Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.
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O termo meio ambiente é uma redundância, pois as duas palavras querem dizer a mesma coisa. O fato é que o termo assim se consagrou e, do mesmo jeito que estamos em seu meio, ele está no meio de nós. Quem eu vi primeiro fazer essa observação foi, meu então colega de Embrapa Gado de Corte, o Dr. Arnildo Pott, que completou dizendo que talvez o “meio” seria porque metade já foi antropizada, ou seja, sofreu ação do homem e não preserva mais suas características originais.
Segundo dados da Embrapa Territorial, no caso do Brasil, a gente teria uma folga de 16 unidades percentuais antes de se enquadrar nessa piada, mas esses 66% de área preservada tem uma participação bastante pesada, pelo tamanho do bioma amazônico, que ainda teria mais do que 64% de área preservada, e do bioma pantanal, o mais preservado, com 84%. O Cerrado, a Caatinga e, especialmente, a Mata Atlântica puxam a média para baixo.
Sendo um dos maiores produtores de alimentos do mundo, conservar ainda área tão expressiva é um grande feito. Graças aos avanços tecnológicos na produção agropecuária e a incorporação deles pelos produtores foi possível crescer verticalizando a produção, o que evitou a abertura de extensas áreas. Felizmente, esse modelo não se esgotou e temos boas chances de continuar esse caminho virtuoso e, portanto, conciliar ainda grandes aumentos de produção sem necessidade de abertura de novas áreas.
A manutenção da maior área preservada possível não é um capricho, mas um imperativo para manter um ambiente propício à vida. Inclusive é preciso reconhecer que não existe brasileiro mais dependente de um ambiente equilibrado no país do que o produtor rural, pois sua atividade depende da regularidade das chuvas, de temperaturas que não fujam muito de determinada faixa e de não haver eventos climáticos extremos, como tempestades, ciclones, geadas etc., sem contar uma infinidade de outros serviços ecossistêmicos providos pelas áreas naturais.
Neste texto, vamos abordar dez pontos que, ao mesmo tempo, ajudam a manter o ambiente em forma e garantem ou ajudam a produzir melhor:
Deve-se evitar ao máximo deixar o solo descoberto, pois as perdas de solo por erosão são grandemente evitadas pela cobertura vegetal. Quando o solo está nu, a gota de chuva o atinge diretamente e com energia suficiente para destruir sua estrutura. É essa porção desestruturada, transformada em pequenas partículas, que vai embora com a enxurrada. Um experimento simples e revelador para os mais curiosos verem como esse processo é intenso, é colocar, antes da chuva, uma moeda sobre o solo nu e, depois que ela passar, observar a diferença entre a área protegida pela moeda e seu entorno. Evidentemente que a intensidade da chuva, o tipo de solo e seu grau de estruturação vão fazer o efeito mais fácil de perceber ou não. Seja qual for o caso, muito provavelmente o observador ficará convencido da importância da proteção do solo das gotas de chuva. De forma geral, devem-se procurar práticas de cultivo mínimo, como o plantio direto e, no caso de pastagens, evitar o superpastejo. Aliás, pastagem é um caso interessante, pois pode ser a situação em que menos há erosão, quanto bem manejada, mas, quanto mal manejada passa a ser a situação de maior perda de solo. Bom lembrar que, além do desastre de perder as porções mais ricas do solo, os prejuízos se multiplicam ao piorar a qualidade da água dos corpos d´água e promover o assoreamento desses.
Como visto acima, a prática conservacionista de solo mais importante está ligada ao manejo da produção, mas em muitas situações ela deve ser complementada por práticas adicionais e, uma delas, é o terraceamento, tão mais importante quanto mais declivosa for a área. O terraço atua reduzindo a velocidade da enxurrada e, portanto, a energia para arrastar as partículas de solo. Ao mesmo tempo, com a enxurrada mais lenta, há uma maior chance de infiltração da água no solo, ou seja, menos erosão e mais umidade para o solo sob a pastagem ou cultura. Uma interessante animação com um passo a passo para fazê-lo produzido pelos colegas da Embrapa Tabuleiros Costeiro pode ser acessada aqui.
As duas dicas anteriores envolvem solo e água e essa dupla realmente está na base da produção agropecuária. A água muito mais fácil de notarmos sua importância por experiências de escassez. Algo que valoriza demais uma propriedade é sua abundância em água. Assim, ter nascentes é uma grande sorte e cuidar dos pontos de captação de água é fundamental. Pelo nosso Código Florestal, nascentes são consideradas áreas de preservação permanente e devem ser protegidas. O interessante é que, para aqueles produtores que tinham nascentes sem os devidos cuidados e, para se adequar à lei, as cercaram e deixaram a vegetação natural retornar, tiveram a grata surpresa de verem o volume de água aumentar, melhorando o suprimento hídrico da fazenda. A recompensa por tratar bem as nascentes é grande. Informações interessantes sobre nascente e os cuidados com elas estão disponíveis aqui.
