O Brasil mudou, passando de exportador de excedentes da produção para produtor para o mercado externo.
 
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Originalmente publicado no Broadcast Agro.
Nos poucos mais de 20 anos, a bovinocultura de corte brasileira passou por transformações marcantes e, está com grandes avanços impostos pelo mercado, na forma de remuneração.
A produção, que anteriormente era voltada quase exclusivamente ao consumo interno, hoje está estruturada também para o mercado global. A exportação, que era um complemento, tornou-se o motor da expansão da produção de carne bovina no país.
No início dos anos 2000, o Brasil produzia pouco menos de 4,0 milhões de toneladas de carcaça bovina. A exportação engatinhava, com volumes modestos e uma participação residual na produção total (figura 1).
Figura 1.
Produção e exportação, em milhões de toneladas, e a participação da exportação na produção, em porcentagem.
Fonte: IBGE, Secex / Elaborado por Scot Consultoria
O consumo doméstico é o principal destino da carne produzida, e a dinâmica do mercado interno tem o maior peso na composição dos preços, assim como no desempenho do abate e margens da cadeia.
Porém, esse cenário começou a mudar com a exportação. No ano em que a China aumentou a importação do Brasil, os “prêmios” (chamados de ágios) alcançaram R$50,00/@.
A combinação entre câmbio favorável, eficiência produtiva e status sanitário permitiu que o país ampliasse o comércio exterior. Nesse mesmo tempo, no período analisado, no mercado interno, o consumo ficou praticamente o mesmo, principalmente a partir de 2013, quando a carne disponível para consumo interno esteve em queda, e não voltou ao mesmo patamar de 2013 em nenhum dos anos (figura 2).
Figura 2.
Carne bovina disponível para o consumo interno, em milhões de toneladas de carcaça, e disponível per capita, em kg de carcaça por habitante.
Fonte: IBGE, Secex / Elaborado por Scot Consultoria
No comparativo ano a ano, os anos de pandemia intensificaram a redução da disponibilidade interna, com uma produção em queda, devido ao momento do ciclo pecuário, com uma exportação que caiu, mas em um volume menor.
A variação, se colocado como base no ano de 2013, girou entre 1,5% e 23,2% negativos. A produção foi de 9,9% negativa, para 26,8% de alta. Ou seja, aumentamos a produção, e mesmo assim o consumo manteve patamares de queda frente a 2013. Vale ressaltar o crescimento da população no período, crescendo aproximadamente 6,7% em 2024 frente a 2013, o que, sem o aumento de produção e produtividade, teria reduzido ainda mais a disponibilidade por pessoa.
O Brasil mudou, passando de exportador de excedentes da produção para produtor para o mercado externo. Um dos fatores que compuseram esse cenário foi o consumo interno estagnado dos últimos anos.
Dentre as proteínas de origem animal, a carne bovina é a mais cara, e isso pode ser um limitador para um consumo interno crescente. E, se a produção fosse destinada apenas para o mercado interno, limitaríamos o potencial produtivo brasileiro.
Em 2024, a produção nacional ultrapassou 10,0 milhões de toneladas de carcaça, e a exportação superou 3,4 milhões de toneladas - mais de treze vezes o volume embarcado em 2000. No mesmo comparativo, a produção cresceu 2,65 vezes e o disponível para o mercado interno 1,88 vezes.
A trajetória revela mais do que o crescimento físico da produção. Ela simboliza uma mudança estrutural da cadeia.
Hoje, decisões sobre investimento, escala e ritmo de abate são cada vez mais influenciadas por fatores globais - demanda chinesa, sanções sanitárias, variação cambial e acordos comerciais.
Essa transição, embora tenha reforçado o protagonismo brasileiro no comércio internacional, alterou o equilíbrio interno. Em vários momentos da série histórica, o aumento da produção não repercutiu proporcionalmente na disponibilidade de carne no mercado doméstico. O que sugere que, a exportação crescente, não limitou a disponibilidade interna, que está estabilizada entre 5,0 e 6,0 milhões de toneladas de carcaça nesses últimos quase 20 anos.
Tabela 1.
População, em pessoas, produção, exportação, importação, carne bovina disponível, em kg de carcaça, e consumo per capita, em kg de carcaça por habitante.
| População | Produção | Exportação | Importação | Disponível | Per capita | |
|---|---|---|---|---|---|---|
