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Scot Consultoria

Limpem a poeira dos gráficos


Sexta-feira, 11 de março de 2011 - 16h03

Administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.


Comentamos um pouco sobre inflação por esses tempos, mas confesso que sobre um assunto tão amplo como este, não coloquei para fora tudo o que gostaria de falar. O texto hoje será longo, caro leitor. Desculpe-me abusar de seu tempo. Sairei feliz se conseguir atiçar a sua curiosidade sobre o tema. Se o deixar alerta para as conseqüências dos movimentos que estão ocorrendo atualmente no mercado amplo de commodities, melhor ainda. Mas antes de continuar a leitura, faço um convite. Esqueça um pouco o texto abaixo. Olhe com calma. Olhe demoradamente para cada um dos gráficos nesta e nas próximas páginas. Mire os títulos. Observe o tempo dos gráficos. Análise a movimentação dos preços. Compare os valores agora e os do passado. Faça isso. Depois continue a leitura. Para quem é do mercado financeiro e para quem não é, mas não se limita, nem satisfaz a sua curiosidade somente ao ler a Veja e assistir o Jornal Nacional, o que estou dizendo aqui não é novidade. Muitos acredito que foram além: leram os livros que o Jim Rogers, o Richard Duncan e o Bill Bonner escreveram. Acredito também que muitos lêem os artigos que o James Grant, Marc Faber, Bill Gross, Stephen Roach, Richard Russell, Dennis Gartman e David Rosenberg analistas que respeito, têm escrito nos últimos três ou quatro anos sobre isso. Todos estes analistas sentem um cheiro, talvez não imediatamente, mas enxergam por assim dizer, “escrito nas estrelas”, como diz um amigo meu, alguma inflação nos próximos anos. Por isso postei no twitter: “Limpem a poeira dos gráficos da década de 70 até hoje, ajustados pela inflação. Algodão está puxando a fila. Os outros seguirão?” Por que sugeri limpar a poeira dos gráficos da década de 70, caro leitor? É simples. A maioria das commodities teve seu pico ao redor da década de 70/80, período esse em que os Estados Unidos experimentaram uma inflação sem precedentes pelo menos desde o final da 2ª Guerra mundial. A inflação no Brasil, se todos se lembram, nos atacou na década seguinte, entre 80/90. Obviamente o algodão é só a vedete, o chamariz do momento. Coloquei todos os gráficos de commodities agrícolas e industriais que achei importante nestas páginas, caro leitor. Observe que coloquei uma base histórica enorme em todos eles. Pegue o ouro, desde 1860. São 150 anos de preço. Atualmente esse metal amarelo está caminhando para tentar bater seu recente pico histórico ocorrido em 1980, por exemplo. Como tudo na vida, há mais história aqui do que aparenta à primeira vista simplesmente ao mostrar alguns gráficos antigos e bonitinhos. A alta generalizada nas commodities é seríssima, e começou a ser sentida em tudo quanto é lugar. Se você reparar as indústrias já estão começando a repassar essa alta para os produtos de consumo. Devagar, aos poucos, sem alarde, o custo de vida está aumentando mundo afora. Existem dois tipos de commodities, grosso modo falando. As industriais e as agrícolas. A explosão de aumento de preços está ocorrendo em ambas, com destaque para as commodities industriais, e incluo o petróleo aqui também. Se você observou nos gráficos, todas elas estão de uma forma ou de outra, próximas dos picos da década de 70. O que está ocorrendo agora é a retomada, a meu ver, da alta abortada pela crise de 2008, alta essa que por sua vez começou em meados de 2002. Então veja que a inflação atual é resultado e consequência de forças que já estão atuando há quase 10 anos por aí. Qual a razão dessa alta nas commodities? Bom, temos três razões, na realidade. Nenhuma delas é nova. Super resumidamente, a primeira razão é que não ocorreram investimentos em aumento de produção nas últimas décadas na maioria das commodities, em particular nas industriais. O segundo ponto é a demanda crescente por esses produtos, em especial a demanda do complexo econômico voraz que atende pelo nome de China. Em terceiro temos uma busca por proteção por parte do mercado por bens tangíveis, como ouro, por exemplo. No afã de diversificar seus investimentos fora do dólar e fora do sistema corroído de títulos do governo americano, o maior do mundo, a prudência fala mais alto — o povo está comprando tudo o que não é papel, ainda mais com o Banco Central americano (anteriormente, BC japonês) criando papel-moeda numa velocidade que quebraria o pescoço de qualquer um. Mais moeda, mais inflação. Esse é um processo