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Scot Consultoria

Carta Conjuntura - Polêmica à vista: demarcação de terras indígenas


Terça-feira, 5 de fevereiro de 2019 - 17h00


As mudanças


Alinhado às suas promessas de campanha, já nos primeiros dias do novo governo o presidente Jair Bolsonaro iniciou a revisão da política de demarcações de terras.


Poucas horas depois da posse, foi publicada no Diário Oficial da União a medida provisória que transferiu da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o MAPA (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento) a identificação, delimitação, demarcação e registro de terras indígenas no país.


Outra medida adotada foi a alteração da política de identificação e demarcação de territórios quilombolas, atividade que antes era exercida pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e agora repassada para o MAPA.


Outra reforma administrativa promovida pelo governo foi a mudança da direção do Serviço Florestal Brasileiro (SFB). O serviço antes ligado ao Meio Ambiente ficará sob o comando do Ministério da Agricultura. Mas esse é um tema para um próximo texto.


População indígena


No Brasil, segundo dados do Censo Demográfico realizado pelo IBGE em 2010, a população indígena é de 818 mil pessoas.


Segundo o penúltimo Censo realizado pela mesma instituição em 1991, o Brasil tinha 294 mil índios, isso quer dizer que neste intervalo entre pesquisas a quantidades de pessoas que se declaram indígenas quase triplicou. 


Existem índios em todos os estados brasileiros, mas concentrados na região Norte (figura 1).


Figura 1.
Distribuição da população indígena no Brasil, por região.

Fonte: IBGE/elaborado por Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br


Estadualmente, destaca-se o Amazonas, que abriga 20,6% da população indígena nacional, ou seja, 168 mil índios, seguido de Mato Grosso do Sul com 9,2%, número que corresponde a 73 mil índios. Veja na figura 2.


Figura 2.
População indígena estadual, em milhares.

Fonte: IBGE/elaborado por Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br 


Porém é importante ressaltar que em alguns estados a população indígena urbana é maior do que a rural, principalmente nos estados do Sudeste. Veja na figura 3. 


Figura 3.
Porcentagem de contribuição da população urbana e rural de índios, por estado.

Fonte: IBGE/elaborado por Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br


Direito dos índios 


Segundo o Artigo 231 da Constituição Federal de 1988, é reconhecido aos índios o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam.


Ou seja, o direito à posse da terra não depende de titulação e precede os demais direitos. Isso quer dizer que os títulos que incidem sobre uma terra indígena são declarados nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos.


E segundo a constituição: “São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.


Ainda segundo a lei, cabe aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes das terras indígenas, ressalvado relevante interesse público da União, ou seja, há possibilidade de exploração dos recursos naturais em terras indígenas, mas isso só será permitido mediante lei complementar.


Além disso, consta na lei que as terras são inalienáveis e indisponíveis e é vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras.


A demarcação de terras


O procedimento atual para a identificação e delimitação, demarcação física, homologação e registro de terras indígenas está estabelecido e balizado no Decreto no. 1.775/96.


Quando há demanda por demarcação de algum território, a cargo da Funai, é constituído um grupo técnico de trabalho. Este grupo é composto por uma equipe interdisciplinar de profissionais, como antropólogos, geólogos, biólogos, etc... Eles fazem os estudos cartográficos, culturais, ambientais, e sociais para elaborar o relatório que servirá de base para os próximos passos do processo de demarcação.


No relatório consta se há presença de ocupantes não índios na área estudada, e se existem títulos de posse e/ou domínio de terras incidentes no território reivindicado pelo povo indígena.


Após os estudos e a caracterização da terra, um resumo do relatório é publicado no Diário Oficial da União (DOU) para declaração dos limites, a cargo do Ministro da Justiça.


Mas em até 90 dias após esta publicação é possível que as partes afetadas pela demarcação manifestem seus interesses no território reivindicado pelo povo indígena. Essa fase é chamada de contraditório administrativo. O julgamento dos processos é de competência do Ministério da Justiça.


E somente após o julgamento destes procedimentos do contraditório, os limites da terra indígena são declarados mediante a portaria do Ministro da Justiça. No passo seguinte a demarcação é determinada.


Por fim, mediante decreto, o Presidente da República homologa a demarcação realizada e registra a terra no cartório em nome da União.