| 2000 | 174.695.935 | 3.899.799.609 | 256.106.549 | 57.814.991 | 3.701.508.051 | 21,19 | 
| 2001 | 177.003.743 | 4.330.277.696 | 499.389.211 | 39.645.259 | 3.870.533.745 | 21,87 | 
| 2002 | 179.228.254 | 4.699.612.954 | 584.413.720 | 67.745.026 | 4.182.944.260 | 23,34 | 
| 2003 | 181.377.654 | 4.977.213.166 | 842.481.355 | 60.367.257 | 4.195.099.068 | 23,13 | 
| 2004 | 183.469.593 | 5.906.212.281 | 1.250.886.432 | 49.676.383 | 4.705.002.232 | 25,64 | 
| 2005 | 185.518.369 | 6.345.811.205 | 1.470.989.659 | 44.915.521 | 4.919.737.067 | 26,52 | 
| 2006 | 187.535.030 | 6.886.583.120 | 1.657.438.594 | 25.529.282 | 5.254.673.808 | 28,02 | 
| 2007 | 189.458.827 | 7.048.994.658 | 1.736.159.958 | 26.912.861 | 5.339.747.561 | 28,18 | 
| 2008 | 191.335.196 | 6.621.374.461 | 1.378.621.150 | 25.268.873 | 5.268.022.184 | 27,53 | 
| 2009 | 193.174.036 | 6.661.632.696 | 1.255.814.608 | 30.649.828 | 5.436.467.915 | 28,14 | 
| 2010 | 194.749.329 | 6.977.484.368 | 1.289.472.492 | 31.300.752 | 5.719.312.628 | 29,37 | 
| 2011 | 196.158.610 | 6.783.536.946 | 1.111.833.126 | 36.166.385 | 5.707.870.205 | 29,10 | 
| 2012 | 197.670.620 | 7.351.147.177 | 1.278.379.285 | 57.737.237 | 6.130.505.130 | 31,01 | 
| 2013 | 199.226.702 | 8.166.720.207 | 1.604.624.888 | 55.468.341 | 6.617.563.660 | 33,22 | 
| 2014 | 200.811.131 | 8.063.224.819 | 1.645.001.082 | 77.300.073 | 6.495.523.810 | 32,35 | 
| 2015 | 202.403.642 | 7.493.435.357 | 1.454.377.926 | 58.301.411 | 6.097.358.842 | 30,12 | 
| 2016 | 203.871.925 | 7.358.777.695 | 1.460.747.482 | 62.982.070 | 5.961.012.283 | 29,24 | 
| 2017 | 205.211.557 | 7.681.537.705 | 1.636.176.874 | 53.517.596 | 6.098.878.427 | 29,72 | 
| 2018 | 206.529.038 | 7.989.515.631 | 1.833.660.814 | 45.820.683 | 6.201.675.501 | 30,03 | 
| 2019 | 207.900.099 | 8.218.851.226 | 2.131.287.226 | 43.068.313 | 6.130.632.312 | 29,49 | 
| 2020 | 209.164.889 | 7.824.888.302 | 2.342.004.804 | 47.893.727 | 5.530.777.225 | 26,44 | 
| 2021 | 210.103.642 | 7.456.261.141 | 2.119.658.240 | 61.205.916 | 5.397.808.816 | 25,69 | 
| 2022 | 210.862.983 | 8.012.319.797 | 2.706.344.253 | 72.205.939 | 5.378.181.483 | 25,51 | 
| 2023 | 211.695.158 | 8.962.422.953 | 2.724.136.231 | 55.346.501 | 6.293.633.222 | 29,73 | 
| 2024 | 212.583.750 | 10.355.943.180 | 3.457.744.719 | 55.164.029 | 6.953.362.490 | 32,71 | 
Fonte: IBGE, Secex / Elaborado por Scot Consultoria
O país tornou-se uma potência exportadora - e, com isso, como já mencionado, mais suscetível às oscilações do mercado global. Oscilações cambiais, barreiras sanitárias ou crises econômicas em grandes compradores podem impactar diretamente a cadeia produtiva interna.
Avanço técnico, melhoria da eficiência produtiva e o fortalecimento da imagem do produto brasileiro no exterior são resultados dessa integração global.
A pecuária nacional deixou de ser apenas fornecedora de proteína e passou a atuar como agente competitivo em um mercado globalizado, com padrão de qualidade e rastreabilidade.
O desafio agora é manter equilibrada a balança: manter a competitividade internacional sem comprometer o acesso e a estabilidade do mercado interno. A consolidação do Brasil como exportador é excelente, mas exige políticas consistentes e estratégias de longo prazo que garantam previsibilidade, sanidade e renda ao produtor - e carne acessível ao consumidor.
 
                            Engenheiro agrônomo, formado na Esalq/USP, Piracicaba/SP. Fundador e CEO da Scot Consultoria. Atua na área de ciências agrárias, análises e consultoria de mercados agropecuários. É analista e consultor de mercado, com atuação nas áreas de pecuária de corte, leite, grãos e insumos agropecuários. É palestrante, facilitador e moderador de eventos conectados ao agronegócio. Atuou como Membro de Conselho Consultivo de empresas do setor e dirige as ações gerais da Scot Consultoria.
 
                            Engenheiro agrônomo, formado pela FCAV/Unesp, Jaboticabal/SP. Atua na área de ciências agrárias, análises e consultoria de mercados agropecuários. Analista de mercado, com elaboração e realização de análises setoriais e pesquisas nos mercados do boi, carne e mercados internacionais, com enfoque para commodities agrícolas. Técnico da pesquisa-expedicionária “Confina Brasil” e coordenador da equipe de mídias sociais da Scot Consultoria
 
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