• Quinta-feira, 18 de abril de 2024
  • Receba nossos relatórios diários e gratuitos
Scot Consultoria

Conheça as estratégias de mercado de uma das maiores fazendas produtoras de leite no Brasil


Sexta-feira, 2 de junho de 2017 - 10h00

Foto: www.leiteletti.com.br


A Agrindus é uma empresa agropecuária familiar fundada em 1945. Roberto Hugo Jank e seus dois filhos, Roberto Jank Júnior e Jorge Jank trabalham juntos, numa divisão de tarefas bastante eficaz.


Atualmente são donos do maior rebanho holandês registrado no Brasil. A Agrindus possui 1,7 mil vacas em lactação, e produção média diária de 60 mil litros de leite, que são processados e comercializados pela própria fazenda através da marca LETTI. No total a fazenda possui um rebanho de 3,6 mil fêmeas holandesas entre jovens e adultas, todas elas puras de origem, com pedigree na Associação Brasileira da Raça Holandesa.


A atividade ocupa atualmente 500 dos 2 mil hectares da Fazenda Santa Rita. A fazenda é autossuficiente no fornecimento de alimentos para os animais, com rastreabilidade total sobre os processos produtivos, produção de alimentos e animais de reposição.


Scot Consultoria: Roberto, você como produtor da Agrindus e como empresário da Leite Letti, o que você enxerga como as principais diferenças entre os desafios enfrentados pelo produtor de leite e pelo empresário de laticínio?


Roberto Jank Junior: Como laticínio, nós trabalhamos no mercado de nicho, não é o mercado de commodities. Nossa renda é mais firme e mais estável, com poucas variações, mas somos muito dependentes de um trabalho de “formiguinha” porque não conseguimos ter uma penetração muito ampla na grande mídia, é bastante diferente o mercado de nicho e o mercado de commodities.


Como produtor, o grande desafio é agregar valor no produto, por isso que a gente verticaliza, mas isso não facilita a vida da indústria porque a indústria tem que remunerar bem o leite, então, o grande desafio do nosso laticínio é remunerar o leite igual o mercado remunera um leite de qualidade. De fato, existe uma complementariedade, mas o desafio é grande para o laticínio de conseguir remunerar na base do mercado. A grande vantagem que nós temos é a da estabilidade de não termos altos e baixos.


Scot Consultoria: Você acha que a verticalização é uma saída para o produtor, Roberto?


Roberto Jank Junior: Eu Acho que a verticalização é muito difícil, porque vender o produto não é simples nem fácil e quando você tem pouca escala é mais difícil ainda. Somos uma indústria de alimentos perecíveis e temos que fornecer o alimento fresco e de qualidade. É uma operação cara que tem que ser dividida por escala.


Então eu não acho que a verticalização seja uma solução para o pequeno e médio produtor. Ela poderia ser uma ótima solução se fosse no formato de cooperativa, mas os exemplos que o Brasil teve não foram bons, são raros os bons exemplos. Mas eu continuo acreditando que o melhor formato de verticalização é o cooperativismo, falo isso tendo como referência esse sistema em outros países.


Scot Consultoria: O senhor acha que a composição do leite no Brasil ainda é insatisfatória porque a maioria dos laticínios não paga a mais por isso ou os laticínios não precificam e por isso o leite não tem altos níveis de gordura, proteína e lactose?


Roberto Jank Junior: Eu acho que o mercado ainda é pouco profissional, os laticínios ainda não conseguem reconhecer o ganho de qualidade e eficiência na industrialização com sólidos e alguns deles não têm foco nisso. Por exemplo, um laticínio de leite fluido que não faça padronização do leite, não tem foco em sólidos e o Brasil tem muitos exemplos disso. Mas em minha opinião o principal problema é a falta de profissionalismo.


Eu não acho que o nosso leite tenha baixa qualidade, eu acho que o laticínio tem mais dificuldade de reconhecer e valorizar do que o produtor que tem que aumentar a quantidade de sólidos. Agora o que falta de fato para melhorar esse profissionalismo é uma finalização, é remunerar de forma diferenciada e mostrar para o produtor o que eles querem, seja volume, seja qualidade bacteriológica, seja contagem de células somáticas (CCS). Mostrar claramente que isso pode ser remunerado de uma forma diferente. Atualmente isso é feito ainda de uma forma muito tímida pelos laticínios.


