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Scot Consultoria

Prof. Dr. José Bento Sterman Ferraz


Sábado, 1 de novembro de 2008 - 20h55

Prof. Dr. José Bento S. Ferraz, por ele mesmo Médico Veterinário formado pela FMVZ/Universidade de São Paulo em 1977, obtive o título de Mestre em Ciências na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP em 1980 e de Doutor em Genética na mesma faculdade, em 1981. Com Pós-doutorado na University of Nebraska, em 1991 e 1992, sou, atualmente, Professor Titular de Genética e Melhoramento Animal da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, localizada em Pirassununga, SP, onde lidero o Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia, que presta serviços de avaliação genética de reprodutores bovinos e ovinos e de validação do uso de marcadores moleculares como critérios auxiliares de seleção. Scot Consultoria: Dentre os aspectos que podem influenciar a produção e a produtividade dos rebanhos de corte e leite, estão a nutrição, o manejo, a sanidade, o ambiente e a genética. Como o senhor avalia o papel que vem sendo desempenhado pelo melhoramento genético? Ainda há muito que avançar nessa área? José B. Ferraz: É de extrema importância ressaltar que a genética responde por cerca de 20% a 30% da expressão de um caráter economicamente relevante, como o peso, ganho de peso, precocidade sexual, musculosidade, fertilidade, etc. O restante é condicionado pelo ambiente, como foi citado na pergunta (alimentação, nutrição, manejo, saúde, instalações, mão-de-obra, clima, etc.). Nós temos muito a avançar, quer no melhoramento do ambiente, quer no uso das técnicas de melhoramento genético animal. Scot Consultoria: Dentre as novas ferramentas de melhoramento genético estão os marcadores moleculares. O que é um marcador molecular? Qual é o seu papel no melhoramento genético dos rebanhos comerciais? José B. Ferraz: Marcadores moleculares são frações do DNA – o ácido desoxirribonucléico, a molécula que armazena as informações genéticas de todos os indivíduos – que estão próximas a genes que condicionam características de interesse zootécnico; essas frações se tornam “marcadores” quando suas associações com essas características são comprovadas. Em outras palavras, os marcadores moleculares são variações na seqüência do DNA, que apresentam polimorfismos (formas diferentes) e que estão associadas a uma característica funcional específica. Os marcadores não correspondem, necessariamente, a um gene, mas têm que estar tão próximos dele que não ocorra crossing-over (recombinação) entre esse marcador e o gene. Os marcadores moleculares têm que: • Ser polimórficos, ou seja, apresentar variações detectáveis de forma; • Estar próximos aos genes que condicionam características de interesse; • Ser de fácil aplicação; • Ter custo baixo por unidade genotipada; • Permitir a detecção de vários marcadores em cada reação analítica. O uso dos marcadores moleculares é muito grande. Eles, basicamente, servem para: • Aumento de eficiência produtiva; • Teste de paternidade em pastagens que se utilizam de múltiplos touros; • Seleção Assistida por Marcadores, especialmente em características de difícil mensuração. • Auxílio nos acasalamentos e descartes; • Manejo Assistido por Marcadores: • Decisão de estratégia de compra e venda; • Decisão sobre o ponto ideal de abate; • Decisão sobre o sorteamento de grupos; • Decisão de estratégia de ordenha; • Uniformidade de lotes; • Bônus por sólidos totais. • Facilitar acasalamentos dirigidos; • Agregação de valor ao produto final; • Ferramenta de rastreabilidade, entre inúmeras outras. Existem muitos tipos de marcadores moleculares, como os marcadores de DNA microssatélite, marcadores localizados no DNA mitocondrial, SCAR, SSCP, RFLP, RAPD e, os mais modernos, as mutações pontuais ou mutações de uma única base nitrogenada, os SNP’s. Os marcadores moleculares são ferramentas adicionais para melhorar a eficiência dos processos de seleção. Sua utilização nos permitirá ter mais segurança na escolha dos reprodutores. Ao selecionarmos reprodutores com DEPs semelhantes, escolheremos aqueles que têm em seu conjunto de genes, os marcadores associados a aumentos de produtividade. Isso