forrageiras são tolerantes, não havendo grande prejuízo à produtividade das pastagens. Trata-se, portanto, de incorporar vantagens econômicas, de bem-estar animal (inclusive um fator de adaptação em relação ao estresse calórico) e ambientais, inclusive com maior sequestro de carbono, quando as árvores ou o material produzido com a madeira delas é duradouro.
Por fim, comentou sobre reforma com plantio direto à lanço e defendeu que a pesquisa deve estar junto com os produtores, ou seja, mais experimentos sendo feitos em fazendas, algo que claramente tem vantagens, mas que muitos pesquisadores têm experiências não muito boas, especialmente com relação à interrupção do projeto por questões internas da fazenda.
Essas duas palestras são apenas uma pequena parte do que aconteceu nesse dia e, no próximo mês, traremos outras informações que consideramos relevantes para que mais pessoas, especialmente do nosso setor pecuário, possam melhor se posicionar sobre um assunto tão importante.
Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
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