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Scot Consultoria

A minha pecuária dentro do ILPF ainda é medíocre?


Sexta-feira, 29 de dezembro de 2017 - 10h00

Médico veterinário pela UNESP – campus de Jaboticabal, especialização em produção animal pela UFLA e atual Consultor senior da CRIATEC - Consultoria em Agronegócios.


Foto: Vaca PO impedida de expressar seu potencial genético por restrição alimentar.


Apesar da cena ser trágica, infelizmente ela não é incomum. Ainda nos deparamos com cenários como este ao viajar pelo nosso país.


Eu sempre digo, a vaca é sagrada na Índia não é por simples acaso, o grau de resiliência desta espécie animal é fantástico, acho que o sonho de alguma delas era poder hibernar na seca para poupar suas reservas.


Temos milhões de animais sendo alimentados com um produto extremamente caro e nobre durante a seca, e isso acontece todos os anos, muitos de nossos bovinos estão sendo alimentados com “carne” de seu próprio corpo, porque entram no período seco com um peso e terminam com muitos quilogramas a menos, pois necessitaram consumir seus músculos para não morrerem de inanição.


E quando a ILPF (Integração Lavoura Pecuária Floresta) avança nestas condições o cenário muda e muito, porém como a referência muitas das vezes é este do quadro da foto, muitos pecuaristas se contentam apenas com a ausência do período seco e a pecuária continua ainda sendo pouco tecnológica e de produções ainda pífias perto de suas potencialidades.


O deslumbre com a agricultura:


Muitos produtores rurais estão introduzindo a tecnologia de integração em suas áreas, porém em muitas destas propriedades o “P” (Pecuária) ainda continua com baixa tecnologia.


Eu tenho me perguntado a todo instante quais os motivos que levam um produtor a utilizar todo o arsenal tecnológico da agricultura na integração, mas ainda conduzir a pecuária como há 40 anos?


É comum vermos um pecuarista iniciar na agricultura e logo no primeiro ano ele realiza levantamento de análise de terra com agricultura de precisão, determina todo o gradil de fertilidade e necessidade de calagem e fósforo de suas áreas, investe em uma mini central meteorológica, adquiri conjuntos trator/plantadeira que ultrapassam meio milhão de reais, um pulverizador auto propelido  também na casa de um milhão, adquire uma colheitadeira de um milhão de reais, tem um consultor expert em soja e milho, enfim despeja muito recurso e empenho gerencial e administrativo nesta nova atividade, “na soja eu não posso errar, senão eu não colho nada”.


Eu chego a comparar isso como aquele senhor, que em certa altura de seu casamento arruma uma amigada (a “Agricultura”), daí esta amigada passa a ter diversas regalias, presentinhos melhores, hotéis, restaurantes, enfim aquele vislumbre de garoto apaixonado, enquanto a esposa oficial (a “Pecuária”) continua na mesma, apenas mãe dos filhos, cansada, desarrumada, sem predicados e atrativos. Claro que por culpa do próprio marido que não consegue mais enxergar na esposa aquela jovem garota que um dia o entusiasmou.


Algo até natural do ser humano, o fascínio pelo novo, pelo diferente, pela ousadia, pelos desafios que esta agricultura lhe traz. Enquanto a fiel escudeira a “Pecuária,” continua lá, firme sem nenhuma emoção, sem frio na barriga, sem desafios. Aceitando uma enorme amplitude tecnológica e de investimentos que nenhuma outra atividade suportaria.


A exemplo de fazendas de cria com taxas de desmame perto dos 50% e ainda existindo. Fazendas de pecuária entregando menos que 250 reais por hectare ao ano, a mais de 20 anos e ainda assim sobrevivendo na mão de administradores de patrimônio e não de produção. Invernistas produzindo 5@ por hectare ano e se gabando de matar boi a pasto de 21@.


Foto: Alta tecnologia aplicada à agricultura, equipamentos modernos, armazenagem, alto grau de investimentos.