será muito útil, ainda, nos casos em que a medição das características é difícil, como as medições de carcaça e qualidade de carne. No caso do manejo, os marcadores moleculares poderão ser úteis ajudando a separar animais de grande potencial de crescimento, por terem marcadores favoráveis, daqueles com potencial mais limitado e para os quais deveremos ministrar dietas mais baratas, já que eles não têm potencial genético para ganhar tanto peso quanto os anteriores. Experimentos com mais de 50.000 animais nos EUA mostraram grandes diferenças, de quase uma arroba, entre grupos com genótipos favoráveis e desfavoráveis, para ganho de peso em confinamento, com dietas semelhantes. Os marcadores certamente trarão um importante aumento de velocidade de ganho genético. Scot Consultoria: Já existem marcadores moleculares validados para raças zebuínas, como o Nelore? Quais são eles e quais resultados podem trazer para a cadeia produtiva da carne bovina em médio ou longo prazo? José B. Ferraz: Uma das maiores empresas de Saúde Animal do mundo, incorporou uma nova empresa de serviços genéticos denominada IGENITY, que se dedica à aplicação de marcadores moleculares ao agronegócio da carne e leite bovinos. Deste desenvolvimento, resultaram painéis de marcadores moleculares para gado de leite e gado de corte, tanto Bos taurus quanto Bos indicus. Essa empresa fez duas parcerias “de peso” no Brasil. Uma delas, com o Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (GMAB/FZEA), de Pirassununga, para que fossem validados cerca de 100 marcadores moleculares em características de crescimento e qualidade de carcaça e carne de bovinos da raça Nelore. A outra, com a Embrapa Gado de Leite, de Juiz de Fora, MG, para, validação de marcadores para bovinos leiteiros das raças Gir Leiteiro e mestiços Gir x Holandês (“Girolando”). Esse processo de validação utilizou mais de 3.500 lactações de vacas dessas duas raças. A maior dificuldade de um processo de validação é colher dados fenotípicos (de produtividade) confiáveis, além da necessidade de colher amostras para extração de DNA. É um enorme esforço e, para isso, as parcerias foram de extrema valia. Validar marcadores moleculares na raça Nelore, no Brasil, é uma tarefa difícil. O Brasil tem cerca de 150 milhões de animais Nelore ou “anelorados”. Dentro dessa raça existe a variedade “mocho” e “padrão”, animais “elite” e animais “comerciais”, animais criados a pasto, semi-confinados ou até mesmo terminados em confinamento. O primeiro grande passo foi definir as populações em que esses marcadores moleculares seriam validados. Foram definidas, para isso, várias populações, que viessem a representar de forma incontestável o rebanho de animais da raça Nelore e suas diversas vertentes. Essas populações forneceram os fenótipos, amostras de DNA e abriram seus bancos de dados aos pesquisadores, reconhecendo a importância dos processos de validação. Essas populações representaram uma expressiva parcela dos touros líderes de venda de sêmen no país, vacas e suas progênies para estudo de característica de crescimento, vacas para estudo de fertilidade e longevidade produtiva e animais em terminação, para estudos de características de crescimento, carcaça e carne, num total de mais de 6.000 bovinos da raça Nelore. A parceria Merial-Embrapa Gado de Leite envolveu mais de 3.000 vacas das raças Gir Leiteiro e mestiços Gir x Holandês, de quase uma centena de rebanhos, onde marcadores ligados à produção de leite, gordura e proteína foram validados. O processo de validação em si envolveu as etapas de: • Seleção dos rebanhos de pesquisa: não basta apenas colher amostras de animais de determinadas raças e categorias; as populações de pesquisa foram criteriosamente selecionadas para que representassem de forma incontestável o rebanho de animais da raça Nelore e suas diversas vertentes, levando-se em conta as matrizes de parentesco, a acessibilidade das progênies, os fenótipos a serem avaliados e as amostras a serem coletadas; • Obtenção dos fenótipos, medidos na população de animais dos quais é tirada uma amostra para extração do DNA (normalmente amostras de pelo com o bulbo piloso ou amostras de sangue); • Extração do DNA, com o uso de