Como o biodiesel melhora o desempenho do diesel, quais riscos existem e o que fazer para evitá-los.
Foto: Freepik
Que o biodiesel é um combustível renovável, menos poluente e capaz de impulsionar diversas cadeias produtivas não é novidade. Além de reduzir emissões e a dependência do petróleo, seu uso fortalece a economia rural e aproveita coprodutos como óleos e gorduras, tornando a matriz energética mais sustentável.
Por isso, em 2025 o governo elevou em mais um ponto percentual a mistura obrigatória do biodiesel no diesel comercial, passando do B14 para o B15, com intenção de mais aumento nos próximos anos.
Mas, a mudança não agrada a todos. Ainda há discussões sobre os benefícios do biodiesel, já que, mesmo com as vantagens socioambientais, persistem preocupações quanto aos possíveis impactos do produto nos motores do ciclo diesel.
Contudo, ao contrário desse conceito, o biodiesel também traz benefícios mecânicos.
O principal, é a melhoria da lubricidade - capacidade do combustível de auxiliar na lubrificação interna do sistema, reduzindo atrito e desgaste. O diesel fóssil moderno, após passar por processos de redução de enxofre por exigências ambientais, perde compostos que contribuíam para essa característica.
O biodiesel, porém, possui naturalmente alta lubricidade, por isso, sua adição ao diesel fóssil ajuda a recuperar essa propriedade, proteger componentes e prolongar a vida útil do motor.
Segundo a Petrobras, “a adição de 2% vol. de biodiesel ao óleo diesel com baixo enxofre já é suficiente para correção da sua lubricidade” (Manual do Diesel da Petrobras). Assim, o biodiesel elimina a necessidade de aditivos sintéticos de lubricidade, reduzindo custos.
Outro benefício é a melhora do número de cetano, indicador que mostra quão facilmente o combustível inflama na câmara de combustão de motores a compressão, quanto maior o número de cetano, mais rápida e eficiente é a ignição. O biodiesel, quando misturado ao diesel convencional, tende a elevar esse índice.
“A adição de biodiesel ao petrodiesel, em termos gerais, melhora as características do combustível fóssil, pois possibilita a redução dos níveis de ruído e melhora a eficiência da combustão pelo aumento do número de cetano (Gallo, 2003).” (Revista Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento).
Contudo, nem tudo são flores, e existem riscos.
O principal ponto, que desencadeia outros problemas, é a sua higroscopicidade, ou seja, a capacidade do biodiesel de absorver e reter umidade do ar. O biodiesel é cerca de 30 vezes mais higroscópico que o diesel fóssil.
Por absorver mais água, ele apresenta consequências mais acentuadas devido ao maior teor de umidade.
De acordo com a Petrobras, o acúmulo de água favorece a atividade microbiana, que degrada o combustível, forma borras e satura filtros mais rapidamente, além de comprometer o funcionamento da bomba injetora e dos bicos injetores dos motores. A presença de água também acelera processos de corrosão em equipamentos de toda a cadeia de armazenagem e distribuição de combustíveis.
Outro ponto é que o biodiesel apresenta um envelhecimento/oxidação mais rápido que o diesel fóssil. Fatores como luz, calor, umidade e contato com metais, (como cobre e zinco) aceleram sua oxidação, resultando na formação de ácidos e gomas, esses compostos deixam o combustível mais viscoso e impuro, prejudicando o escoamento, aumentando o risco de entupimentos e intensificando seu caráter corrosivo.
Somado a isso, a presença de água e impurezas, como álcool residual, glicerina ou catalisador, agrava ainda mais esse processo, nessas condições, componentes metálicos, ligas e até borrachas e elastômeros de sistemas mais antigos podem sofrer desgaste prematuro.
Por fim, o biodiesel apresenta desempenho menor em baixas temperaturas devido ao seu PEFF mais alto (ponto de entupimento de filtro a frio). Nessas condições, os ésteres podem cristalizar ou engrossar, prejudicando o escoamento, causando entupimento de filtros e afetando bombas e injetores, essa propriedade está intimamente relacionada à composição do biodiesel.
“O ponto de entupimento de filtro a frio é um fator crítico para a utilização do biodiesel, especialmente em países com temperaturas frias, uma vez que o combustível começa a cristalizar causando entupimentos no motor” Girardi (2019). (Dissertação sobre otimização do PEFF de biodiesel de babaçu)
Contudo, vale salientar que, com exceção do PEFF mais elevado - que de fato é uma característica própria do biodiesel - todas as demais adversidades atribuídas ao combustível não surgem por causa dele em si, mas sim de falhas de armazenamento, de manejo inadequado ou do uso de produtos fora da especificação. Quando o biodiesel é manipulado corretamente, seguindo as orientações técnicas, esses problemas deixam de existir.
A principal garantia de segurança e desempenho é utilizar um produto dentro das normas, que já determinam limites rígidos para teor de água, exigem antioxidantes, controlam a presença de metais, asseguram a pureza dos ésteres, estabelecem limites de acidez e de contaminação por partículas, além de definir uma estabilidade oxidativa mínima.