Cabe ressaltar que uma equipe técnica designada pela Funai realiza a avaliação das benfeitorias estabelecendo valores financeiros para fins de indenização no caso das ocupações consideradas na legislação de boa-fé.


Além disso, a retirada de ocupantes não-índios também fica a cargo da Funai, e o reassentamento dos ocupantes que atendem ao perfil da reforma agrária fica a cargo do Incra.


Situação atual das terras indígenas


Segundos dados da Funai, atualmente existem 436 terras indígenas regularizadas que representam aproximadamente 12,5% do território nacional, sendo que a maioria delas está no bioma amazônico.


Lembrando que de acordo com o Censo de 2010, a população indígena é de 818 mil pessoas, ou 0,4% da população do país.


Portanto, cada índio das áreas regularizadas possui ao redor de 130 hectares.


Além destas, existem outras terras em diferentes etapas do processo de demarcação. Veja na tabela 1.


Tabela 1.
Processos de demarcação de terras indígenas

Fonte: IBGE/elaborado por Scot Consultoria – www.scotconsultoria.com.br


Contraste nacional


Os dados divulgados no Censo Agropecuário de 2017 do IBGE, revelam 2,5 milhões de estabelecimentos agropecuários com bovinos. Essas propriedades juntas ocupam, aproximadamente, 150 milhões de hectares com pastagens.


Portanto, na média nacional, a área de pastagem de uma fazenda com criação de bovinos de corte ou leite, é de 58,5 hectares.


Sabemos que existem latifúndios, principalmente em estados do Centro-Oeste devido ao processo histórico de abertura de novas áreas. Em Mato Grosso, por exemplo, estado que possui o maior rebanho do Brasil, o tamanho médio das áreas de pastagem é de 236 hectares por estabelecimento, mas essa relação está distante da realidade do restante do país.


Indo um pouco além nas comparações, a extensão territorial do Brasil é de 850 milhões de hectares, correlacionando esta área com os habitantes totais, em um cenário hipotético, se dividíssemos as terras entre todos teríamos em torno de 4 hectares por brasileiro.


Conclusão


A transferência da demarcação de terras indígenas, da Funai para o MAPA, implica na mudança das rotinas dos procedimentos até então adotados, portanto, não deverá ser um processo rápido. Enquanto não é resolvido, fica a reflexão quanto a distribuição das terras no Brasil.


O presidente declarou ser contrário à demarcação de novas terras indígenas, mas não pode extinguir ou reduzir as terras que já foram demarcadas (a não ser por meio de uma Emenda Constitucional aprovada pelo Congresso).


Por vezes, as terras indígenas são vistas com viés negativo, mantenedoras de atraso, pois não há produção nem investimento tecnológico para que os índios possam explorar os recursos existentes.


Por outro lado, sabe-se que a cultura indígena é patrimônio histórico cultural brasileiro e propiciar as condições fundamentais para a sobrevivência física e cultural dos povos indígenas é dever da União, conforme consta na Constituição.


Portanto, como as terras são o suporte da cultura e do modo de vida das 305 etnias indígenas que vivem hoje no Brasil, a demarcação de terras garante a manutenção de seus modos de vida tradicionais.


Porém é necessário encontrar equilíbrio para resguardar a sobrevivência dos povos indígenas e suas tradições, bem como garantir o desenvolvimento econômico do país.


A demarcação de terras sem planejamento estratégico adequado fragmenta o território nacional e inviabiliza a implantação da logística viária do país, além do mais há de se levar em consideração a necessidade de empreendimentos de interesse nacional, como hidrelétricas, e outras usinas geradoras de energia para aproveitar os recursos disponíveis em nosso país (respeitando as leis ambientais).


Resolver esta dicotomia não é simples.


Neste caso, algumas das alternativas são: agilizar os processos judiciais que envolvem a disputa por terras; garantir a segurança no campo para todos e melhorar a fiscalização nas terras indígenas para impedir, por exemplo, a cobrança de pedágio indígena em rodovias e as ilegalidades do arrendamento de terras e outros tipos de comercializações indígenas clandestinas.


Estes seriam os primeiros passos para o estabelecimento da harmonia no campo.  


Referências


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D1775.htm - Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas.


http://www.funai.gov.br/arquivos/conteudo/dpt/pdf/portaria14funai.pdf


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6001.htm - Dispõe sobre o Estatuto do índio.


https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_08.09.2016/art_231_.asp -Constituição Federal Capítulo sobre Índios.





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