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Scot Consultoria

Carne Carbono Zero


Terça-feira, 19 de setembro de 2017 - 13h40

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.


Foto: Scot Consultoria


Na semana passada tive a honra de fazer uma palestra em um dos mais tradicionais eventos técnico-científicos, o 28º. Simpósio de Manejo de Pastagens da ESALQ/USP. O título da minha fala era “Mitigação da emissão de gases de efeito estufa em sistemas de produção animal em pastagens – Em busca da carne com emissão zero”. O texto a seguir tem a intenção de trazer os pontos principais apresentados.


Premissas


Inicialmente foram colocadas quatro premissas que ajudariam a entender o restante da apresentação:


(1) Pegada de Carbono como métrica preferencial: A melhor maneira de apresentar dados de emissão no caso de pecuária bovina é em unidade do gás de efeito estufa por unidade de produto (Exemplo: kg metano/kg de carcaça), pois ele combina a emissão de GEE (gás de efeito estuda) com a produção animal associada. Essa medida é conhecida como “pegada de carbono”;


(2) Quanto melhor a dieta, menor a pegada de carbono: Quanto maior o valor nutritivo ingerido pelo animal, menor a produção de GEE por quilograma de matéria seca ingerida e menor a produção de fezes, reduzindo também os GEE associados a este resíduo. Como o maior valor alimentar resulta em maiores ganhos, a pegada de carbono, é também reduzida porque a menor emissão é dividida por um valor ainda maior;


(3) O abate precoce ajuda a reduzir emissão de metano: Quanto menor a idade de abate, menor a produção de metano para cada quilograma de carne produzida. Isso ocorre tanto porque o animal permanece menos tempo emitindo o metano, como porque ele emite menos para cada quilograma de comida que consome;


(4) Maior produção das forrageiras resulta em maior produção de raiz: Há relação entre produção de parte aérea da forrageira e crescimento da raiz, portanto podemos assumir que, quanto mais produtiva a pastagem, maior a massa do sistema radicular sob o solo. 


Manejo de Pastagens e mitigação


O manejo de pastagens é o primeiro ponto onde podemos começar a mitigar a emissão de GEE, antes mesmo de plantar a pastagem. Escolher a cultivar adequado às condições locais (fertilidade e condições físicas do solo, clima, risco de pragas e doenças, ocorrência de alagamento, etc.) resulta em melhores produtividades e ajuda a perenizar as pastagens. Reformas e renovação de pastagens são grandes contribuidoras da mobilização de carbono do solo e evitar emissão dessa fonte faz diferença.


Na lista de ações para evitar a degradação das pastagens destacam-se dois pontos: (1) Evitar o superpastejo, respeitando a altura mínima determinada para cada forrageira¹ e (2) reposição periódica de nutrientes pela adubação.


No caso da altura de pastejo, pastejos lenientes (mantendo o pasto mais alto, com lotações mais baixas), têm sido realizados para obtenção de melhores desempenhos individuais dos animais. Esse manejo favorece a mitigação de GEE, pois: (a) a melhor qualidade nutricional da forragem resulta em menor produção de metano por quilograma de matéria seca ingerida, (b) o maior desempenho reduz o ciclo de vida do animal e (c) a maior massa forrageira corresponde a um sistema radicular também maior (ou seja, maior sequestro de C). Em conjunto, essas alterações resultam em uma pegada de carbono (kg de GEE/kg de unidade de produto) menor. 


Carbono no Solo – O C solo possibilita o armazenamento de nutrientes, melhora a disponibilidade de água, aumenta a capacidade de troca de cátions, aumenta a biomassa microbiana e melhora a estrutura e porosidade do solo, deixando-o menos suscetível à erosão. Maiores teores de C de solo podem explicar diferenças de produção de massa de forragem de 800 ou 900 kg/ha, por melhor fornecer nutrientes às plantas e/ou ajudar na retenção da umidade do solo. O interesse em aumentá-lo, portanto, vai muito além do interesse em mitigar GEE.