A pecuária vai a reboque da agricultura no ILP


E aí, com a introdução da agricultura, a fazenda passa a ter uma dinâmica agrícola de primeira, porém a pecuária passa a ser empurrada para as áreas menos nobres, e aí o milagre, passa a ter comida na pior época do ano “seca” pois é o resíduo da integração, ainda pior, a “Pecuária” passa a ser o “mal necessário”, a roçadeira para baixar a palhada de brachiária ou panicum de maneira que facilite o novo plantio de grãos, que por sinal, passa a ser mais produtivo subsequente ao pastejo pelos bovinos.


O boi passou a ser apenas um instrumento neste processo agrícola, com raras exceções. O boi passou a ser o “amortecedor de caixa” para acudir os desfalques que a demanda de insumo imediata da agricultura provoca no fluxo. “Faltou caixa, vende boi, na hora que sair o custeio eu compro boi novamente.”


Enquanto a pecuária assiste a este domínio da agricultura vai se contentando com uma oferta de forragem na época seca do ano. Passa as chuvas nas piores áreas, onde a agricultura não pode ir.


Continua com o velho curral, as velhas aguadas, as cercas convencionais e durante a seca passa a pastejar imensos talhões onde necessita percorrer quilômetros ao dia para acessar água e mineral, que ainda alguns ousadamente, passam a um proteico-energético.


Muitos destes produtores ainda se gabam de excelentes resultados obtidos com a pecuária.


“Antes eu matava um boi de quatro anos agora eu mato com três”.


“Meu custo é muito baixo, este pasto da seca é de graça”.


“Agora eu emprenho minhas novilhas precocemente”.


Enfim, vários argumentos para dizer que o cenário atual é muito superior ao que ele vinha conduzindo. Porém ainda muito medíocre.



Figura 3: Animais em recria, conforto térmico em pastagens consorciadas com eucalipto, Faz. Santa Brígida, Ipamerí – GO.


E como era esta pecuária anterior à introdução da agricultura?


Pastagens formadas há mais de 20 anos, ausência de consultoria técnica adequada, o balconista ditando os insumos, o gerente mordendo comissão “até dos urubus que comem placenta na fazenda”, nenhuma análise de solo, nenhuma correção, pouquíssima ou nenhuma adubação, animais sem genética, adquiridos em oportunidades, ou por uma situação oportuna ao gerente, suplementação induzida pelo nível de propina do gerente, enfim um quadro muito comum em diversas propriedades rurais por nosso país.



Figura 4: Animais em recria na seca em pastagens consorciadas pós colheita de milho, Faz. Santa Brígida, Ipamerí – GO.


E agora? Como ficou esta pecuária encrustada em uma jovem fazenda agrícola?


Infelizmente não mudou muito, o que se alterou é que agora estes animais passaram a ter uma dieta melhor durante a seca, durante o maior gargalo da pecuária no Centro Oeste.


E como a grande maioria tinha sua baliza nivelada por baixo, as UAs (unidade animal) por hectare que a fazenda mantinha passam a continuar ou até aumentar um pouco, mesmo a agricultura tomando 50% ou mais das áreas de pastagens.


Volto a me perguntar? Qual o porquê deste cenário de descaso tecnológico para com a pecuária?


Talvez a explicação não seja simples, mas passa por alguns pontos que devemos refletir:


- O valor das commodities agrícolas tem se mostrado rentáveis nos últimos 10 anos e assim passou a ser mais fácil gerar renda com a agricultura e essa passa a ditar as regras.


- A cadeia de grãos é muito organizada, temos ferramentas de proteção de preços, compra de insumos, seguros, transporte, armazenamento, oferta de insumos, assistência técnica mais profissionalizada, traders exportadoras diversificadas, cooperativas fortes, enfim ferramentas eficientes.


- O resultado da atividade é totalmente dependente de insumos e de tecnologia, não há possibilidade de se produzir grãos de forma econômica sem a utilização de pacotes tecnológicos.


- O crédito para os investimentos e custeio agrícola é facilitado pelas instituições de crédito. Temos políticas públicas fortes para a agricultura.