técnicas sofisticadas e modernas de tecnologia e manipulação de material genético; • Genotipagem: o DNA extraído é analisado para se conhecer qual das diferentes formas os animais carregam para centenas de marcadores. Nessa fase, os marcadores moleculares, ou genéticos, foram comparados com dezenas de medições realizadas nos animais. Muitas das medições são muito complicadas de serem feitas no cotidiano dos criadores, como, por exemplo, as análises de características de qualidade de carne e, para isso, sofisticadas técnicas e laboratórios foram utilizadas; • Análises estatísticas: Os dados de fenótipos e genótipos sofreram análises estatísticas, com uso de poderosas ferramentas e pesquisadores qualificados da equipe do Grupo de Melhoramento Animal e Biotecnologia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (GMAB/FZEA/USP). Esses trabalharam em sintonia com os pesquisadores IGENITY nos Estados Unidos. Esta análise revelou não somente os efeitos de cada marcador nas características, mas o efeito conjunto de grupos de marcadores; • Agrupamento dos marcadores moleculares segundo sua influência nas características e geração de painéis: De posse das análises estatísticas, os pesquisadores desenvolveram os chamados painéis ou perfis, grupos de marcadores que explicam uma significativa porção da variabilidade dos animais em uma dada característica. Scot Consultoria: Muito se fala com relação às supostas “deficiências” de qualidade da carne zebuína, principalmente no que diz respeito à maciez. Os marcadores podem auxiliar a resolver ou minimizar problemas desse tipo? José B. Ferraz: Experimentos do Meat Animal Research Center, de Clay Center, Nebraska, da década de 1990 mostraram que à medida que aumenta a proporção de gado zebuíno em animais mestiços com Angus e Hereford, a maciez da carne piora. Isso foi confirmado em experimentos Australianos e até mesmo no Brasil. No processo de validação do uso de marcadores no qual estamos envolvidos, já foram abatidos cerca de 1.000 animais e amostras da carne desses animais foram colhidas e analisadas. Aproximadamente 650 animais foram oriundos de confinamento e 350 de pastagens. Detectamos que cerca de 15% das amostras analisadas são macias após 7 dias de maturação, umas 40% podiam ser consideradas macias após 14 dias de maturação e cerca de 60% após 21 dias. Imagine o impacto para a indústria da carne se touros que deixam filhos com carne mais macia aos 7 dias forem utilizados. Isso pode significar para os frigoríficos até duas semanas de maturação a menos, num giro muito mais rápido de capital. Uma das vantagens da raça Angus, além de ser a raça que há mais tempo pratica processos de seleção, é transmitir a seus descendentes a precocidade sexual, a habilidade leiteira, a habilidade de depositar gordura e a maciez da carne. Em média, animais com alta participação da raça Angus em sua composição racial têm carne mais macia do que animais zebuínos. NO ENTANTO, existem zebuínos que produzem filhos com carne tão macia quanto os descendentes de Angus. Os marcadores serão essenciais para identificar esses animais, que passariam a produzir fêmeas Nelore direcionadas para altos níveis de maciez da carne. Mas é preciso ressaltar que a maciez de carne tem componentes genéticos, mas o ambiente, especialmente o manejo pré-abate e o manejo das carcaças na indústria são mais importantes que a genética na determinação da maciez. Os marcadores moleculares podem nos fornecer importantes informações sobre características de difícil ou cara mensuração, que poucos grupos conseguem medir: peso de carcaça, rendimento de carcaça, classificação da carcaça nos frigoríficos, cobertura de gordura, área de olho de lombo, maciez, marmoreio e até mesmo outras características ligadas à qualidade industrial da carne: perdas por exsudação, perdas por cocção, cor da carne, queda de pH da carcaça, etc. Para que isso possa ser utilizado, é essencial que essas características sejam medidas em rebanhos brasileiros, nas condições de alimentação, clima e manejo brasileiras, relacionando estatisticamente essas características com os marcadores disponíveis, num processo denominado validação. Sem que sejam feitas as validações, é inadequada a