Pastagens bem manejadas são excelentes ferramentas para aumentar o C no solo e essa é uma das grandes vantagens de sistemas integrados de lavoura-pecuária. Áreas com rotação de lavoura e pecuária tem 30% mais C no solo do que áreas solteiras. Há um número razoável de estudos sobre ecossistemas de pastagem nos biomas da Amazônia, Cerrado e da Mata Atlântica, indicando que os solos sob pastagens bem manejadas ou em sistemas de integração podem ter níveis de carbono semelhantes ou superiores à vegetação nativa,


O potencial de sequestro de C em solos de pastagem está estritamente relacionado ao seu manejo, os solos funcionando como um dreno (= bom manejo) ou emissor (= mal manejo) de CO2 atmosférico. Perturbações do solo podem resultar em perda de carbono, sendo muito mais fácil perder do que aumentá-lo. A prioridade deve ser dada para manter esses estoques. Por fim, deve-se lembrar que, há um limite para o estoque de C nos solos, todavia no Brasil há ainda enormes possibilidades de sequestrar C no solo.


Leguminosas - A grande vantagem da leguminosa é a eliminação completa das emissões associadas à fabricação e aplicação de fertilizantes nitrogenados e, possivelmente, emissões de óxido nitroso (N2O) mais baixas. A fixação biológica de nitrogênio (N) por leguminosas tropicais pode exceder 100 kg/ha/ano. O N introduzido no sistema pela leguminosa estimula produção de forragem, chegando a dobrar a produção de matéria seca total.  A produção de carne em pastagens de braquiárias consorciadas com a cultivar Estilosantes Campo Grande (ECG) tem sido de 9 a 34% superiores às com a gramínea solteira. Uma vantagem adicional importante da ECG em consorciação com gramíneas, tem sido uma melhor cobertura do solo que ajuda a evitar perdas de solo devido à erosão, o que é mais importante em solos arenosos, para o qual essa cultivar e recomendada.  


Pastagem é cultura perene: O ponto mais importante neste contexto é lembrar que as pastagens são culturas perenes. Os primeiros pastos da cv. Marandu, plantados no início da década de 1980 na Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande/MS, que são adubados periodicamente, permanecem produtivos até hoje. É muito mais vantajoso, do ponto de vista econômico, manter a pastagem produtiva do que periodicamente ter que fazer a reforma da área.


Suplementação de Pastagens e Confinamento


Ganhos latentes com a mineralização: No Brasil, a suplementação de pastagens deve ser feita o ano todo, pelo menos, com o sal mineralizado. Apesar da suplementação mineral ser uma prática largamente adotada, as estatísticas mostram que a quantidade produzida de sal mineral é insuficiente para a demanda do rebanho. Mesmo para as fazendas que usam rotineiramente o suplemento mineral, há muitos problemas na operacionalização da oferta do produto nas pastagens. Há, portanto, um ganho latente em desempenho referente a deficiências em decorrência dessas falhas. Essa é uma oportunidade de mitigação da pegada de carbono bastante interessante do ponto de vista do baixo investimento e, mesmo considerando que, para a maioria dos casos, houvesse apenas discretos aumentos de ganho, ao considerar o tamanho do rebanho brasileiro, o impacto positivo no orçamento das emissões pode ser positivo.


Ganhos na seca fazem diferença - Os maiores diferenciais proporcionais em resposta à suplementação, contudo, estão na época da seca, quando a ausência do uso dos suplementos adequados leva à perda de peso. Mesmo apenas com a suplementação de sal com ureia (100 g/Unidade Animal com 30% de ureia), pode-se esperar, pelo menos, manutenção de peso. Já com o uso de misturas múltiplas (proteinados), ganhos de 200-400 g/cabeça/dia são usualmente obtidos. Elas são formuladas para consumo entre 1 a 2 g/kg de peso vivo. Junto com uso de pasto diferido, os proteinados permitem abater um animal cerca de 12 meses antes de outro que fique apenas no sal mineral.  A figura 1 ilustra o efeito da suplementação na redução da idade de abate e na pegada de C.


