Foto: Scot Consultoria
Scot Consultoria: Juliano, o senhor é coordenador do Confinamento Experimental de Bovinos de Corte da Universidade Federal de Goiás (CEBC – UFG), quais trabalhos estão sendo desenvolvidos e como eles podem impactar no campo?
Juliano Fernandes: Sou coordenador no confinamento, montei o confinamento em 2009 e, a cada ano que passa, a gente vem crescendo cada vez mais. Temos recurso público, porém 90,0% do recurso é parceria público-privada, através da nossa fundação, a FUNAPE, nossa grande parceira. O confinamento, atualmente, possui uma linha com 26 baias, com capacidade para nove bovinos por baia, uma segunda linha com 40 baias, com capacidade de sete bovinos por baia. Então, temos um total de 66 baias, hoje, coletivas, dentro do confinamento.
Também possuímos uma estrutura de 24 baias individuais, nas quais trabalhamos com bovinos fistulados, desenvolvendo a parte de desempenho. Então, praticamente, o que mais temos no confinamento são trabalhos avaliando desempenho metabólico, para explicar fisiologicamente o que aconteceu no desempenho.
Já pesquisamos bastante sobre aditivos, testamos muitos, exploramos novos aditivos, alguns foram para o mercado, outros não. Junto a iniciativa privada e com recurso público. Então, temos expertise em desenvolver trabalhos com aditivos. Recentemente, estamos trabalhando com coprodutos da indústria de etanol, o DDG. Já fizemos três anos seguidos de experimentos e, esse ano, vamos fazer outro experimento, e agora um pouco mais inovador, com o DDG de sorgo, que deverá ser uma tendência no mercado.
Com esse trabalho teremos novos dados de desempenho, digestibilidade com o DDG de sorgo e blends de DDG também, milho e sorgo, isso é uma inovação para o mercado brasileiro, um produto que já é usado nos Estados Unidos e no Paraguai. Vamos testar outros aditivos, tanto biológicos, quanto aditivos convencionais, com os biológicos substituindo os convencionais. Então temos muita coisa para fazer, vai ser um ano bem pujante dentro do confinamento.
Scot Consultoria: Os aditivos são utilizados como estratégia para melhorar o desempenho animal dentro e fora do confinamento, porém, atualmente, se vê uma movimentação internacional caminhando para a redução ou até mesmo o desuso dessas substâncias. Quais são suas expectativas sobre o uso desses ingredientes no longo prazo?
Juliano Fernandes: Um dia me perguntaram, há dez anos, se os aditivos convencionais iam sair do mercado, eu falei que sim, é uma tendência, e me fizeram outra pergunta: “Quando?” Eu não sei quando. Uma hora vai acontecer, porque existe uma pressão muito grande para a saída desses aditivos convencionais, principalmente antibióticos de classe compartilhada, que são aqueles usados para medicina humana e usado na nutrição animal.
Sempre tive muita resistência a isso, porque vamos perder muito com alguns aditivos saindo do mercado. Entretanto, estudos mostram que quando tiramos esses aditivos da nutrição animal, melhoramos a eficácia dele nos tratamentos de doenças humanas. As pessoas acham que é resíduo na carne, resíduo no leite, na verdade não tem nada a ver, temos que deixar claro que esses antibióticos não deixam resíduos.
O que acontece é que esses antibióticos saem nos dejetos e podem criar uma bactéria resistente no meio ambiente, que amanhã ou depois virá a contaminar o ser humano, sendo resistente a esse tipo de antibiótico. Então não deprime o consumo da carne e do leite, já está muito bem consolidado que não existe resíduo na carne e no leite desses aditivos.
“Ah, mas e as alternativas?” Nós já temos alternativas para isso, o Brasil já desenvolveu, os Estados Unidos estão desenvolvendo cada vez mais o uso desses aditivos alternativos, geralmente chamados de “naturais” ou aditivos extraídos de plantas. Esses aditivos também podem no futuro causar resistência, só que a probabilidade disso acontecer é menor, porque a maioria deles são metabolizados pelo organismo, então deixam menos resíduos.