utilização de marcadores moleculares desenvolvidos no exterior. Apostar em marcadores moleculares, desde que validados em nossas condições, é sair na frente. Essa tecnologia está em franca evolução e deverá causar grande impacto na nossa pecuária, especialmente na qualidade de carne. Scot Consultoria: Hoje, olhando para trás, creditamos boa parte do avanço da pecuária de corte brasileira ao binômio nelore-braquiária. Dentro de mais alguns anos, novamente olhando para o passado, como o senhor acredita que avaliaremos o papel desempenhado pelos marcadores moleculares? José B. Ferraz: O conceito do binômio Nelore-Brachiária deve ser mudado para o trinômio Nelore-Brachiaria-Criadores. O papel dos criadores foi essencial. O avanço genético obtido em nossa pecuária nos últimos 30 anos, com a mudança da cultura de criadores formadores de opinião e a implantação dos programas de avaliação genética foi simplesmente espetacular. No entanto, apenas cerca de 3% a 5% da demanda de tourinhos de reposição necessários às 75 a 80 milhões de vacas de corte do Brasil é de tourinhos efetivamente melhoradores. O resto, 95%, é composto de touros medianos ou até mesmo touros com potencial genético negativo, quando comparados com a média nacional. Ou então, com animais “cabeceira de boiada”, mantidos inteiros para servirem de touros. Isso atrasa muito o avanço de nossa pecuária. Sem dúvida os marcadores podem a vir a ocupar um papel de destaque no avanço da pecuária de corte brasileira, mas, antes, é necessário que os criadores entendam a necessidade de usarem touros efetivamente melhoradores. Nos rebanhos mais tecnificados, o impacto dos marcadores moleculares será muito rápido e efetivo. Isso fará com que esses rebanhos apresentem grandes ganhos genéticos em relação àqueles rebanhos que não usarem essas novas metodologias auxiliares. O impacto dessa tecnologia chegará ao pecuarista comercial via esses touros, oriundos de rebanhos geneticamente superiores. Creio que aí sim poderemos falar de um quadrinômio, o segredo do sucesso da pecuária brasileira na década de 2020: Nelore x Brachiária x Criadores x Genética. Mas, para isso, é necessário muito trabalho, em especial das associações de criadores. Scot Consultoria: Para finalizar, vamos mudar um pouco a prosa. O pecuarista brasileiro sofre hoje com a pressão econômica (o boi, como qualquer commodity, tende a perder valor ao longo dos anos), com a pressão de custos (a inflação do campo supera em muito à das cidades), com as pressões sócio-ambientais e com as crescentes exigências de mercado (em termos de qualidade de produto e de processos). Como manter uma atividade competitiva diante desse cenário? José B. Ferraz: Essa é a resposta mais fácil de todas. Se esses problemas fossem impeditivos da manutenção da atividade pecuária, o Brasil não seria um dos maiores exportadores de carne de frango do mundo. A avicultura trabalha com margens muito reduzidas, com pressões de custos, com queda nos preços de commodities, mas achou um espaço para trabalhar com carne de alta qualidade e bom preço. A pecuária brasileira tem uma vantagem competitiva enorme: 95% de nosso gado é abatido após ter crescido e terminado em pastagens. Isso diminui nossos custos consideravelmente. Mas estamos matando essa vantagem competitiva ao não cuidar de nossas pastagens. Viajar pelo Brasil Central Pecuário nos meses de seca é a melhor maneira de entender que mais de 70% de nossas pastagens estão em avançado estágio de degradação, com o sobrepastejo sendo uma prática muito comum. O pecuarista tem que se transformar em agricultor de pastagem, mas como ninguém compra capim, esse agricultor transforma o capim em carne. Isso é muito caro? Estive no centro do Paraná em meados de setembro de 2008 e vi custos de produção de R$45,00/arroba de boi gordo, em pastagens de inverno cultivadas, adubadas e animais abatidos com idades entre 16 e 24 meses. Ou seja, uma margem de lucro de quase 50% sobre o preço de venda. Isso é lá margem pequena? A resposta à sua pergunta, em uma só palavra é PRODUTIVIDADE. E isso só se obtém com mudanças de ambiente e com o uso de genética superior. E uso de muita tecnologia.
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