Figura 1.
Efeito da suplementação da redução da idade de abate e da pegada de carbono
Fonte: Elaborado pelo autor sobre dados de  Ruviaro et al., (2014).


O uso do proteinado energético reduziu o tempo até abate em quase um ano (330 dias) e quase reduziu a pegada de C pela metade (De 42,6 para 23,4 kg de CO2-eq./kg de ganho). De modo geral, quanto maior a suplementação, menor a pegada de C. Isso vale para o “confinamento em pasto”, na qual oferta-se ente 1,8-2,0% do PV do animal (na matéria seca, M.S.) e também para o confinamento tradicional. No caso dos confinamentos, vale lembrar que tem havido uma adoção crescente de dietas de alto concentrado, pois: (a) o operacional com pouco volumoso fica facilitado, (b) há aumento de eficiência alimentar e (c) ganhos elevados favorecem a terminação dos animais.


Sistemas de Integração


Os sistemas de integração têm-se mostrado eficientes na melhoria das propriedades químicas, físicas e biológicas, na quebra do ciclo de pragas e doenças, no controle de invasoras, no aproveitamento de subprodutos, disponibilização de pasto de alta qualidade na entrada da seca, no incremento da produção animal e de grãos e no fluxo de caixa.


A lavoura melhora a fertilidade do solo, enquanto a pastagem melhora as propriedades físicas do solo. Aumentos nos rendimentos de soja de 200 a 700 kg/ha foram relatados em áreas previamente cultivadas com milho intercalado com gramíneas forrageiras perenes. No caso da pecuária, ganhos de peso comparáveis às águas podem ser obtidos no pasto safrinha.


Sistemas silvipastoris - Com 250 a 350 árvores de eucalipto/ha, para corte aos oito até doze anos de idade, produz-se até 25 m3/ha/ano de madeira, o que corresponde a um sequestro anual de 18 t/ha de CO2eq.. Este valor equivaleria à neutralização da emissão de GEE de cerca de 12 bovinos adultos/ha/ano. Considerando que a taxa de lotação média das pastagens brasileiras é de 1,2 animal/ha, fica evidente a relevância desses sistemas na remoção de GEE da atmosfera e na melhoria das condições ambientais de sistemas pecuários. Eles seriam os únicos em que obteríamos a carne 100% sem emissões líquidas de GEE e com sobra.


Intensificação da Pecuária


Há uma clara relação entre intensificação da pecuária e redução da pegada de C. A figura 2 ilustra isso.


Figura 2.


Efeito da intensificação na pegada de carbono de uma fazenda hipotética de Rondônia com cenários intensificados na situação considerando o C solo em equilíbrio (colunas em preto) ou C do solo variando (colunas em branco). Usual: Degradada, Cenário 1: adubada +seleção dos animais;  Cenário 2: corrigida e adubada + cruzamento industrial; Cenário 3: pastejo rotacionado + inseminação artificial e Cenário 4: irrigação + marcadores moleculares para a seleção e cruzamento dos animais (Mazzeto et al. 2015).



Fonte: Elaborado pelo autor sobre dados de Mazzeto et al. (2015)


Quanto considerado o C do solo em equilíbrio (sem emissão ou sequestro), há notável redução: a pegada de C do Cenário 4 é menos da metade do Cenário 1. Quando incluímos a variação do C no solo, o cenário intensivo é 10 vezes menor PC que o “Usual”. Nos Cenários 3 e 4, o fato das colunas pretas estarem acima das brancas é porque, nestes Cenários está havendo sequestro de C pelo solo. Outro aspecto importante é que, mesmo no mais intensivo, a produção pecuária seria emissora líquida de CO2.


Corroborando esses resultados um trabalhando comparando fazendas envolvidas em programas de intensificação sustentável tiveram pegadas de C até 36% menores que fazendas que não participam de nenhum programa.