lento. Países são como transatlânticos. Difíceis de movimentar, mas depois de iniciado o movimento, difícil é pará-los. Dez anos ainda não foram suficientes. Com os juros americanos desse gráfico acima, nos baixíssimos patamares atuais, os menores da história do pós-guerra, diga-se de passagem, estamos ainda na fase de jogar gasolina, e não água no fogo. Ao permanecerem os altos preços atuais das commodities, o estrago que já está sendo feito terá um impacto duradouro em quase tudo. Tipo assim, em certa medida pode-se dizer que o preço de tudo irá subir no futuro, simplesmente porque a indústria consegue absorver o impacto do aumento de sua matéria-prima nas suas margens de lucro até certo ponto. Depois desse ponto, ela repassa a alta para o elo seguinte da cadeia. Infelizmente essa roda-viva inflacionária se auto-alimenta com os atuais juros baixos comentado acima. Das indústrias que utilizam as matérias-primas ao consumidor final, existem vários elos envolvidos. Isto depende da complexidade de cada setor. Depende também do nível de utilização de cada commodity no processo produtivo de cada setor. Sentiremos então, a alta ocorrendo de forma desigual no custo de vida e nos supermercados, em se tratando de timming e tipo de produto. O grupo dos agrícolas está subindo com menor intensidade, mas também está embalado na alta. Se você for pensar, é previsível as commodities agrícolas subirem com menor intensidade que as industriais. É muito mais “fácil” responder ao aumento do preço da saca de soja elevando a produção de soja do que o outro cidadão aumentar a sua produção de cobre, por exemplo. O Brasil pode aumentar significativamente de um ano para o outro a produção de soja, mas um país como o Chile demoraria uma década para fazer a mesma coisa com o cobre, então a urgência das matérias-primas industriais é maior que as agrícolas. Mesmo assim, dentro do mundo dos produtos agrícolas nem tudo é igual. Alguns produtos já estão beliscando seus preços da década de 70, uns mais que outros. Toda esta alta, seja ela industrial ou agrícola, desemboca em dois locais. No supermercado e nos serviços. Vamos restringir aos supermercados nossa conversa. O supermercado é uma parte importante do orçamento das famílias nos países emergentes, acho que isso é ponto pacífico para todo mundo. Então, a dona de casa já vai gastar mais com gasolina para ir ao supermercado. Chegando lá, com essa pressão das matérias-primas elevando os preços de praticamente todas as gôndolas, a coitada vai levando susto atrás de susto, bordoada sobre bordoada na medida em que vai enchendo o carrinho. Isso daí até ela chegar na parte dos frios. Aí a cidadã desanima. Carnes de um modo geral subiram bastante e não estaríamos muito longe de dizer que não há, no momento, muito espaço para novas rodadas de alta nos preços dos supermercados sem que isso impacte negativamente no consumo. Pense no milho. Milho é uma commodity muito mais importante que a carne bovina. Milho é utilizado em grande parte como um veículo para acelerar a engorda de animais como um porco ou um boi, por exemplo, e hoje o consumo de milho é enorme, proporcionalmente em bovinos, suínos e aves. O milho também é utilizado como um dos principais adoçantes industriais de comidas industrializadas, além de gerar uma variedade espantosa de produtos químicos desde adesivos, tintas até, claro, etanol. Com as commodities subindo, o milho é mais precioso que a carne, então creio que há a possibilidade do milho se tornar muito mais pressionado para cima nos próximos anos, que o nosso setor. Como disse a Céleres, em seu recente relatório do dia 28/fev: “A conjuntura internacional do milho aponta para uma sustentação dos preços ao longo do ano.” Se isso ocorrer, o custo de se acelerar a engorda de um bovino através do milho comprometerá a arroba produzida com este insumo. Existem alternativas de substituição de milho na dieta, mas não dá para substituir totalmente o milho, e mesmo assim, como todo mundo irá fazer a mesma coisa, os sub-produtos que poderiam ser utilizados, como triguilho, torta de algodão, milheto, etc., também encarecerão no processo. Quando digo acelerar a engorda usando milho, está implícito aqui o confinamento de animais fechados com dietas de pouquíssimo ou nenhum volumoso, rações que simulam um confinamento de animais diretamente nos pastos, o semi-confinamento e os chamados sais proteinados. Estou deixando fora o confinamento de alto volumoso como tínhamos dez, quinze anos atrás. O produtor que estiver pensando só em 2011 poderá repassar