Eu deixo o termo “naturais” entre aspas, porque principalmente os óleos essenciais são idênticos aos da natureza, mas a maioria deles são sintetizados em laboratório, com exceção de tanino, alguns óleos de canela, cravo, são extraídos da natureza, mas a sua grande maioria são sintetizados em laboratório.
Scot Consultoria: Durante a pesquisa-expedicionária Confina Brasil, que foi realizada pela Scot Consultoria no segundo semestre de 2024, foi observado nos confinamentos uma maior presença de coprodutos nas dietas oferecidas às boiadas. Quais os possíveis impactos para a atividade dentro dessa nova realidade de diferentes dietas?
Juliano Fernandes: Na verdade, quando falamos hoje de coprodutos, temos que dar o foco ao que está crescendo mais, que é o DDG. Em 2014, quando começou o movimento de indústrias de etanol de milho no Brasil, fiquei muito assustado, e isso motivou a minha decisão. Eu estava saindo do meu pós-doutorado para ir para a Universidade de Nebraska, que é uma das maiores pesquisadoras em confinamento, com o uso de DDG, que eles chamam de distillers, que é tudo advindo da destilaria de etanol, e lá eu aprendi mais e vi que não tem problema nenhum. E nós estamos bem calçados, acho que foi muito bom para a indústria de carne, de confinamento, a vinda dessas indústrias, pois deu um pouco mais de solidez e maturidade ao mercado do milho.
Hoje, eu já recomendo em alguns casos, o uso de até 40,0%, 45,0% de DDG nas dietas de bovinos confinados, dependendo do preço, da logística, e de todos os fatores envolvidos na formulação da dieta. O WDG também é uma alternativa. O que eu recomendo é sempre o seguinte, apareceu um coproduto novo, vamos estudar, analisar, vamos dar para o boi comer, para a vaca comer, para saber o quanto podemos utilizar.
Talvez vamos ficando mais velhos, um pouco mais experientes, e passamos a não ter mais tanto medo dessas mudanças. São dois sistemas inovadores, aditivos e coprodutos. Hoje eu estou muito confortável e sei com toda tranquilidade que os aditivos cada vez mais, tanto os biológicos quanto os ditos naturais, virão muito forte, bem-posicionados no mercado e vão ajudar.
Scot Consultoria: Além das reestruturações da dieta dentro do confinamento, o uso de tecnologias como a telemetria, ou seja, a automação de processos e dados, pode se tornar uma realidade na maior parte dos confinamentos?
Juliano Fernandes: O negócio é apertado, né? O grande problema do confinamento é a mão de obra. Toda vez que você traz uma tecnologia para inserir métricas dentro do confinamento, ela vai diminuir a mão de obra, porém, vai necessitar de mão de obra mais qualificada. É um país que falta mão de obra, por conta de qualificação. Então, vai ser necessário cada vez mais a qualificação nos confinamentos.
Por outro lado, acredito que tem muita gente achando que só a inteligência artificial está por trás do negócio. Acho que a inteligência artificial vai entrar batendo muito forte, ajudando muito. Venho estudando isso, e uma coisa que eu tenho na minha cabeça é: ela é inteligente, porém, quem faz a pergunta somos nós. Então se nós fizermos a pergunta certa, ela vai responder certo. E essa pergunta certa vai depender do grau de conhecimento que temos. Por isso, a pergunta é que move o mundo e não a resposta.
Acredito muito no uso dessa tecnologia, leitura de cocho, a parte de animal health, acho que nós temos muito o que crescer nessas áreas, né? Você vê outros países crescendo nisso. Só que, vejo as pessoas muito ansiosas em substituir o ser humano. Ainda não somos coadjuvantes nessa história, nós nunca vamos ser coadjuvantes. Acredito muito que ainda vamos ter o papel de protagonista nessa história.
Scot Consultoria: Quais os principais pontos de atenção para o sucesso e perspectivas para crescimento do setor de confinamentos? Alguma recomendação para quem está entrando nesse mercado?
Juliano Fernandes: Ah, isso é uma pergunta de mercado que a Scot tinha que me responder. Na verdade, o que eu vejo hoje no confinamento, quando vamos discutir o consumo de carne no mercado interno e na exportação, o volume de carne exportado para a China é muito grande, e isso é um ponto de atenção.