O outro lado da intensificação


O desafio que se tornou o combate ao aquecimento global tem feito com que o foco seja dirigido para ele. É importante não perder de vista que podemos estar deteriorando outros aspectos ambientais ao intensificar a atividade. Essa vigilância pode permitir ajustes de rumo na intensificação de forma a ter um resultado final interessante, inclusive do ponto de vista econômico.


Para mostrar como andam alguns índices ambientais e de intensificação é interessante saber que uma tonelada de carne produzida no Reino Unido usa cinco vezes mais energia, causa 1,5 vezes maior eutrofização, seis vezes mais acidificação e usa 2,5 vezes mais pesticidas do que uma tonelada nas condições médias brasileiras. A pegada de C da tonelada britânica, todavia seria menor. Ao intensificarmos, podemos ficar com uma pegada de C menor, mas certamente pioraremos os demais indicadores, reduzindo as diferenças citadas acima. 


A mensagem, portanto, é que precisamos também nos preocupar com outros índices ambientais além da redução de GEE. Uma vez que não é trivial fazer o monitoramento deles, é interessante que procuremos explorar nossa eficiência produtiva em sistemas com menor necessidade de input de recursos, pois, mesmo que não tenhamos as mensurações dos índices sabemos que essa estratégia garante menor impacto ambiental.


Um exemplo disso é que o uso de suplemento no pasto é uma forma conveniente de aumento de produção, mas que pode mascarar manejos de pastagem abaixo do ideal. Nesse caso, trocamos um potencial inexplorado com menor input, por desempenho nem sempre tão maior, mas com maior gasto de energia (do próprio concentrado e a energia dispendida na sua produção e distribuição).


Colocado de outra maneira, a questão é: Estamos usando todo o potencial produtivo das nossas forrageiras? Conhecemos suficientemente as interações entre o fornecimento do suplemento e o aproveitamento da forrageira? Esses são alguns dos pontos em que há oportunidades de, através da experimentação, ter resultados melhores com menor necessidade de recursos externos.


Pecuária de precisão


A pecuária de precisão pode ajudar no aumento da eficiência na produção animal. A nutrição de precisão é uma das ferramentas em destaque para redução da pegada de C, pois dietas balanceadas evitam menor desempenho pelo não atendimento das exigências (subnutrição), bem como, opostamente, evitam perdas ao ambiente do excesso de nutrientes (supernutrição).   


O barateamento de sensores e de câmeras dos mais diferentes tipos permite a criação de ferramentas que podem ajudar no monitoramento e automação de atividades, dando condições inéditas de interferência nos processos produtivos. Por exemplo, sensores de temperatura corporal, podem ser usados para melhorar a detecção de estro no campo, auxiliando a obtenção de melhores índices de fertilidade. Também estão sendo desenvolvidas ferramentas que, por detecção de imagem, poderão ajudar a identificar animais que já estejam terminados, evitando mantê-lo mais tempo do que o necessário.


Aplicativos para dispositivos móveis


Uma ferramenta que definitivamente passou a fazer parte de todos nas fazendas é o celular. Ainda que tenhamos problema de cobertura de sinal nas áreas rurais, há um plano de público de universalização que promete, em breve, democratizar o acesso à Internet. Já existem inúmeros aplicativos específicos para pecuária, voltadas para as mais variadas atividades: compra e venda de animais, gestão do rebanho, gerenciamento da reprodução ou nutrição e vários outros.


Recentemente, a Embrapa Gado de Corte lançou o “Pasto Certo” que permite ao usuário identificar/diferenciar cultivares e se informar sobre as principais recomendações e restrições das principais cultivares de forragem do Brasil. Ele ajuda o pecuarista a acertar na escolha da forrageira para sua condição local e seus objetivos, o que tem repercussão por toda a vida útil daquela pastagem. Outro aplicativo, o Suplementa Certo, lançado em julho de 2013 e atualizado em outubro de 2014, ruma para os 30 mil downloads. Ele é uma calculadora de custo benefício, permitindo ao produtor fazer uma escolha consciente sobre a suplementação de determinado lote na seca. Especialmente no caso de simulações envolvendo o uso de proteinados, como usualmente os resultados de benefício:custo costumam ser muito atraentes, o aplicativo acaba estimulando a adoção dessa prática, algo que, de fato, desejava-se quanto ele foi idealizado. Esses são dois exemplos de como tecnologias simples podem ajudar no aumento da eficiência e na redução da pegada de carbono.


