• Sexta-feira, 31 de outubro de 2025
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Scot Consultoria

Do pasto ao porto: a carne bovina brasileira e a transição para um mercado global

O Brasil mudou, passando de exportador de excedentes da produção para produtor para o mercado externo.


Foto: Freepik

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Originalmente publicado no Broadcast Agro.

Nos poucos mais de 20 anos, a bovinocultura de corte brasileira passou por transformações marcantes e, está com grandes avanços impostos pelo mercado, na forma de remuneração.

A produção, que anteriormente era voltada quase exclusivamente ao consumo interno, hoje está estruturada também para o mercado global. A exportação, que era um complemento, tornou-se o motor da expansão da produção de carne bovina no país.

No início dos anos 2000, o Brasil produzia pouco menos de 4,0 milhões de toneladas de carcaça bovina. A exportação engatinhava, com volumes modestos e uma participação residual na produção total (figura 1).

Figura 1.
Produção e exportação, em milhões de toneladas, e a participação da exportação na produção, em porcentagem.

Fonte: IBGE, Secex / Elaborado por Scot Consultoria

O consumo doméstico é o principal destino da carne produzida, e a dinâmica do mercado interno tem o maior peso na composição dos preços, assim como no desempenho do abate e margens da cadeia.

Porém, esse cenário começou a mudar com a exportação. No ano em que a China aumentou a importação do Brasil, os “prêmios” (chamados de ágios) alcançaram R$50,00/@.

A combinação entre câmbio favorável, eficiência produtiva e status sanitário permitiu que o país ampliasse o comércio exterior. Nesse mesmo tempo, no período analisado, no mercado interno, o consumo ficou praticamente o mesmo, principalmente a partir de 2013, quando a carne disponível para consumo interno esteve em queda, e não voltou ao mesmo patamar de 2013 em nenhum dos anos (figura 2).

Figura 2.
Carne bovina disponível para o consumo interno, em milhões de toneladas de carcaça, e disponível per capita, em kg de carcaça por habitante.

Fonte: IBGE, Secex / Elaborado por Scot Consultoria

No comparativo ano a ano, os anos de pandemia intensificaram a redução da disponibilidade interna, com uma produção em queda, devido ao momento do ciclo pecuário, com uma exportação que caiu, mas em um volume menor.

A variação, se colocado como base no ano de 2013, girou entre 1,5% e 23,2% negativos. A produção foi de 9,9% negativa, para 26,8% de alta. Ou seja, aumentamos a produção, e mesmo assim o consumo manteve patamares de queda frente a 2013. Vale ressaltar o crescimento da população no período, crescendo aproximadamente 6,7% em 2024 frente a 2013, o que, sem o aumento de produção e produtividade, teria reduzido ainda mais a disponibilidade por pessoa.

O Brasil mudou, passando de exportador de excedentes da produção para  produtor para o mercado externo. Um dos fatores que compuseram esse cenário foi o consumo interno estagnado dos últimos anos.

Dentre as proteínas de origem animal, a carne bovina é a mais cara, e isso pode ser um limitador para um consumo interno crescente. E, se a produção fosse destinada apenas para o mercado interno, limitaríamos o potencial produtivo brasileiro.

Em 2024, a produção nacional ultrapassou 10,0 milhões de toneladas de carcaça, e a exportação superou 3,4 milhões de toneladas - mais de treze vezes o volume embarcado em 2000. No mesmo comparativo, a produção cresceu 2,65 vezes e o disponível para o mercado interno 1,88 vezes.

A trajetória revela mais do que o crescimento físico da produção. Ela simboliza uma mudança estrutural da cadeia.

Hoje, decisões sobre investimento, escala e ritmo de abate são cada vez mais influenciadas por fatores globais - demanda chinesa, sanções sanitárias, variação cambial e acordos comerciais.

Essa transição, embora tenha reforçado o protagonismo brasileiro no comércio internacional, alterou o equilíbrio interno. Em vários momentos da série histórica, o aumento da produção não repercutiu proporcionalmente na disponibilidade de carne no mercado doméstico. O que sugere que, a exportação crescente, não limitou a disponibilidade interna, que está estabilizada entre 5,0 e 6,0 milhões de toneladas de carcaça nesses últimos quase 20 anos.

Tabela 1.
População, em pessoas, produção, exportação, importação, carne bovina disponível, em kg de carcaça, e consumo per capita, em kg de carcaça por habitante.


