Entrevista concedida ao repórter Sérgio Toledo
O preço da arroba do boi gordo vive um momento de preços elevados. Para o presidente da Nelore do Brasil, Vilemondes Garcia, os valores atuais recuperam os preços baixos pagos ao produtor nos últimos quatro anos, o que desencadeou o abate de matrizes e gerou a escassez de cabeças neste momento.
Em entrevista exclusiva ao InvestNews, além dos movimentos do mercado, Garcia também comenta a expansão dos leilões pelo País, a quebra de recordes nos preços e a disputa de novos criadores e investidores por animais diferenciados.
InvestNews - O preço da arroba passa por um momento de preços elevados nesta entressafra. Como criadores e frigoríficos têm atuado diante desta situação?
Vilemondes Garcia - Na realidade, os atuais preços vêm recuperar em parte os preços altamente deprimidos que os frigoríficos pagaram nos últimos quatro anos pela arroba do boi, o que motivou grande abate de matrizes e migração de pecuaristas para outras atividades provocando a atual escassez de oferta de animais para abate. Segundo o indicador Esalq, de fevereiro de 2003 a junho de 2008, a arroba do boi subiu 61%. No mesmo período o custo operacional total da pecuária de corte subiu 73,76%, o que demonstra que os preços recebidos hoje pelo pecuarista sequer corrigiram o aumento de seus custos. Segundo estes mesmos dados, o preço do dianteiro subiu 103,61%, da ponta de agulha 89,47%, da carcaça casada 73,02%, do traseiro 55,1%, não obstante, os preços da carne no varejo ainda estão abaixo dos preços no atacado, indicando que o varejista não está repassando totalmente o aumento praticado pelos frigoríficos, que continuam a obter os maiores ganhos no setor. Para a ACNB (Associação dos Criadores de Nelore do Brasil) é muito importante a conscientização de parceria entre os pecuaristas e frigoríficos. A nossa parte é continuar o trabalho de ganho de produtividade, agregando ao boi que oferecemos para abate precocidade, melhor acabamento de carcaça, couro de melhor qualidade, efetivas ações na área de sanidade do rebanho, rastreabilidade. Já os frigoríficos precisam remunerar de forma justa e valorizar o animal que apresenta este diferencial, o que infelizmente, até hoje não conseguimos.
InvestNews - E qual a postura da ACNB diante deste cenário?
Vilemondes Garcia - A ACNB como representante da raça que apresenta o maior rebanho de corte do País, cerca de 80%, tem visto sempre com preocupação este cenário. Junto com outras entidades do setor de carne, temos procurado sensibilizar os frigoríficos para estabelecer parcerias com o objetivo de trazer benefícios para todo o setor produtivo.
Temos incentivado os criadores a investirem no ganho de produtividade, a implementar nas propriedades melhorias de pastagens e manejo, a participarem dos Programas de Melhoramento Genético da Raça Nelore (PMGRN), nos programas de qualidade da carne Nelore Natural e de avaliação de carcaças, além do trabalho que realizamos na divulgação da importância do contínuo trabalho na área de sanidade animal.
InvestNews - Por quanto tempo os preços devem permanecer elevados?
Vilemondes Garcia - O mercado sinaliza que o processo de recuperação do setor deve ocorrer em um prazo de 3 a 4 anos. Como sabemos, o ciclo na pecuária é bem mais longo que nos outros setores produtores de carne como o frango e o suíno.
InvestNews - Quais os impactos desse movimento de alta para o consumidor final?
Vilemondes Garcia - Apesar dos indicadores mostrarem que o varejista não está repassando para o consumidor totalmente os preços cobrados pelo atacado, observamos que, mesmo com a significativa queda nas exportações para a Europa, as exportações do setor carne para outros mercados continuam crescendo em valores. Fato que, até o momento, garante o faturamento dos frigoríficos e certa tranqüilidade em relação ao mercado interno.
Segundo dados divulgados em agosto pela
Scot Consultoria, o volume bruto da produção de carne bovina subiu 43,3%, na comparação janeiro/julho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado e no mesmo período as exportações do setor aumentaram, em dólares, 36,7%. Este quadro, somado aos valores praticados na reposição, nos indicam que os preços da carne para o consumidor não devem apresentar queda de preços no mercado interno.
Observamos que os preços do boi gordo vêm apresentando pequenas variações, oscilando conforme a necessidade dos frigoríficos fecharem suas escalas de abate.
InvestNews - O que falta para o Brasil exportar para os mercados “Premium”, como Estados Unidos, Canadá e Japão?
Vilemondes Garcia - Não temos acordos sanitários para exportação de carne in natura para os principais mercados compradores, como Japão, México, EUA e Canadá. O mercado mundial está cada vez mais exigente. O Brasil hoje exporta principalmente para os países de preço mais baixo, com exceção da Europa. O valor médio da carne exportada pelo Brasil está abaixo da média mundial, bem como abaixo da média exportada por países como EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Argentina e Uruguai, ou seja, todos os grandes exportadores mundiais. A carne brasileira tem um dos menores preços e custos mundiais. Nos últimos anos o valor da carne exportada vem se recuperando, acompanhando o mercado mundial, porém sem mudar de posicionamento.