Até mesmo os programas que já existem tem uma grande parcela no preço que não faz referência a isso, que é o que eles chamam de adicional de mercado, ou alguma variação que não está implícita o formato e o preço acaba sendo manipulado. Ou seja, mesmo quando existe o pagamento diferencial por qualidade, ele não é muito relevante no preço.


O produtor precisa fazer conta, mas alterar principalmente o teor de sólidos é uma conta apertada hoje, levando em consideração o que as indústrias pagam pelo leite. A porcentagem de sólidos no leite pode ser manipulada com dieta, manejo e genética, mas o critério precisa estar muito claro, até porque você pode, inclusive, diminuir a produção quando aumenta o teor de sólidos no leite. Por isso esse critério mercadológico precisa estar muito claro na cabeça do produtor. Na parte microbiológica, no que se refere a contagem de células somáticas (CCS) e contagem bacteriana (CBT), eu acho que isso é uma obrigação do produtor. Ele deveria seguir o padrão mínimo de higiene sanitária e entregar um produto seguro e de qualidade nutricional para população.


Scot Consultoria: Quais são as estratégias da Agrindus para minimizar os impactos dos aumentos dos custos de produção, principalmente com os alimentos concentrados?


Roberto Jank Junior: Nós produzimos 100% da forragem, mas ainda compramos as commodities de alimentos concentrado, como por exemplo, a polpa cítrica, o caroço de algodão e uma parte do milho. Nossa dieta é baseada no custo mínimo, avaliamos o custo de energia e o custo de proteína e fazemos a opção pelos ingredientes de maior custo-benefício ao longo do ano. Alguns desses ingredientes nós estocamos, como o caso da polpa cítrica, caroço de algodão e milho. Trabalhamos com oportunidade de compra tanto no mercado físico como no mercado futuro.


Scot Consultoria: Quais dicas o senhor pode dar para os produtores de leite que tem problemas com gestão e planejamento da fazenda?


Roberto Jank Junior: O leite é uma atividade com muitos itens de controle. Têm muitos itens de procedimentos, itens de custo, itens de almoxarifado, não há como sobreviver nessa atividade sem um programa de gestão, um programa que possa te mostrar quais são seus gastos, qual sua receita e qual seu lucro.


É muito importante que o produtor tenha metas de itens de custo, até quantos por cento do faturamento ele pode gastar com alimentação e fazer uma combinação disso com a eficiência alimentar para ter um critério de produtividade ligado a um índice econômico. Quanto o produtor pode gastar por mão de obra, fazer, por exemplo, uma meta de performance de litros de leite por funcionário, uma meta de custos de medicamentos preventivos... As metas têm que ser adicionadas, acompanhadas e frequentemente avaliadas para o sucesso da fazenda.


Scot Consultoria: Como funciona o programa de bonificação da Agrindus, Roberto?


Roberto Jank Junior: Nosso programa de bonificação é bem forte e estruturado, 50,0% do que o funcionário recebe depende, por exemplo, do volume e da qualidade do leite. Fazemos a análise diária no laticínio e a metade do salário deles depende dessa análise. 


Já os funcionários que trabalham no setor de bezerras, por exemplo, recebem pela quantidade de animais desmamados, os funcionários que trabalham na maternidade com as vacas no pré-parto recebem de acordo com a taxa de mortalidade e os funcionários da agricultura dependem da produtividade agrícola, 100,0% dos meus funcionários participam de algum programa de bonificação.


Scot Consultoria: Como o senhor vê o mercado mundial em termos de demanda e oferta? Há espaço para o Brasil exportar leite? O senhor acha que a importação de produtos lácteos e a importação de leite em pó sensibiliza um mercado que antes era equilibrado entre produtor e indústria?


Roberto Jank Junior: Eu acho que a questão do Brasil é exclusivamente ligada a taxa de câmbio, o Brasil normalmente tem tido um real sobrevalorizado e aí ele tira a competitividade. E toda vez que há uma pequena desvalorização, como a que aconteceu pós-delação na semana do dia 17/5, o Brasil fica competitivo, mas na média o Brasil tem tido a moeda sobrevalorizada.


Claro que para exportação precisamos ganhar mais eficiência, mas depende mais da taxa de câmbio. A entrada de leite de fora depende também da taxa de câmbio interna. Agora por exemplo, com o preço internacional alto e o câmbio da forma que está, está entrando muito menos leite. Isso não é uma questão de demanda interna, mas uma questão de taxa de câmbio.