População Produção Exportação Importação Disponível Per capita
2000 174.695.935 3.899.799.609 256.106.549 57.814.991 3.701.508.051 21,19
2001 177.003.743 4.330.277.696 499.389.211 39.645.259 3.870.533.745 21,87
2002 179.228.254 4.699.612.954 584.413.720 67.745.026 4.182.944.260 23,34
2003 181.377.654 4.977.213.166 842.481.355 60.367.257 4.195.099.068 23,13
2004 183.469.593 5.906.212.281 1.250.886.432 49.676.383 4.705.002.232 25,64
2005 185.518.369 6.345.811.205 1.470.989.659 44.915.521 4.919.737.067 26,52
2006 187.535.030 6.886.583.120 1.657.438.594 25.529.282 5.254.673.808 28,02
2007 189.458.827 7.048.994.658 1.736.159.958 26.912.861 5.339.747.561 28,18
2008 191.335.196 6.621.374.461 1.378.621.150 25.268.873 5.268.022.184 27,53
2009 193.174.036 6.661.632.696 1.255.814.608 30.649.828 5.436.467.915 28,14
2010 194.749.329 6.977.484.368 1.289.472.492 31.300.752 5.719.312.628 29,37
2011 196.158.610 6.783.536.946 1.111.833.126 36.166.385 5.707.870.205 29,10
2012 197.670.620 7.351.147.177 1.278.379.285 57.737.237 6.130.505.130 31,01
2013 199.226.702 8.166.720.207 1.604.624.888 55.468.341 6.617.563.660 33,22
2014 200.811.131 8.063.224.819 1.645.001.082 77.300.073 6.495.523.810 32,35
2015 202.403.642 7.493.435.357 1.454.377.926 58.301.411 6.097.358.842 30,12
2016 203.871.925 7.358.777.695 1.460.747.482 62.982.070 5.961.012.283 29,24
2017 205.211.557 7.681.537.705 1.636.176.874 53.517.596 6.098.878.427 29,72
2018 206.529.038 7.989.515.631 1.833.660.814 45.820.683 6.201.675.501 30,03
2019 207.900.099 8.218.851.226 2.131.287.226 43.068.313 6.130.632.312 29,49
2020 209.164.889 7.824.888.302 2.342.004.804 47.893.727 5.530.777.225 26,44
2021 210.103.642 7.456.261.141 2.119.658.240 61.205.916 5.397.808.816 25,69
2022 210.862.983 8.012.319.797 2.706.344.253 72.205.939 5.378.181.483 25,51
2023 211.695.158 8.962.422.953 2.724.136.231 55.346.501 6.293.633.222 29,73
2024 212.583.750 10.355.943.180 3.457.744.719 55.164.029 6.953.362.490 32,71

Fonte: IBGE, Secex / Elaborado por Scot Consultoria

O país tornou-se uma potência exportadora - e, com isso, como já mencionado, mais suscetível às oscilações do mercado global. Oscilações cambiais, barreiras sanitárias ou crises econômicas em grandes compradores podem impactar diretamente a cadeia produtiva interna.

Avanço técnico, melhoria da eficiência produtiva e o fortalecimento da imagem do produto brasileiro no exterior são resultados dessa integração global.

A pecuária nacional deixou de ser apenas fornecedora de proteína e passou a atuar como agente competitivo em um mercado globalizado, com padrão de qualidade e rastreabilidade.

O desafio agora é manter equilibrada a balança: manter a competitividade internacional sem comprometer o acesso e a estabilidade do mercado interno. A consolidação do Brasil como exportador é excelente, mas exige políticas consistentes e estratégias de longo prazo que garantam previsibilidade, sanidade e renda ao produtor - e carne acessível ao consumidor.

Alcides Torres

Engenheiro agrônomo, formado na Esalq/USP, Piracicaba/SP. Fundador e CEO da Scot Consultoria. Atua na área de ciências agrárias, análises e consultoria de mercados agropecuários. É analista e consultor de mercado, com atuação nas áreas de pecuária de corte, leite, grãos e insumos agropecuários. É palestrante, facilitador e moderador de eventos conectados ao agronegócio. Atuou como Membro de Conselho Consultivo de empresas do setor e dirige as ações gerais da Scot Consultoria.

Pedro Gonçalves

Engenheiro agrônomo, formado pela FCAV/Unesp, Jaboticabal/SP. Atua na área de ciências agrárias, análises e consultoria de mercados agropecuários. Analista de mercado, com elaboração e realização de análises setoriais e pesquisas nos mercados do boi, carne e mercados internacionais, com enfoque para commodities agrícolas. Técnico da pesquisa-expedicionária “Confina Brasil” e coordenador da equipe de mídias sociais da Scot Consultoria

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