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Scot Consultoria

A Aliança SIPA e a nova ótica de uma agropecuária sustentável

Entrevista com o Vice-Presidente da Aliança SIPA e Professor Doutor na Universidade Federal de Rondonópolis, Edicarlos Damacena de Souza

Segunda-feira, 1 de junho de 2020 - 09h10
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Vice-Presidente da Aliança SIPA e Professor Doutor na Universidade Federal de Rondonópolis, é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí, com mestrado em Sistemas de Produção pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho na cidade de Ilha Solteira/SP e doutorado em Ciência do Solo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Foto: Scot Consultoria


Dando continuidade à rodada de entrevistas da semana, nosso convidado é o Edicarlos Damacena de Souza, Vice-Presidente da Aliança SIPA, que concedeu uma entrevista exclusiva sobre a importância desse grupo de pesquisa e sobre as perspectivas da difusão deste sistema de intensificação de agropecuária sustentável no país.

Edicarlos Damacena de Souza é engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Goiás/Campus Jataí em 2004, sendo voluntário em iniciação científica na área de Ciência do Solo. Continuou seus estudos em nível de pós-graduação, concluindo o mestrado em Sistemas de Produção pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho no ano de 2006, na cidade de Ilha Solteira/SP. O doutorado em Ciência do Solo foi concluído no ano de 2008 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde suas pesquisas versaram sobre fósforo, agregação, matéria orgânica e microbiologia do solo em Sistemas Integrados de Produção Agropecuária.

Atualmente é professor adjunto IV da Universidade Federal de Rondonópolis, Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Sistemas Integrados de Produção Agropecuária, Vice-diretor da Aliança SIPA e Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq. Orienta estudantes de graduação e pós graduação. É docente permanente nos programas de Pós-graduação em Zootecnia e em Gestão e Tecnologias Ambientais. É líder do Grupo de Pesquisa e Inovação em Sistemas Puros e Integrados de Produção (GPISI) desde 2013 com pesquisa nas relações solo-planta-animal-atmosfera. É Editor Associado da Revista Brasileira de Ciência do Solo, além de ser revisor de diversos periódicos nacionais e internacionais. É autor de 3 livros, 5 capítulos de livro e mais de 40 artigos científicos, com destaque para o livro Sistemas Integrados de Produção Agropecuária no Brasil.

Scot Consultoria: Edicarlos, conte-nos brevemente sobre a história da Aliança SIPA (Sistemas Integrados de Produção Agropecuária)?

Edicarlos Damacena: A Aliança SIPA é uma iniciativa que promove a cooperação entre os setores público e privado para a pesquisa e a difusão de Sistemas Integrados de Produção Agropecuária sob pilares da intensificação sustentável.

A Aliança SIPA é liderada pelo Grupo de Pesquisa em Sistema Integrado de Produção Agropecuária (GPSIPA) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pelo Núcleo de Inovação em Tecnologia Agropecuária (NITA) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e pelo Grupo de Pesquisa e Inovação em Sistemas Puros e Integrados de Produção Agropecuária (GPISI) da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR), reconhecidos por sólida produção técnico-científica e larga experiência na pesquisa em SIPA e capacitação de recursos humanos Tem como missão desenvolver, entre os mais diversos setores da sociedade, um conceito de produção de alimentos, fibras e energia que esteja em consonância com os princípios de intensificação sustentável na agropecuária, por meio de um fundo fomentado por organizações públicas e privadas de abrangência nacional e global: os sistemas integrados de produção agropecuária (SIPA).

Scot Consultoria: Sabemos que a Aliança SIPA utiliza embasamento científico para geração do conhecimento, qual foi o experimento ‘’pioneiro’’? Quais resultados obtidos? Quais outros experimentos estão sendo conduzidos atualmente?