Para que tudo funcione bem na prática, distribuidoras e operadores precisam cuidar da infraestrutura e das rotinas de manejo, garantindo drenagens periódicas dos tanques, mantendo tampas e respiros em boas condições, evitando sistemas antigos com risco de infiltração, e aplicando biocidas sempre que houver suspeita de contaminação microbiana.
Também é essencial evitar que os tanques operem constantemente com níveis muito baixos, já que isso favorece a condensação, bem como não deixar o diesel estocado por muitos meses e impedir exposição prolongada ao sol. O uso de tanques adequados como inox, alumínio ou aço revestido e a renovação contínua do estoque são práticas que preservam a qualidade.
Além disso, não se deve misturar diesel novo com remanescentes antigos, pois isso tende a comprometer a estabilidade do produto ao longo do tempo.
O biodiesel não tem prazo de validade fixo universal, mas a especificação exige que se monitore propriedades como estabilidade oxidativa, se o biodiesel não for usado dentro de 30 dias a partir do certificado de qualidade, deve‐se refazer testes.
Para prevenir problemas, o ideal é abastecer sempre em postos confiáveis, pois um bom fornecedor tende a oferecer um combustível mais limpo e estável. Também é recomendado utilizar aditivos específicos para óleo diesel, que ajudam a estabilizar a mistura com o biodiesel, além de aplicar bactericidas quando necessário.
Evite abastecer se o veículo for ficar parado por muito tempo, já que o diesel B15 não deve permanecer longos períodos no tanque para não favorecer a decantação e a formação de borra.
A manutenção preventiva também é fundamental: troque os filtros nos intervalos corretos, faça inspeções regulares para identificar possíveis sinais de corrosão ou acúmulo de resíduos e não prolongue as trocas, especialmente no caso de máquinas agrícolas ou caminhões que operam em condições severas. Observar a coloração dos filtros também é uma prática útil, já que um escurecimento excessivo pode indicar problemas de contaminação no tanque.
Para regiões de baixa temperatura, recomenda-se utilizar o tipo de diesel adequado ao clima local e empregar aditivos “flow improver” para garantir melhor fluidez do combustível.
Usar biodiesel como parte do blend no óleo diesel destinado a motores do ciclo diesel é uma boa alternativa, mas não se trata de uma mistura “mágica” que elimina a necessidade de cuidados.
O produto possui algumas desvantagens químicas, porém elas só se tornam relevantes quando há má qualidade, presença de água, combustível envelhecido ou armazenamento inadequado, quando o biodiesel está dentro da especificação da ANP e as boas práticas de operação são adotadas, suas vantagens, como maior lubricidade, menor emissão de poluentes e origem renovável, superam os riscos.
Por outro lado, problemas podem surgir caso o biodiesel ou o blend estejam fora da especificação, haja contaminação, acúmulo de água, longos períodos de estocagem, levando a perda de potência, aumento de desgaste, corrosão, entupimentos e falhas de funcionamento.
Em motores sujeitos a condições específicas, como uso pouco frequente, baixas temperaturas ou baixa demanda, os cuidados precisam ser redobrados.
No Brasil, a legislação estabelece um percentual mínimo de biodiesel no diesel comercial, além de critérios de qualidade que reduzem o risco de problemas, embora não os eliminem totalmente. E apesar dos benefícios ambientais, o futuro do diesel ainda é tema de debate, especialmente diante da expectativa de que a mistura possa atingir cerca de 20% de biodiesel nos próximos anos.
Referências:
AUTOACADÊMICO. Biodiesel: mitos e verdades. Disponível em: https://autoacademico.wordpress.com/2025/06/08/biodiesel-mitos-e-verdades/
ANP – AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. Especificação do biodiesel. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/assuntos/producao-e-fornecimento-de-biocombustiveis/biodiesel/especificacao-do-biodiesel
ANP – AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS. Nota Técnica NTC-14/2021. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/centrais-de-conteudo/notas-e-estudos-tecnicos/notas-tecnicas/arquivos/2021/ntc-14.pdf
BUENO REIS. Biodiesel. Disponível em: https://www.geocities.ws/bueno_reis/biodiesel.pdf
BSOFT. Biodiesel. Disponível em: https://bsoft.com.br/blog/biodiesel
MME – MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Relatórios de aprovação do B15. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/secretarias/petroleo-gas-natural-e-biocombustiveis/biodiesel/documentos/relatorios-de-aprovacao-do-b15
PETROBRAS. Manual de Diesel – Revisão agosto 2024. Disponível em: https://petrobras.com.br/documents/2677942/3190768/Manual%20de%20Diesel%20-%20rev%20agosto%202024.pdf/4061d625-d12d-83f5-b3d7-21bac85c6944?download=false&t=1723213823000&version=1.0
UNIOESTE. Repositório Institucional – Trabalho sobre biodiesel. Disponível em: https://tede.unioeste.br/handle/tede/6748
<< Notícia AnteriorReceba nossos relatórios diários e gratuitos