A China criou um outro mercado, criou o “boi China”. Já tivemos o “boi Europa”, o “boi Europe Gap”, a gente tinha “Global Gap”, boi rastreado, agora o “boi China”. Até quando o “boi China” vai andar? Então, se ele parar, eu não sei para que lado isso vai virar.
Mesmo exportando quase 30,0% da nossa carne, e a China importando praticamente 50,0% disso tudo, eu acho que o grande problema é o nosso consumo interno, que é muito ruim. Então, acaba que o Brasil é muito dependente ainda da condição financeira do brasileiro, que faz com que a gente não ande para frente. Quando você pega o americano, se olhar na balança dele de movimentação de carne, o que ele exporta, ele importa.
Mas por quê? Porque ele só exporta carne premium. E para quem? Coreia do Sul, Japão, Tailândia, Hong Kong. Eles exportam a carne prime, a carne de melhor qualidade, e importam a carne do Brasil, que é a carne sem gordura, para fazer hambúrguer. Eles consomem menos carne bovina que o Brasil, só que o mercado deles é muito maior, tem mais gente, o valor agregado na carne é maior, o valor agregado no hambúrguer é maior. Eles vendem a carne para o Japão, para a Coreia do Sul, aí é surreal, é fora do comum o preço que eles vendem essa carne.
Eu acho que a grande atenção nossa tem que ser para a China, e não sei o que vai acontecer agora com o governo Trump nos Estados Unidos, porque ele pode interferir bastante nas commodities agrícolas, tanto lá quanto aqui, por causa do relacionamento dele com os chineses. Agora, na parte técnica, na parte de produção mesmo, estamos ficando melhores a cada dia, não acho que o confinamento vai ser 100,0% da produção brasileira, isso não vai acontecer no Brasil, nunca.
Falamos sempre que a gente quer ter a tecnologia que os americanos têm, ter os confinamentos do tamanho que eles têm, ter o animal deles, mas quando você traz o americano aqui, ele olha e fala assim: “Ah, eu quero ter esse clima que vocês têm”. Então, o clima que nós temos, eles nunca vão ter, isso é impossível eles terem um dia. Agora, as tecnologias, as coisas que eles usam, um dia nós podemos ter, então, um dia nós vamos chegar lá, e nós estamos caminhando para isso.
Um exemplo simples é a produção do DDG com altos níveis de enxofre. No Brasil, nunca tivemos surto de morte de animal, causado por excesso de enxofre, por quê? Porque a indústria de etanol já veio com essa tecnologia pronta.
Então, estamos bem calçados, nós nunca vamos chegar a ter 30, 40 milhões de cabeças confinadas, está crescendo cada vez mais, mas a nossa estrutura vai ser pasto, eu acredito, sou um estudioso de confinamento, sou um apaixonado por confinamento, mas eu reconheço que o pasto é mais importante que o confinamento, muito mais importante.
Scot Consultoria: E olhando para o ciclo produtivo, a recria cada vez mais curta pode ser uma tendência na pecuária? O confinamento ou a recria no cocho pode ser uma estratégia para o encurtamento desse ciclo? Quais os desafios dessa estratégia?
Juliano Fernandes: Eu não acredito na recria mais curta, acredito na recria mais eficiente, onde o bovino tem que ganhar mais arrobas. A recria no cocho, pensando no macho, acredito que será um grande potencial no período da seca. O grande desafio dessa estratégia é ter condições de fazer uma dieta viável, que não seja uma dieta para ganhar muito peso. Outra coisa é se vai entrar no período das águas, se vai chover ou não, e monitorar o desempenho. Esse é um tema que será abordado no Encontro de Confinamento e Recriadores.
Médico-veterinário pela Universidade Federal de Goiás (1997), mestre em Ciência Animal e Pastagens pela Universidade de São Paulo (2000), doutor em Ciência Animal e Pastagens pela Universidade de São Paulo (2004) e com pós-doutorado na Universidade do Nebraska em Lincoln-NE (2015). Atualmente, é professor titular da Universidade Federal de Goiás e coordenador do Confinamento Experimental de Bovinos de Corte (CEBC - UFG).
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