InvestNews - Como está a atuação do Programa de Qualidade Nelore Natural (PQNN) desenvolvido pela ACNB?
Vilemondes Garcia - O Programa de Qualidade Nelore Natural está em amplo desenvolvimento. Nossa parceria com o Grupo Marfrig, Independência e Frigoestrela está com ótimos resultados. Prova disso é o Frigoestrela que implementa a oferta da carne Nelore Natural em aproximadamente 2 mil pontos de vendas. Nosso trabalho com os pecuaristas tem procurado incentivar a produção de animais mais precoces, com qualidade de acabamento e carcaça. Junto aos frigoríficos parceiros a contrapartida na valorização destes animais.
Por outro lado, estamos intensificando nosso trabalho de promoção e marketing da marca Nelore Natural, posicionando-a para o mercado como símbolo de qualidade, padronização e origem.
Atingimos no primeiro semestre deste ano quase 4,5 milhões de cabeças abatidas pelo programa, sendo comercializadas mais de 80 mil toneladas desde o início do PQNN.
InvestNews - E a Universidade do Boi e da Carne?
Vilemondes Garcia - Com o inicio de atividades em agosto de 2007, de lá para cá os cursos não pararam. Já passaram pelas aulas um número surpreendente de alunos, profissionais que atuam em fazendas, indústrias de insumos e frigoríficos, em nutrição animal, reprodução, genética e qualidade de carne. É uma proposta também capaz de gerar oportunidades de negócios e mercado aos agentes do setor, formando mão-de-obra qualificada para a cadeia produtiva da carne bovina.
A Universidade do Boi e da Carne oferece o curso de Formação de Jurados de Carcaças Bovinas, dividido em aulas teóricas e práticas com o objetivo é formar jurados de carcaças com uma visão global da cadeia produtiva, capazes de correlacionar a produção animal com os conceitos de qualidade de carne, a logística industrial e as exigências do consumidor moderno.
Além deste, a instituição oferece o curso de Especialização em Manejo de Animais de Elite com o intuito de qualificar profissionais que convivem diretamente com animais de pista e são responsáveis por prepará-los para apresentações em julgamentos e leilões. Dividido em dois níveis, o conteúdo das aulas aborda técnicas de aperfeiçoamento de manejo e apresentação e comercialização de animais. A iniciativa não tem uma sede fixa, sendo itinerante para atender o maior número de profissionais possíveis.
Todos os cursos oferecidos contam com um corpo docente altamente gabaritado, pronto para atender anseios do setor.
InvestNews - Como estão os leilões no País? Precisa de mudanças?
Vilemondes Garcia - A pecuária de elite é a grande vitrine e destaque da Raça Nelore e os Leilões Oficiais da Raça vêm apresentando, ano a ano, significativo crescimento, quebrando recordes de preços, com novos criadores e investidores disputando os animais diferenciados que democraticamente os criadores disponibilizam ao mercado, ofertando matrizes, reprodutores ou progênies que foram destaques nas pistas e no
Ranking Nacional ACNB. As mudanças que ocorreram e, naturalmente continuarão a ocorrer, são novas idéias e ferramentas de
marketing que os promotores dos leilões elite da raça utilizam na promoção de seus eventos e animais.
InvestNews - Quais são as ações e projetos que o senhor pretende realizar até o final de seu mandato?
Vilemondes Garcia - Nestes 54 anos de existência, a ACNB muito fez pela Raça Nelore, mas, muitos são os desafios e muito trabalho está por ser desenvolvido.
Cada Diretoria elege suas metas e procura atingi-las dentro do momento vivido pela pecuária naquele período e o nosso objetivo é a implementação de forma vigorosa do importante trabalho iniciado pela nossa antecessora Alice Ferreira, através de programas como o Programa de Melhoramento Genético da Raça Nelore (PMGRN) em parceria com a Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores (ANCP) o Programa Nelore Brasil, a Universidade do Boi e da Carne, o Circuito Boi Verde de Julgamento de Carcaças, o Circuito Boi Verde Genética.
No âmbito macro econômico e político, vamos reforçar nossa presença nos principais debates do setor carnes, defendendo os interesses de nossos associados e da pecuária de corte.
Destaco ainda o trabalho que estamos desenvolvendo junto com a ABCZ, numa parceria iniciada no fim do mandato da Alice Ferreira e início do novo mandato do presidente José Olavo, realizando reuniões e ações de grande importância para a raça Nelore e a zebuinocultura brasileira.
Fonte:
InvestNews. Entrevista. Por Sérgio Toledo. 3 de setembro de 2008.
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