Além das áreas de preservação permanente, como as nascentes e outras, as propriedades rurais no Brasil são obrigadas, também pelo nosso Código Florestal, a manterem uma área como reserva legal, que pode variar de 20%, nas regiões Sul e Sudeste, até 80% na região Norte. Ainda que seja uma limitação produtiva, o que parece que foi compreendido é que a reserva legal não é um luxo, mas fundamental para que tenhamos os serviços ambientais que essas áreas nos prestam: recarga de aquíferos, regulação do clima, equilíbrio biológico etc.. Para os produtores que precisam restaurar áreas desmatadas, há um vídeo interessante em que o professor da ESALQ-USP Ricardo Rodrigues e o diretor do Instituto de Botânica de São Paulo Luiz Mauro Barbosa comentam sobre metodologia desenvolvida por eles que é mais rápida e mais barata pode ser acessada aqui. Um aspecto fundamental da técnica desenvolvida por eles é, imitando a natureza, aumentar a diversidade de árvores plantadas. A biodiversidade está no âmago do equilíbrio ecológico e, junto com a formação de contínuos de mata, são chave para manutenção de um ambiente saudável e resiliente. Por fim é importante lembrar que, ao contrário do que muitos acreditam, atividades econômicas podem ser realizadas em área de reserva legal, desde que aprovado antecipadamente pelos órgãos estaduais de controle ambiental. Evidentemente que as opções são restritas, mas até o corte seletivo de árvores é possível, desde que o plano de manejo seja aprovado e seguido à risca.
As matas ciliares têm esse nome por, assim com os cílios protegem nossos olhos, as árvores da mata protegem os corpos d´água limítrofes. As matas ciliares retêm sedimentos das áreas de produção, melhoram a retenção de água, evitam o desbarrancamento, o que reduz o assoreamento, e ajudam a manter a vazão do rio ou o nível das lagoas e reservatórios. Mantê-las é uma obrigação legal e suas dimensões são dadas de acordo com as dimensões dos corpos d´água, conforme a tabela abaixo:
Situação | Largura Mínima da Faixa |
Rios com menos de 10 m de largura | 30 m em cada margem |
---|---|
Rios com 10 a 50 m de largura | 50 m em cada margem |
Rios com 50 a 200 m de largura | 100 m em cada margem |
Rios com 200 a 600 m de largura | 500 m em cada margem |
Rios com largura superior a 600 m | 500 m em cada margem |
Nascentes | Raio de 50 m |
Lagos ou reservatórios em áreas urbanas | 30 m ao redor do espelho da água |
Lagos ou reservatórios em zona rural, com área menor que 20 ha | 50 m ao redor do espelho da água |
Lagos ou reservatórios em zona rural, com área igual ou superior a 20 ha | 100 m ao redor do espelho da água |
Represas de hidrelétricas | 100 m ao redor do espelho da água |
Fonte: Recuperação de Matas Ciliares
Outra importante função das matas ciliares é que, ao acompanharem os rios, elas ajudam na ligação dos fragmentos de mata que se conectam pelos rios e, portanto, formando contínuos de mata. Isso é fundamental para a circulação de animais e, através desses, de sementes de plantas entre os fragmentos, o que garante a manutenção de diversidade genética. Quando, por exemplo, uma determinada população de seres vivo fica restrita a uma área, pela falta dessa ligação com outras, o cruzamento contínuo entre seus membros causa o fenômeno conhecido como endogamia que deixa a população mais sujeita a problemas genéticos e menos resistentes, como população, às doenças.
Como visto nos exemplos anteriores, a biodiversidade é uma das forças da natureza que garante seu funcionamento mais harmonioso e maior capacidade de suportar perturbações. Por isso, fazendas que tenham as áreas de reserva legal bem estabelecidas, áreas de preservação permanente bem cuidadas e atividades econômicas variadas, da mesma forma, conseguem maiores sinergias entre elas e costumam ser mais resilientes às intempéries, sejam elas naturais ou de mercado. Os sistemas integrados integração-lavoura-floresta são um bom exemplo. Além das diversas sinergias, como melhor aproveitamento de mão de obra, aumentos de produtividade, há melhora no fluxo de caixa e sentem-se menos as crises em cada atividade, pois dificilmente, por exemplo, ocorrerá de grãos, carne e madeira estarem simultaneamente em baixa. Aqui é importante balancear foco em atividades principais, sem perder oportunidades de novas atividades, incluindo aquelas que eventualmente possam ser realizadas em áreas de reserva legal e preservação permanente.
