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Scot Consultoria

Quem vende carne sorri, mas quem vende boi chora


Quinta-feira, 27 de abril de 2006 - 12h34

por joão de almeida sampaio filho* No momento histórico em que o Brasil assumiu a liderança mundial em volume exportado de carne bovina, o pecuarista passou a sofrer como nunca a queda da sua renda. É um quadro no mínimo paradoxal já que a lógica faria crer que o produtor também estivesse com o caixa em dia. Mas isto não acontece. Em 2005, o país exportou US$3,15 bilhões de carne bovina crescendo 22,4% frente os US$2,57 bilhões do ano anterior. Em volume, as vendas chegaram a 2,2 milhões de toneladas, elevação de 18,5% sobre o total de 1,8 milhão de toneladas registrado em 2004. Para este ano, a expectativa é que as exportações brasileiras de carne bovina cresçam cerca de 10% em volume e 15% em faturamento. Este crescimento está relacionado com o fim gradativo dos embargos à carne ocasionados pela febre aftosa e pelas previsões de estoques internacionais mais enxutos. Porém este cenário positivo não chega ao bolso dos pecuaristas, que vêm sofrendo com aumento de custos, recuo no valor da arroba e câmbio desfavorável. Os custos subiram com o aumento dos insumos, dos derivados do aço, dos combustíveis e lubrificantes e também com o aumento do frete. A arroba cai porque o preço da commodity tende a recuar ao longo dos anos, com a rentabilidade sendo progressivamente transferida para produtos de maior valor adicionado. Isto coloca o pecuarista num círculo vicioso – precisa investir em ganhos de escala para conseguir melhorar margens, mas ao elevar a produtividade provoca superoferta de gado, o que acaba pressionando a cotação da arroba para baixo. Para se ter idéia do prejuízo do pecuarista, no ano passado, os Custos Operacionais Totais (COT) da pecuária de corte subiram 6,41%, enquanto o preço pago pelo boi gordo caiu 11,91%. Os dados são de estudo do CEPEA/CNA. A perda fez aumentar o abate de matrizes para gerar renda, o que pode comprometer futuramente a oferta de bezerros. No primeiro semestre de 2005 o índice de abate de fêmeas chegou a quase 50% em algumas regiões produtoras. E a arroba em São Paulo registrou em janeiro deste ano a pior cotação das últimas três décadas ficando em torno de R$50,00. Podemos observar que a cadeia produtiva da pecuária vive contrastes. Quem vende carne sorri, mas quem vende boi chora. Falta homogeneidade e transparência aos negócios do setor. A pecuária tem que produzir resultados, renda e mercado para todos (pecuaristas, frigoríficos e varejistas). Apesar de ser o alicerce da cadeia pecuária o produtor sofre por ser o elo mais frágil. Já os frigoríficos e varejistas têm fortes indícios de oligopólios, o que lhes dá um elevado poder de barganha frente aos produtores. Dados da Scot Consultoria mostram que as três maiores redes varejistas respondem por 35% a 40% das vendas de carne. E que dos cerca de 1,6 mil frigoríficos com algum tipo de inspeção, somente 18 respondem por 98% das vendas externas. Desses os cinco maiores detém 65% das exportações e apenas dois controlam cerca de 40% dos embarques brasileiros de carne bovina. O debate de algumas propostas pode ser salutar para encontrarmos soluções que recuperem de modo sustentável a renda do pecuarista. Primeiro precisamos pensar em formas mais modernas de comercialização, que distribuam melhor a renda em toda cadeia. A pecuária evoluiu tecnologicamente fazendo o setor crescer em produtividade e qualidade. Mas, o modelo de compra e venda é o mesmo de 50 anos atrás. Exemplo disso é que o produtor vende arroba e o consumidor compra quilos. Parâmetros diferentes entre matéria-prima e produto final provocam distorções. O produtor quando vende o boi deve receber por tudo que vende, não apenas por uma parte. É preciso encontrar um formato que apure melhor o valor quantitativo e qualitativo do boi. Isso pode levar a uma remuneração mais adequada da realidade do que está sendo vendido. Existem experiências que podem ser aprimoradas e sirvam de embrião para um modelo mais eficiente de comercialização. Além disso, a criação de balanças comunitárias e públicas, ligadas a entidades ou associações pode fortalecer a confiabilidade no processo de apuração do peso do boi. O atual tamanho do rebanho nacional mostra que o pecuarista está produzindo para participar e não para ganhar. Talvez seja o momento de produzir menos para adequarmos a oferta à demanda. Entretanto, ao produzir menos o pecuarista passa a correr o risco de ser desapropriado por falta de produtividade. Temos assim um claro exemplo de como a legislação é inimiga de uma moderna gestão de negócios que leve em conta os ajustes sazonais e necessários dos mercados. Em termos de desafios globais, a cadeia produtiva da pecuária também precisa atuar em outras frentes, além da harmonização da corrente comercial interna, para trilhar o caminho do desenvolvimento sustentável: # Erradicar a aftosa e outras doenças no âmbito continental; # Simplificar a carga tributária; # Adequar a rastreabilidade à realidade do pecuarista e às exigências do mercado consumidor; # Investir em comunicação institucional para consolidarmos a imagem de atividade responsável sócio-ambiental e refutarmos veementemente a equivocada impressão que a pecuária cresce à custa de desmatamento da Amazônia e do trabalho escravo; # Fomentar o consumo interno investindo fortemente em MARCAS de carne. * joão de almeida sampaio filho, economista, é presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB)
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