Usando a tecnologia da informação (TI) para otimizar sistemas de produção como um todo

Sistemas computacionais são usados na pecuária para otimizar dietas ou o gerenciamento de um confinamento, mas são sempre limitados à unidade produtora que atendem. A Internet permite romper esse limite.


Uma das formas de fazer isso seria com a criação de um Portal de Internet que tivesse bancos de dados, com informações georeferenciadas, de fazendas, de prestadores de serviço de frete de carga e animais e de insumos, inclusive alimentos.


A melhor maneira de entender essa proposta é através de um exemplo, o que faremos a seguir. Assim, do banco de dados deste Portal constaria uma fazenda com instalações de confinamento vazias com capacidade para 100 animais, com sobra de volumoso e dos demais ingredientes para confinar essa quantidade de animais, exceto pelo suplemento proteico que precisaria ser adquirido. Em outra fazenda, relativamente próxima e sem estrutura para confinar, estariam 100 animais com o peso ideal para entrar no confinamento e numa propriedade com situação não muito folgada de disponibilidade de pastagens, isto é, sendo vantagem tirá-los da pastagem. Nos bancos de dados haveria, ainda, os custos das transportadoras para levar os animais de uma fazenda para outra e dos fornecedores do suplemento proteico, bem como os preços dos ingredientes usualmente consumidos e do preço de mercado dos animais, no caso usando preços de bois magros.


Além dos bancos de dados, o portal teria um aplicativo central com um otimizador de dietas capaz de encontrar a dieta de mínimo custo da arroba. Com as informações das duas fazendas, dos fornecedores de insumos e transportadoras, o aplicativo calcularia uma dieta para os 100 animais e demais custos de confinamento cujo valor da arroba produzida seria atraente, ou seja, bem abaixo das apostas mais conservadoras do dia previsto para os animais serem comercializados. O aplicativo então dispararia mensagens avisando os envolvidos da possibilidade de negócio, podendo até sugerir o modelo de negócio. Por exemplo, o dono dos animais poderia apenas entregar os animais e esperaria o valor de venda, ganhando proporcionalmente nas arrobas ganhas, descontados os custos do confinamento ou, alternativamente, vender os animais para o confinamento.


Na hipótese do negócio ter sido concretizado, além do ganho econômico, a lista de vantagens seria a seguinte:


1)    Os animais teriam sido abatidos precocemente;


2)    As pastagens da fazenda de onde saíram os animais ficariam com uma lotação menor, o que melhoraria a produtividade, em função de maior ganho individual dos animais que ficaram;


3)    A fazenda do confinamento aumentaria o uso de sua estrutura e reduziria a ociosidade de suas máquinas, diluindo os custos fixos.


4)    A fazenda do confinamento teria usado o estoque de alimentos que estava sobrando, reduzindo os custos de estocagem e evitando perda de qualidade com a estocagem dos alimentos por muito tempo (por exemplo, pelo ataque de pragas, como o caruncho);


5)    A empresa de insumos realizaria uma venda que, sem o sistema, jamais teria feito. Como o negócio só ocorre por ser atraente, provavelmente essa venda deve ter uma importância ainda maior no fluxo de caixa da empresa;


6)    A empresa que transportou os animais realizou mais um frete que, provavelmente, tenha sido por preço abaixo do mercado (afinal, viabilizou o negócio), havendo grandes chances de ser um frete de retorno.


Na maioria delas é clara a vantagem em menor emissão de GEE, conforme discutimos ao longo do texto. Isso é especialmente certo para os Itens 1, 2, 4. O item 6, de transporte, tem a chance de ser mitigador, também, no caso de frete de retorno.


