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Scot Consultoria

Impacto da eficiência reprodutiva de novilhas na rentabilidade do sistema de produção de carne


Quarta-feira, 8 de janeiro de 2025 - 18h00

Médica veterinária pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), Especialista em Agronegócios pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), Mestre em Reprodução Animal pela Universidade de São Paulo (USP) e Doutoranda em Reprodução Animal pela USP e Université Laval (Québec, Canadá)


Foto: Bela Magrela


A inseminação artificial em tempo fixo (IATF) é uma valiosa aliada do pecuarista para elevar a eficiência produtiva dos rebanhos. Nos artigos anteriores, discutimos sobre os conceitos da técnica e diferentes estratégias para potencializar a eficiência reprodutiva em vacas, destacando a aplicação de variados protocolos de IATF e ressincronização. Observamos que essa ferramenta possui como principal benefício o reestabelecimento da fertilidade de fêmeas em anestro. Neste artigo, iremos abordar como essa biotecnologia, aliada a um criterioso planejamento, permite que novilhas com elevado potencial genético ingressem mais cedo nos programas reprodutivos e alcancem uma performance superior.

Figura 1.

Fonte: Bela Magrela

A seleção e o preparo de novilhas para reposição são alguns dos itens mais importantes do manejo reprodutivo. Normalmente, considera-se que a taxa de reposição de fêmeas de rebanhos de corte é de 20%. Nesse contexto, a idade ao primeiro parto (IPP) é um importante indicador zootécnico, pois marca o início do processo produtivo das novilhas. Estudos destacam que a redução da IPP está diretamente relacionada à diminuição do intervalo entre gerações, com impacto direto na intensidade de seleção e no ganho genético dos rebanhos. Com a redução do período de recria das futuras matrizes, devido à antecipação da concepção, ocorre diminuição da quantidade de novilhas na propriedade, aumentando a produtividade por área de pastagem. Todos esses pontos culminam no aumento da eficiência da pecuária e no retorno do investimento da atividade.

No Brasil, a idade à puberdade de fêmeas zebu está estimada entre 22 e 36 meses, projetando a IPP para 44 a 48 meses (CEPEA/USP). Isso significa que as novilhas em condições brasileiras de manejo demoram em média três a quatro anos para iniciar a vida reprodutiva. Quando comparadas às fêmeas taurinas, que podem atingir a puberdade ao redor dos 15 meses de idade, esse atraso observado nas novilhas zebu pode ser atribuído a fatores genéticos e ambientais. O sistema de animais criados a pasto com sazonalidade de oferta de forragens, por exemplo, reduz a curva de crescimento das fêmeas em épocas de escassez de alimentos e impacta no balanço energético e na reprodução.

Mesmo com as conhecidas vantagens que os protocolos de sincronização da ovulação para IATF proporcionam – apresentadas nos artigos anteriores – ainda é comum o uso de touros sem avaliação genética. Todavia, essa realidade vem progressivamente mudando, face a evolução dos programas de melhoramento genético voltados também à precocidade sexual. Dessa forma, compreendemos que a redução do intervalo entre o nascimento e o primeiro parto é certamente um dos grandes desafios da pecuária nacional.

No sistema empregado atualmente em grande parte das fazendas de cria brasileiras, com a utilização de períodos restritos de cobertura, é necessário que a novilha atinja a puberdade (momento em que as fêmeas adquirem capacidade para se reproduzirem) antes do início da estação de monta. Sabe-se que novilhas que alcançam a puberdade mais cedo possuem melhor desempenho reprodutivo e mais chances de reconcepção depois do primeiro parto. Além disso, novilhas que possuem um corpo lúteo no início da estação de monta – ou seja, que já estão púberes – possuem maior prenhez por inseminação artificial (P/IA) quando comparadas às novilhas que não se encontram cíclicas no início da estação. 

Para aumentar a quantidade de novilhas cíclicas ao protocolo de IATF, foram desenvolvidos os protocolos de indução de ciclicidade com uso de dispositivos vaginais de progesterona aliados a uma dose de estrógeno no momento de sua retirada. Esses protocolos são utilizados geralmente 12 dias antes do início do protocolo de IATF como uma excelente estratégia para aumentar a quantidade de novilhas a serem expostas à IATF. Em nosso grupo de pesquisa, liderado pelo Prof. Pietro Baruselli no Departamento de Reprodução Animal da FMVZ/USP, realizamos outros estudos que também evidenciaram o efeito positivo do tratamento de indução de ciclicidade com dispositivos intravaginais de progesterona no aumento do diâmetro do corno uterino em novilhas pré-púberes. Ainda, demonstramos que novilhas Nelore que apresentam comprometimento no desenvolvido uterino possuem menor P/IA. Esses resultados podem ser explicados pelo tratamento com progestágenos, que reduz os receptores de estrógeno no hipotálamo, culminando em queda do feedback negativo de estradiol sobre a liberação de GnRH e induzindo a ovulação e, desejavelmente, a puberdade em novilhas. Além disso, o tratamento com estrógeno no final do tratamento com progesterona pode simular o proestro fisiológico (fase do ciclo estral que antecede o cio) e incrementar os resultados. Esses estudos são indicativos de que os protocolos de indução de ciclicidade aumentam a quantidade de novilhas com presença de CL no início do protocolo de IATF e colaboram para aumentar o desenvolvimento uterino e a fertilidade de novilhas de corte inseminadas em tempo fixo. 