a alta dos custos de produção deste sistema sem problemas. O que temos em 2011 ainda tornará viável a matemática da coisa. Mas agora eu pergunto: e se esse nó só se apertar a partir daqui? Se a escalada dos preços agrícolas for mais intensa que ocorreu até agora? Se o milho acompanhar, por exemplo, o que está acontecendo com o algodão, ou o açúcar? Repare no gráfico na anterior a relação boi/milho. Até recentemente podíamos comprar 4 ou 5 sacas de milho com uma arroba. Historicamente isso pode ser considerado uma exceção histórica, uma distorção, e não a regra. Se essa relação voltar para 2 a 4 sacas de milho por arroba, haverá competitividade na operação de acelerar a engorda de um boi? Nos EUA, boi de pasto está aumentando (mais abaixo). O outro lado, a arroba do boi está subindo também nesses últimos dois anos e por um momento temos a expectativa de ver a carne se valorizar e romper para cima a pressão que lhe é exercida desde o início do plano real. Será? Será a carne destinada a buscar novos patamares mais compatíveis com seu papel histórico conforme mostrado no gráfico da arroba do boi em R$/@ desde 1954? Nitidamente ela bateu no teto em outubro/novembro do ano passado para o consumidor final. Estamos entrando em outra fase do ciclo pecuário, fase essa que vai do equilíbrio atual para a fase de baixa posterior, onde temos um aumento na oferta de animais gordos e um aumento nos custos de produção porque utilizamos muito das matérias-primas, que são commodities, não se esqueça, e elas também estão subindo. Custos em alta, o produtor precisará de uma arroba em alta. É um cenário factível? Se esses preços da arroba pararem de subir, ou se a inflação vier mais forte e comer parte dessa alta, comerá também o poder aquisitivo da população? É um cenário a se pensar. Mesmo assim, creio que até certo ponto o produtor conseguirá repassar a alta dos custos aqui no Brasil — a inércia do país crescendo nos próximos anos abrirá essa janela, porém não na velocidade que ele precisará. Não há escapatória para um ciclo pecuário, entenda isso. Ou você joga contra ele ou será engolido. Mas vamos supor que a carne suba. Existe um ponto em que a carne se torna muito cara e o consumidor optará pela alternativa, como o frango, ou a carne se tornará um produto mais elitista, consequentemente com maior preço e menor volume. Já vimos isso ocorrer ano passado, não é mesmo? Existe uma área de manobra ainda, como disse, nos próximos anos, mas em qualquer cenário a confirmação da substituição de preferência de consumo se dará com o passar dos anos no acréscimo do consumo de carne de frango per capita e na estabilização ou até mesmo diminuição do consumo da carne de boi. Olhando assim, não fica difícil de entender o Sr. Warren Buffet ter comprado ações da Perdigão/Sadia. Hei, não me entenda mal. Não estou falando mal da pecuária, mas sim, mostrando humildemente o que acho que pode ocorrer para a gente se preparar. Ah, mas o frango não vai subir também de preço com a alta do milho? Sim, mas é muito mais fácil aumentar a produção de frango do que de boi. O ciclo do frango é ridiculamente curto perto do boi. Estamos falando de meses para o frango, e anos para o boi. A indústria avícola consegue aumentar a produção para diluir o aumento do custo de produção com muito mais facilidade que a pecuária tem. Além disso, a conversão alimentar do frango e também do suíno é muito mais favorável que a do boi. Comentei em cima sobre os EUA. Nos Estados Unidos as últimas notícias que temos é que o boi está subindo, mesmo quatro anos após o início do abate de matrizes, mas paradoxalmente a lotação nos confinamento está caindo. É um mistério. A arroba subindo deveria em tese, animar os operadores a fecharem animais no cocho. Isso não tem ocorrido. Tem ocorrido o inverso. O abate de bois provenientes de pasto aumentou,coisa que não é usual para um país em que 90% dos animais são confinados. São os EUA se abrasileirando? Vamos parar por aqui, caro leitor. Não leve tudo isso a ferro e fogo. São idéias e cenários para a gente pensar e agir em cima. Isso tudo que disse é em um horizonte de cinco anos, um pouco mais, um pouco menos. Ainda há tempo. De qualquer forma, a idéia é não descansar. Não podemos ficar à revelia do que ocorre fora da porteira da fazenda. Boa parte das coisas que fazem gerar (e tirar) a rentabilidade da pecuária acontecem fora dos pastos e dos cochos. Se pretendermos melhorar a nossa comercialização, temos que prestar atenção nessas coisas.
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