Outra vantagem seria a criação dessa rede de atores da cadeia, que propiciaria ainda mais negócios entre eles. O fato do negócio ser realizado por interferência do Portal dá transparência às operações e permite identificar participantes que hajam em desacordo com boas práticas de negociação, que seriam mal avaliados. Isso garantiria maior confiabilidade entre os participantes no Portal.


As informações necessárias para o Portal seriam:


Unidades Físicas: Confinamentos, Fazendas, Empresas de ração e alimentos, Empresas de transportes e Empresas de insumos que se inscreveriam no Portal, preenchendo um cadastro com informações básicas.


Distâncias: Distâncias entre as unidades físicas. Elas podem ser estimadas pelo endereço, pelas coordenadas geográficas ou por informações dos usuários.


Preços: preços de animais, ingredientes e serviços (como frete ou diárias de confinamento). Preferencialmente elas deveriam ser valores autodeclarados, mas podem também ser usados valores de mercado (recuperados da Internet, por exemplo).


Animais disponíveis: Animais que podem ser terminados em confinamento. O preço do animal será informado pelo proprietário junto com informações como peso, data da pesagem, raça, sexo, escore do corpo e regimes alimentares prévios.


Alimentos disponíveis: Alimentos estocados nas fazendas e confinamentos (como ingredientes que sobraram do confinamento anterior).


Espaço físico disponível para animais no confinamento: Fazendas onde há lugares vagos para receber animais e a faixa de datas que estariam disponíveis (De dd/mm/aa até dd/mm/aa).


Matriz do valor nutritivo dos alimentos: Uma matriz do valor nutritivo dos alimentos padrão estaria disponível, mas que aceitaria atualização para os valores do usuário, caso disponíveis. Também, novos alimentos poderiam ser incluídos. Para todos os ingredientes um valor máximo de inclusão na dieta poderia ser informado.


O Portal basicamente combina as informações para achar a dieta para os animais disponíveis a serem confinados, de maneira que eles possam ser terminados em vagas ociosas de um ou vários confinamentos com o mínimo custo por arroba possível.


Uma das formas de fazer negócios com o uso do Portal seria o proprietário do confinamento ser o único a receber o aviso e ele faria contato com os demais. No entanto, existe um potencial para arranjos mais sofisticados. Por exemplo, o Portal pode gerar um relatório sugerindo a melhor opção para cada participante contribuir para que os riscos sejam reduzidos. Um exemplo dessa contribuição seria o fornecedor dos animais esperar pela venda para ser pago. Outro exemplo poderia ser um fornecedor que reduz o preço de um ingrediente chave para tornar a dieta viável, mas, consequentemente, ganhe a chance de obter mais, se os resultados previstos forem obtidos.


Em função dos acordos firmados entre as partes, após resultados finais, os resultados consolidados podem ser compartilhados. Se os resultados finais forem maiores do que o esperado (maior desempenho e/ou preço maior do que o estimado), eles receberiam um valor extra (também previamente acertado). No caso de resultados abaixo das expectativas, poderia ser feito um arranjo para que cada parte arcasse proporcionalmente com ele, de maneira diluir esse risco entre todos os participantes.


O ponto crítico no uso do Portal para fazer negócios é exatamente o grau de confiabilidade das previsões. Ser conservador seria uma das abordagens para enfrentá-lo. Outra maneira seria informando as probabilidades dos resultados e/ou de qualquer outra informação que esclareça as limitações do Portal.


O importante é que com as tecnologias disponíveis, a construção de um sistema desses é perfeitamente viável. Uma evolução natural seria, com o tempo, e usando tecnologias como sensoriamento remoto, modelagem e ferramentas automáticas de determinação de disponibilidade de forragem usá-lo também para realocação de animais de fazendas com menor disponibilidade de pasto para outras onde houvesse sobra, com todas as questões econômicas envolvidas resolvidas entre os negociadores intermediados (friamente) pelo sistema. A imparcialidade e transparência do sistema seriam os garantidores do negócio justo entre as partes.