Recentemente, nosso grupo de pesquisa realizou um estudo com o objetivo de avaliar os fatores nutricionais e genéticos que interferem na precocidade sexual de novilhas Nelore (198 novilhas com 14 meses de idade). Os animais foram mantidos por 94 dias em dois manejos nutricionais: 1) confinamento (nutrição melhorada) vs. 2) pasto (nutrição moderada) e duas classificações genéticas (alta vs. baixa genética para precocidade sexual). Após 60 dias do início do experimento foi realizada a mensuração da gordura subcutânea na costela e na garupa e as novilhas foram submetidas à IATF. A taxa P/IA foi maior em novilhas com alta nutrição. Ainda, novilhas com alta nutrição e genética para precocidade sexual apresentaram maior deposição de gordura subcutânea.

Quanto à programação reprodutiva, as novilhas merecem atenção especial. Essas fêmeas se tornarão primíparas (fase final de crescimento corporal e início da lactação) e irão necessitar de um tempo maior para retornarem à atividade reprodutiva pós-parto. A estação de cobertura das novilhas pode ter seu início e final antecipados (pelo menos 30 dias) em relação ao das vacas. Durante o planejamento, deve-se considerar uma estação curta e com realização de ressincronizações. Além disso, a avaliação ginecológica, o escore de condição corporal, o peso, a escolha do sêmen (touros de alta fertilidade e com DEP de facilidade de parto maternal de primíparas) e a demanda para o manejo operacional durante o período de parição devem ser considerados. 

Outra possibilidade para acelerar o melhoramento genético – e produzir novilhas de reposição – seria a utilização de sêmen sexado. A P/IA é considerada um dos critérios de maior importância para a utilização deste produto em relação ao sêmen convencional. Antes de 2014 uma redução da taxa de concepção entre 20% e 30% para o sêmen sexado era considerado aceitável quando comparado ao convencional, no entanto estudos recentes relataram menores porcentagens de redução, atribuídas aos avanços tecnológicos.

Os protocolos de sincronização da ovulação para novilhas apresentam algumas particularidades (doses medicamentosas, duração do protocolo, número de manejos). Estudos indicam que a presença de corpo lúteo no início do protocolo de IATF em novilhas de corte – em resposta ao protocolo de indução de ciclicidade – pode proporcionar aumento na concentração plasmática de progesterona durante a sincronização, ocasionando inibição do crescimento do folículo dominante. Assim, a administração de prostaglandina de 1 a 3 dias antes da retirada do dispositivo de progesterona é uma importante ferramenta. Entretanto, deve ser levado em consideração a necessidade de manejos adicionais, dependendo do protocolo escolhido (3 ou 4 manejos). 

Nosso grupo de pesquisa observou uma elevada taxa de ovulação antecipada (30,3% das novilhas ovularam entre a retirada do dispositivo intravaginal de progesterona e a IATF) em 301 novilhas Nelore (com nutrição melhorada) sincronizadas com protocolos com 8 dias de permanência do dispositivo de progesterona. Em outro estudo complementar, avaliamos o tempo de permanência do dispositivo de progesterona (7 ou 9 dias) e os seus efeitos na taxa P/IA em novilhas Nelore de 24 meses de idade. A redução do período de permanência de 9 para 7 dias promoveu aumento na taxa P/IA [50,9% (111/218) vs. 59,1% (130/220)], podendo ser uma ferramenta para otimizar o desempenho reprodutivo dessa categoria.

A flexibilidade dos protocolos permite a elaboração de calendários de manejo que melhor se encaixam nas particularidades de cada propriedade. As taxas de P/IA ainda apresentam ampla variação nos resultados, assim, é altamente recomendado a assistência de um profissional que seja capaz de avaliar as necessidades da propriedade e adotar a melhor estratégia. Considerando a rentabilidade do sistema de produção em rebanhos de corte, parte do ganho financeiro gerado pelo emprego da IATF explica-se pelo aumento da quantidade de bezerros produzidos e pela qualidade genética destes produtos. Estima-se um ganho médio de 20 kg no peso ao desmame e ganho adicional de uma arroba do desmame ao abate por bezerro produzido por IATF devido a antecipação do parto e ganho genético (Figura 1).

Figura 1.
Estimativa do impacto econômico gerado pela IATF na cadeia de produção de carne e leite.

Fonte: Adaptado de Baruselli, 2019; Scot Consultoria; IBGE / Elaborado por: Scot Consultoria

Nos próximos artigos da nossa série, discutiremos sobre a aplicação de protocolos para transferência de embriões. Vamos explorar como essas práticas podem aumentar a intensidade de redução do intervalo de gerações e ganho genético – aguarde. Até a próxima e grande abraço!

Referências bibliográficas

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Baruselli P.S. IATF gera ganhos que superam R$ 3,5 bilhões nas cadeias de produção de carne e de leite. Boletim Eletrônico do Departamento de Reprodução Animal/FMVZ/USP, 2 ed. 2019.

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Ferreira A.F., Nonato A., Faquineli, Ávila A.C.F.C.M., Panazzolo, S. Sêmen sexado: conhecendo melhor as técnicas e os avanços alcançados nos últimos anos. Anais da VIII Reunião Anual da Associação Brasileira de Andrologia Animal. 2024.


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