Ao contrário a “Pecuária”, apesar de sensíveis melhoras na última década, ainda se sustenta em modelos com baixíssimo nível tecnológico:


- Pastagens degradadas.


- Baixo nível de utilização de crédito, poucas ou inexistentes linhas de crédito para aquisição de animais.


- Ausência da utilização de assistência técnica profissional.


- Cadeia da carne formada por oligopólios exploradores e não éticos.


- Relação produtor X frigorífico dominada pela desconfiança e adversidade.


- Pagamento da carne nivelado pelo baixo nível tecnológico.


- Pouquíssimo incentivo à diferenciação tecnológica.


Dentre muitas outras alegações que poderíamos ficar aqui enumerando...



Figura 5: Colheita de milho de verão consorciado com Brachiária Marandu, 195 sacas por hectare, capacidade de abrigar 2,5 mil kg de peso vivo por hectare após a colheita, Faz. Santa Brígida, Ipamerí – GO.


Ainda temos quem faça o paralelo, a comparação entre uma agricultura altamente tecnificada e com alto grau de investimentos e utilização de insumos, e a pecuária tradicional, sem tecnologia, sem genética, sem investimentos sem insumos, sem gestão e ainda querem dizer que a agricultura é uma atividade mais rentável que a pecuária. 


Sendo que se colocarmos a pecuária nos mesmos níveis tecnológicos e de investimentos, com certeza teremos resultados até superiores a muitas atividades agrícolas. E se integrarmos as duas atividades, agricultura e pecuária com os mesmos padrões tecnológicos, teríamos na mão a infalível receita de sucesso.


Enfim, a pecuária paga caro pelo seu enorme poder de resiliência, poder de aceitar esta grande amplitude tecnológica e ainda continuar dando alguma remuneração ao seu produtor, situação que foi abolida nos últimos anos pelas cadeias do frango e do suíno, onde só sobrevive quem se enquadrar nos padrões ditados pelas empresas integradoras.


Seria possível um dia assistirmos à “integração na pecuária” nos moldes da integração com frango de corte?


Por que é tão raro o empreendedorismo na pecuária?


Ficamos nos gabando que na ILPF estamos produzindo de 38 a 42 arrobas por hectare, por que não produzirmos 80 a 100 arrobas por hectare? O que nos impede? Não é tecnologia, temos exemplos desta possibilidade.


Acredito em uma “Pecuária” moderna, ousada, empreendedora, tecnológica, utilizando pastagens com alta produtividade, colhendo pasto de maneira profissional, extraindo o máximo de resultado por hectare.


O conhecimento científico para atingirmos estes níveis de produtividade estão todos escancarados, tanto a Embrapa como várias outras instituições despejam informações gratuitas em seus sites, vídeos, newsletters, journals. Temos dois dias de campo por semana sendo realizado para o ILPF em algum local de nosso país. E ainda assim o nível de adoção tecnológica é baixo.


Temos todas as ferramentas, apenas nos falta a cultura.


Começam a brotar pelo país exemplos de excelência pecuária, onde jovens sucessores iniciam um processo de empreendedorismo e de acreditar na utilização da tecnologia na pecuária, hora atrelada a uma agricultura também tecnológica, hora solteira, porém utilizando muito conhecimento e estratégia.


Temos hoje investidores em busca de propósito:


- Quero melhorar a vida das pessoas que trabalham comigo.


- Quero produzir mais por hectare para não termos necessidade de desmatar.


- Quero estabelecer uma relação de parceria com meus fornecedores e para quem eu vendo.


- Quero diferenciar meu produto.


- Os meus resultados intangíveis também contam.


- Minha atividade tem que ser sustentável do ponto de vista econômico, social e também ambiental.


- A minha atividade não pode machucar pessoas e nem ferir seus sentimentos e crenças, caso contrário, não vale a pena produzir.

Conclusão.


Podemos ser atores ativos neste processo, basta querer.


Figura 6: Fazenda transformada pela introdução da tecnologia ILPF, Faz. Santa Brígida, Ipamerí – GO.



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