Considerações finais


Com relação à redução dos impactos da atividade pecuária na emissão de GEE, fica claro que opções interessantíssimas, não só estão disponíveis, como são atraentes do ponto de vista econômico. Ao mesmo tempo, novas oportunidades têm surgido e ampliam nossa capacidade de enfrentar o desafio de aumentar nossa eficiência produtiva. Alguns pontos merecem destaque:


- A maioria dos cenários mostra que a pecuária é emissora líquida de GEE, sendo que a única alternativa que garantiria nas mais diversas circunstâncias a carne produzida sem emissão líquida seria os sistemas de integração com o componente arbóreo.


- Todavia, os sistemas silvipastoris ou agrossilvipastoris são uma solução limitada a área em que são viáveis de serem explorados, o que torna essa alternativa restrita.


- A melhor quantificação de outras fontes de mitigação, com o caso de sequestro de C pelo solo, pode reduzir a pegada de C da carne produzida em pastagem no Brasil.


- A carne com emissão nula de C, portanto, deveria ser considerada também quando a neutralização é parcial. Usando o cenário 2 da figura 3 como exemplo, temos que a PC era de 30 kg de CO2-eq/kg de carcaça sem considerar o sequestro de C pelo solo, mas apenas 14 kg de CO2-eq/kg de carcaça, quando ele é considerado. Assim, isso equivale a considerar que o sequestro de C neutralizou 53% das emissões ou que 530 g de cada kg de carcaça produzida é carne com emissão nula de C.


- O aumento do uso de consórcios de gramíneas com leguminosas ajudaria na redução da pegada de C, pois ela ajuda em vários aspectos da produção. A criação de novas cultivares e o aprimoramento do manejo dos consórcios devem ser incentivados.


- O denominador da pegada de C geralmente é kg de carne ou de carcaça. Seria interessante avaliar a pertinência de fazer por quilograma de peso vivo, visto que 100% da carcaça dos bovinos entra no ambiente produtivo. Pelo menos nos ACVs, dever-se-ia considerar todas as emissões evitadas com o uso de subprodutos da bovinocultura de corte.


O desafio continua sendo incentivar a adoção de práticas de intensificação sustentável pelos produtores. Novas tecnologias e desenvolvimentos que podem ser vislumbrados para futuros não muito distantes (como edição gênica, por exemplo) podem ampliar nossa capacidade de produzir com menos impacto e, porque não, acreditar que a carne com emissão nula de GEE pode ser uma dia a regra, não a exceção.


Referências:


MAZZETTO, A. M.; FEIGL, B. J.; SCHILS, R. L. M.; CERRI, C. E. P; CERRI, C. C. 2015. Improved pasture and herd management to reduce greenhouse gas emissions from a Brazilian beef production system. Livest. Sci. 175:101–112.


MEDEIROS, S.R.; ALMEIDA, R.A.; BARIONI, L.G.; MARINO, C.T. Mitigação da emissão de gases de efeito estufa em sistemas de produção animal em pastagens – Em busca da carne com emissão zero. In: 28º Simpósio de Manejo de Pastagens – As Mudanças Climáticas e as Pastagens – Desafios e Oportunidades. Edição (Pedreira, C.G.S.; Silva, S.C.; Santos, P.M.; Moura, J.C.). Piracicaba:Fealq 2017.


RUVIARO, C. F.; LÉIS, C. M.; LAMPERT, V. N.; BARCELLOS, J. O. J.; DEWES, H. 2015. Carbon footprint in different beef production systems on a southern Brazilian farm: a case study. J. Clean. Prod. 96:435-443,


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[1] Valores e uma ferramenta para ajudar nesta tarefa podem ser encontradas no link https://www.embrapa.br/gado-de-corte/busca-de-publicacoes/-/publicacao/970497/regua-de-manejo-de-pastagens



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