Na linha de aproveitar opções mais naturais, o controle biológico de pragas já é uma realidade, com bons resultados em várias situações. É excelente que ele esteja sendo cada vez mais adotado, pois, além de não deixar resíduos, ele costuma ser mais barato e, por manter inimigos naturais de outras pragas, muitas vezes eliminados pelo uso de produtos convencionais, mantêm o ambiente mais equilibrado e com menores chances de outras infestações. Uma de suas características é que as condições ambientais (umidade, temperatura vento etc.), a fase (ou tempo) em que tem que ser usado e outros detalhes são mais importantes do que para os produtos convencionais. Ou seja, pode haver uma maior necessidade de gestão na aplicação de produtos naturais para que se tenha benefício em seu uso. Felizmente, pelo aumento de seu uso, percebe-se que esse trabalho extra costuma ser recompensado. Além disso, cada vez apura-se mais as tecnologias com soluções interessantes como uso de drones para soltura de inimigos naturais. Importante sempre procurar se informar sobre as opções, suas vantagens e detalhes sobre suas limitações. A cada novo uso bem-sucedido, o ambiente e seu bolso agradecem.
Não existem tratamentos naturais eficazes para a maioria das necessidades e, assim, temos que usar produtos convencionais. Felizmente, há toda uma regulamentação para que alguém comercialize esses produtos. Desde que se faça um uso seguindo as recomendações do fabricante ou dos profissionais habilitados na área em questão, os benefícios do uso superam os riscos. Os maiores erros são uso de superdosagens, que aumenta chance de intoxicação e de excesso de resíduos no ambiente, e subdosagem, quando não se resolve o problema, sendo necessário novo uso, com todos os custos e a soma dos resíduos das duas aplicações. Falhas podem também estar relacionadas ao uso de produtos fora da validade, mal conservados, aplicados de forma incorreta ou sem necessidade, por erro de diagnóstico. Outro problema relacionado às subdosagens ou má aplicação é a predisposição à resistência ao princípio ativo. Por fim, muito importante dar o descarte adequado para produtos fora da validade, embalagens vazias etc. No caso de defensivos agrícolas o Brasil tem um sistema exemplar e basta levar as embalagens vazias depois de feita a tríplice lavagem para postos de coleta. No caso dos medicamentos, hoje, as revendas precisam, por lei, receber os descartes e dar a devida destinação.
Um setor em que o Brasil pode melhorar muito é o da reciclagem de lixo. Conheço algumas propriedades que fazem um esforço para fazer a reciclagem do lixo de todos seus moradores, com resultados muito interessantes. O primeiro deles é conseguir algum recurso com a venda de recicláveis que retorna ao indivíduo que se deu ao trabalho de segregar o material passível de reciclagem. O outro, ainda mais importante, é que a iniciativa aguça o sentido das pessoas para ações simples que são muito relevantes do ponto de vista da sociedade e do ambiente, promovendo uma maior conexão entre as pessoas e o meio que as cerca. Enfim, algo útil, mas que, além disso, desperta uma vontade de fazer mais e amplia a consciência ecológica das pessoas.
Por fim, ter mente aberta para cada um dos pontos acima é muito importante. Por vezes ainda há resistência, na crença de alguns que muitas dessas preocupações seriam “poesia” ou “coisas de sonhadores”. Para essas pessoas, vale lembrar que o plantio direto, hoje uma das práticas de maior sucesso do ponto de vista agronômico e ambiental, já foi vista assim, e mais do que isso, que haveria aumento de pragas e doenças e o fracasso seria inevitável. Para mim, esse caso guardou um dos melhores exemplos que tive durante minha formação profissional, lá pelos idos do final dos anos 1980, em um seminário na minha escola: presenciar um dos maiores expoentes da ESALQ/USP, o Prof. Eurípedes Malavolta, humildemente reconhecer que ele foi um dos que fez julgamento apressado e errado quanto ao plantio direto. Na verdade, são dois bons exemplos: humildade, por publicamente reconhecer o erro e se desculpar, mas igualmente um exemplo sobre devermos dar chance ao inovador, olhando seus resultados efetivos sempre com rigor, mas sem preconceitos.
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