Edicarlos Damacena: O experimento pioneiro foi sobre rotações de soja com pastos e acaba de iniciar o seu 20º ano (ciclo de rotação) e é conduzido no RS. Ele já provou que com pastos bem manejados não há compactação do solo, o solo melhora em aspectos físicos, químicos e biológicos, e a produção de soja torna-se mais estável frente a estresses climáticos. O sistema integrado produziu 55% mais alimento do que o sistema só com soja, na média de 19 anos.

Um outro experimento, criado em 2011, localiza-se na Fazenda Experimental da UFPR, em área de proteção ambiental. Dentre seus objetivos, destaca-se o estudo da diversificação dos sistemas produtivos, a fim de gerar tecnologias alternativas ao uso de defensivos químicos. Foi assim que, neste protocolo, desenvolveu-se a tecnologia do “Plantio Direto na Planta”, onde o tráfego da semeadora executa o acamamento da cultura de cobertura, que irá senescer assegurando a manutenção da palhada sobre o solo, sem o uso de dessecantes. A diversificação imposta pela integração dos sistemas produtivos aliada ao não uso de agroquímicos, traz heterogeneidade botânica ao componente pastoril favorecendo a oportunidade de escolha aos animais em pastejo, e possivelmente, a otimização da ingestão de nutrientes.

Além desses, a Aliança SIPA tem dois experimentos, no RS e no MT, que investigam a técnica de adubação de sistema. A ideia é deixarmos de pensar em “adubar a espécie vegetal, e passarmos a adubar o ha”. Os resultados dos primeiros anos de sistemas com soja-pastagem já apontam vários benefícios, aumentando os rendimentos tanto da soja quanto da produção na safrinha. Ainda, um quinto experimento em andamento diz respeito aos cultivos de arroz irrigado. Ele está no seu 7º ano, e já comprovou que rotações de arroz com soja e pastagem produzem duas vezes mais alimento no mesmo ha, aumenta a eficiência de uso de N-P-K em mais de 20%, e triplica a margem bruta comparado ao cultivo de arroz tradicional (monocultivo).

Por fim, o sexto experimento está localizado no MT em parceria com o Instituto Mato-grossense de Algodão, que tem como foco principal viabilizar a cultura do algodão em solos arenosos por meio dos Sistemas Integrados. Após dois anos de condução do protocolo experimental já foi possível obter resultados econômicos positivos com a cultura do algodão, além de incremento de produção na cultura da soja e altos rendimento na produção animal.

Scot Consultoria: O Sistema Integrado de Produção Agropecuária é um dos principais caminhos para a intensificação sustentável da agropecuária brasileira. Quais são as vantagens obtidas por meio dessa sinergia entre os componentes produtivos e propriedades emergentes, resultantes da interação solo-planta-animal-atmosfera?

Edicarlos Damacena: Os SIPA são sistemas planejados visando explorar da melhor maneira os recursos naturais, conservando e contribuindo para a sustentabilidade dos sistemas produtivos. Com os SIPA é possível aumentar a eficiência no uso de insumos, com possível redução na aplicação de fertilizantes, por meio da ciclagem de nutrientes, possibilitando maior produção de alimentos com a mesma unidade de nutriente. Porém, para que isso ocorra, os SIPA devem possuir uma maior diversidade de espécies vegetais no sistema, refinado planejamento espaço-temporal de uso das áreas e a correta definição da categoria animal utilizada.

Este planejamento torna os SIPA um modelo único e com possibilidade de que ocorram interações sinérgicas entre os componentes, ou seja, uma fase do sistema (por ex., pecuária) contribui para melhorias na outra fase (por ex., lavoura), e vice-versa. As interações que podem ocorrer entre a lavoura e a pecuária resultam em melhoria nos atributos de qualidade do solo e que pode reverberar em incrementos de produtividade do sistema de produção.