Eu vejo que o Brasil tem espaço. Eu acho que a Europa, sem as cotas, está cada vez com mais dificuldades para aumentar a produção de leite, a expectativa geral era de que a Europa aumentasse a produção, mas acredito que eles não têm competência para trabalhar sem cotas e sem subsídios, então eu creio que a medida com que os subsídios diminuam, a produção diminuirá também.


A Argentina, Uruguai, Nova Zelândia e os Estados Unidos são os países mais competitivos, mas eu acho que a inserção ou não do Brasil está muito mais dependente da taxa de câmbio do que do comportamento da produção nos outros países.


A nossa produção, por mais que tenha crescido de uma maneira muito expressiva nos últimos 20 anos, ano passado provou que nossa produção atual não é capaz de atender o mercado interno e o mercado externo, mas no momento que o consumo estacionar, acredito que o Brasil tenha excedente para exportar.


Eu acho que toda vez que tiverem oportunidade, por causa do câmbio, o mercado do leite vai importar. Não tem muito a ver com a demanda, tem muito mais a ver com a oportunidade. Muitas vezes as indústrias preferirão comprar no porto a pagar mais caro na fazenda. E esse movimento que vai causar as depreciações seguintes no preço, acarretadas por esse excesso de oferta. A indústria que compra prefere muito mais preço a qualquer outro fator que esteja relacionado com a cadeia de leite do Brasil.


A maioria das taxas de importações é satisfatória, mas acho que falta uma cota para o Uruguai, porque o grande volume de leite vem de lá. Fala-se em triangulação via Uruguai, porque o Uruguai não teria o leite que está mandando para o Brasil. As cotas para a Argentina e para a Nova Zelândia foi um dos mecanismos mais saudáveis colocados, melhor do que a taxa.


Para esse problema de excesso de importação, como no ano passado, que importamos quase um bilhão de litros, é importante dizer que o leite em pó afeta, de uma forma importante, o mercado formal. Toda vez que afetamos esse mercado de forma deletéria, temos um retrocesso no processo de profissionalização do leite através do incentivo para o mercado informal. Temos que ter esse cuidado em um país onde a taxa de câmbio não favorece a competitividade interna. Colocar cotas para o Uruguai e evitar a triangulação talvez seja uma das questões mais claras que temos para o mercado internacional do leite.


Scot Consultoria: Como o senhor acha que o mercado do leite irá se comportar esse ano? O pecuarista terá mais margem ou os preços continuaram mais justos?


Roberto Jank Junior: Acredito que teremos redução de preço pela boa safra do Sul, fator que não aconteceu nos últimos dois anos. Somasse isso ao momento de crise na qual o consumo está comprometido, mas por outro lado, como o preço dos alimentos concentrados está mais barato é possível que a margem seja parecida com a do ano passado. Teremos uma condição tendendo a estabilidade, mas com risco de termos uma sobre oferta de leite, algumas coisas podem contribuir para que isso não aconteça, uma delas é o preço internacional do leite, que talvez fique mais difícil de importar.


Scot Consultoria: Em sua opinião, quais são as grandes diferenças entre o produtor de leite e de carne? Porque a pecuária leiteira ainda é vista como um empreendimento de baixa rentabilidade?


Roberto Jank Junior: Não acho que o leite tenha baixa rentabilidade, acho que as pessoas ainda não tem horizonte para investir em pecuária de leite, que depende muito mais de imobilização de capital do que a pecuária de corte.


Na pecuária de corte o boi é um ativo de reserva de valor, então quando a pessoa investe em gado, até em um momento de crise, é uma forma de proteger o capital. No leite você é obrigado a investir para conseguir produzir, aí você engessa a operação dentro desse investimento, e o horizonte não é muito claro para esse investimento. Então o que eu acho que falta é uma clareza no horizonte para que produtores mais profissionais invistam nessa atividade.


O leite tem essa imagem ruim porque o produtor médio é de subsistência, familiar e sem escala, e esses são fatores importantes que a produção de leite deveria ter. Estamos melhorando, mas muito lentamente.



<< Notícia Anterior Próxima Notícia >>

Buscar

Newsletter diária

Receba nossos relatórios diários e gratuitos


Loja