Alcides Torres é engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz" - ESALQ, da Universidade de São Paulo, é diretor-fundador da Scot Consultoria. É analista e consultor de mercado, com atuação nas áreas de pecuária de corte, leite, grãos e insumos agropecuários. É palestrante, facilitador e moderador de eventos conectados ao agronegócio. Membro de Conselho Consultivo de empresas do setor e coordenador das ações gerais da Scot Consultoria.
Jayne Costa é zootecnista, mestre em Aquicultura pelo Centro de Aquicultura da Unesp de Jaboticabal e analista de mercado da Scot Consultoria.
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Artigo originalmente publicado no Broadcast Agro, da Agência Estado, em 29/8/2022.
Ao longo das últimas quatro décadas o agronegócio tem avançado de tal modo que o Brasil se tornou um importante provedor de alimentos para o mundo. Produzindo sempre mais e buscando conquistar novos mercados no exterior, a produção rural tem sido um importante indicador de crescimento econômico brasileiro, respondendo por cerca de 27% do PIB, empregando um a cada três trabalhadores brasileiros¹.
Apesar disso, o setor encara desafios relacionados à sustentabilidade, competitividade e acesso a mercados. Tais desafios, embora influenciados por fatores internos, estão também relacionados à representação (imagem) que temos “lá fora”. É notável a apreensão crescente quanto à conservação e o uso consciente dos recursos naturais no setor agropecuário mundial, visando produzir alimento de qualidade “no hoje”, reduzindo danos ambientais para as gerações que ainda estão por vir, executando um importante papel dentro da eco-socio-economia.
Atender à crescente demanda por segurança alimentar e bioenergia, frente às exigências da comunidade internacional, tem gerado para o agro brasileiro oportunidades de implantar sistemas produtivos intensivos e modernos. A cadeia produtiva da carne bovina, por exemplo, tem se adequado continuamente aos interesses conservacionistas do mercado, reforçando a importância do bem-estar animal, adotando tecnificação dos processos produtivos, com foco na mitigação de gases de efeito estufa (GEEs) e no sequestro de carbono (C).
Quando o boi é apresentado como o principal obstáculo na busca pela neutralidade climática, perde-se muito, desde o consumo no varejo até a credibilidade da cadeia pecuária como um todo. Aproximadamente 77% das emissões de gás metano (CH4) da pecuária de corte estão concentradas nas fases de cria e recria e não nos confinamentos, logo, deve-se questionar se o foco nas quantificações está sendo direcionado para a fase produtiva apropriada. Em futuro não distante, acredita-se que com a harmonização entre melhoramento genético, nutrição e adoção de “manejo inteligente” será possível produzir bovinos mais eficientes, sem explorar novas áreas. A isso dá-se o nome de “poupa terra”. Pontua-se as emissões na agropecuária brasileira devido à baixa participação industrial nessa contabilidade, por se tratar ainda de um país em desenvolvimento, concedendo a China, EUA e UE aproximadamente 46% das emissões mundiais de GEEs.
Ainda assim, há desafios “além da porteira” a superar, sendo preciso rever políticas ambientais e investir na transparência e no marketing positivo quanto à capacidade de conservação do nosso capital natural e, em particular, na preservação da região de maior biodiversidade do planeta e maior bioma do Brasil, a Floresta Amazônica.
Nesse sentido, é necessário combater o desmatamento ilegal, fazendo com que o Brasil assuma naturalmente uma posição de destaque no cenário sustentável global. Em vista disso, instituições de pesquisas em conjunto com a iniciativa privada vêm desenvolvendo estudos, tais como sistemas produtivos integrados que recuperam e intensificam áreas com pastagens destinadas a bovinocultura de corte, nos mais diversos biomas brasileiros.
Planos estão sendo instituídos pelo Estado Brasileiro desde 2010, remodelados no Plano Safra apresentado em junho deste ano, estimulando a implantação de agricultura de baixo carbono (Plano ABC e Plano ABC+) através da inserção de sistemas de integração, como Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), assegurando crédito para financiar projetos que adotem a tecnologia como estratégia para mitigação de GEEs na agropecuária, além de Letra de Crédito do Agronegócio (LCA) para produtores que evidenciem uma produção sustentável.
Contudo, a mitigação de CH4, não é capaz de garantir por si a sustentabilidade do sistema de produção. O que precisa ser resolvido antes de atingir a sustentabilidade e quanto tempo isso poderá levar? O quão sustentável é possível ser? Muitos são os questionamentos ao redor do tema, ressaltando que o excedente de GEEs na atmosfera já existe, em razão disso é necessário drenar mais do que se emite para que a neutralidade seja alcançada, além de combater com austeridade as formas “fugitivas” de emissões.
De acordo com dados da Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), a agricultura pode ser o caminho certo para alcançar o balanço positivo entre a remoção e a emissão de carbono e CH4 (fonte e dreno), além da formação e recuperação de pastagens degradadas, corroborando não apenas para a nutrição animal, mas também trabalhando como potenciais drenos de C para o solo, possibilitando o maior acúmulo de matéria orgânica de qualidade, em maior profundidade, gerando assim um “ciclo virtuoso”.
¹Cepea (2022).
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