Essas interações sinérgicas em SIPA foram observadas em vários experimentos de campo e propriedades que são acompanhadas pela Aliança SIPA. Entre as principais vantagens técnicas dos SIPA bem planejados em relação a sistemas puros de produção estão: a maior descida de calcário e fertilizantes em camadas mais profundas do solo, melhorias nos estoques de matéria orgânica no solo, aumento na atividade biológica do solo, maior eficiência no uso de fertilizantes, menor presença de plantas daninhas, menor incidência de parasitas em bovinos e ovinos, maior produção de proteína por unidade de nutriente aplicado, maior mitigação da emissão de gases de efeito estufa.

Com isso, a rentabilidade das propriedades tem sido maiores e com maior resiliência, principalmente em anos agrícolas com problemas climáticos, o que é muito comum nas principais regiões produtoras de grãos do Brasil.

Scot Consultoria: A complexidade e a diversidade são próprias dos SIPA, o que caminha em sentido diretamente oposto à agricultura convencional. Em que ‘’pé’’ os agricultores e pecuaristas brasileiros estão com relação a adoção desse sistema de produção?

Edicarlos Damacena: Os números têm comprovado altíssima adoção aos SIPA. Hoje o Brasil deve ter algo em torno de 15 milhões de ha com SIPA, pois a última estimativa em 2015 se aproximava de 12 milhões de ha. E o que se visualiza nas propriedades é uma adesão cada vez maior por parte dos produtores e dos pecuaristas.

Esse sistema é um caminho sem volta. Hoje os SIPA estão na crista da onda. Se fala muito em produção com sustentabilidade e responsabilidade ambiental, e esse sistema de produção entrega tudo isso. Os SIPA navegam entre a intensificação e a agroecologia, pois utiliza de conceitos de ambos e, por isso é reconhecido pela FAO como uma das poucas vias de intensificação sustentável. E quando falo de sustentável não deixo de falar da sustentabilidade econômica das propriedades, pois o produtor quer preservar e isso está muito claro. Porém, não há como ele se manter no negócio se esse não der lucro. Talvez seja por esses motivos que cada vez mais produtores têm aderido a esses sistemas.

Scot Consultoria: Quais critérios e desafios para a adoção dos SIPA? Quais as perspectivas dos sistemas integrados de produção agropecuária em longo prazo?

Edicarlos Damacena: Primeiramente, o grande desafio é elaborar um sistema que atenda às necessidades da propriedade, pois não se conduz um SIPA com “receita de bolo”, ou seja, não há algo pronto que se adeque a todas as propriedades. Ele deve ser planejado para a realidade e especificidade de cada propriedade, levando em consideração o clima da região em que a propriedade está localizada, o tipo de solo, a cultura do produtor (se ele é essencialmente agricultor ou pecuarista), o investimento que este está disposto a fazer e, principalmente, o quanto esse produtor está aberto a novas tecnologias e mudanças dentro de sua propriedade.

Outro desafio é encontrar mão-de-obra especializada, que conheça os fundamentos dos SIPA, para realizar os manejos adequados e específicos dos sistemas. Isso porque, os colaboradores que serão os responsáveis pela execução das operações que levarão aos resultados. Estes devem estar alinhados, não deve haver separação entre agricultura e pecuária, pois é o conjunto e as interações entre esses componentes levarão a melhorias nos resultados da fazenda.

Já temos vários estudos de longo prazo realizados pela Aliança SIPA que comprovam a melhoria na qualidade do solo, principalmente pelo aumento de matéria orgânica do solo e consequente melhoria nos atributos indicadores de qualidade do solo, que leva esse tipo de sistema produtivo a ser mais resiliente, reduzindo riscos climáticos, com maior produtividade levando ao aumento das receitas.

A adoção dos SIPA tem possibilitado a produção de até três safras no mesmo ano agrícola como, por exemplo, com a produção de soja na safra, segunda safra de milho e terceira safra de boi, além de deixar palhada para o Plantio Direto.

Com esses benefícios espera-se uma expansão nas áreas que utilizam esse sistema de manejo levando a uma maior segurança alimentar e sustentabilidade na produção agropecuária.


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