Engenheiro agrônomo e mestre em solos e nutrição de plantas pela ESALQ-USP. Com atuação profissional desde 1985 em pesquisa e desenvolvimento em sistemas de produção agrícola em empresas nacionais e multinacionais, trabalhou por 24 anos na geração dos principais herbicidas para pastagens hoje no mercado. Atualmente, é consultor independente, fundador da NTC ConsultAgro, focado no manejo da vegetação em pastagens, reflorestamentos e áreas não agrícolas.
Foto: Scot Consultoria
Por diversas vezes em meus textos ao longo do último ano, tive oportunidade de mencionar esse termo que intitula nosso artigo deste mês, e por conta de sua importância, cabe aqui aprofundarmos nossa discussão exclusivamente sobre esse tema.
Em outras disciplinas da Agronomia, como na Entomologia: o estudo dos insetos e pragas; ou na Fitopatologia: o estudo das doenças causadas por fungos e bactérias nos vegetais, se encontra o termo “Manejo Integrado”. MIP para o Manejo Integrado de Pragas, e MID para o Manejo Integrado de Doenças. Com as plantas daninhas não é diferente, há o MIPD, Manejo Integrado de Plantas Daninhas. De modo geral, o Manejo Integrado de insetos, doenças ou plantas daninhas engloba um conjunto de práticas e conhecimentos, que levam em conta todos os fatores envolvidos em cada área, de forma holística, cientes das interações entre cada componente da equação e, principalmente, entendendo e respeitando a lei de ação e reação do ecossistema, onde cada operação que o homem interfere nos sistemas de produção há uma reação direta da natureza no sentido de equilibrá-la.
Quando se fala em programa de controle de plantas daninhas em pastagens, de certo modo poder-se-ia entender “Manejo Integrado de Plantas Daninhas”, mas, a meu ver, o termo “manejo” é um pouco mais abrangente, envolvendo também práticas culturais, e como meu foco se atém mais ao termo “controle” para as plantas daninhas, prefiro defini-lo por “Programa de Controle de Plantas Daninhas”.
Restringindo nosso olhar para as espécies de plantas daninhas que povoam as pastagens, partimos do princípio de que, em todo ambiente, coexistem um número maior ou menor de espécies, mas incontestavelmente diverso, ocorrendo indivíduos de fácil controle foliar, outros um pouco mais difíceis, outros muito difíceis de controlar via foliar, e outras espécies que só através de aplicações no toco ou basal que têm seu controle viabilizado. Essa diferença em susceptibilidade dos indivíduos aos tratamentos herbicidas consequentemente nos levará a diversas recomendações para a mesma área, cada uma voltada para espécies específicas, ou grupos de espécies. Cientes dessa diversidade na área, com múltiplas recomendações, o mais adequado é identificar o grau de infestação da área e a importância que cada espécie representa no complexo de plantas invasoras.
Primeiramente identifica-se quanto da cobertura vegetal da pastagem corresponde a plantas daninhas, podendo-se seguir o seguinte parâmetro para quantificar as infestações:
- Até 20-25%: infestação baixa;
- De 30 a 50%: infestação média;
- De 50 a 70-75%: infestação alta;
- Acima de 75%: infestação muito alta.
Num segundo passo, se quantifica, dentro dessa infestação total, o peso que cada espécie, ou grupo de espécies, representa. A esse grupo de espécies que podem ser agrupadas, refiro-me à similaridade em termos de susceptibilidade aos herbicidas e recomendação para controle.
O Programa de Controle de Plantas Daninhas na pastagem visa o estabelecimento de uma estratégia para o combate dessas invasoras ao longo do tempo, obedecendo um planejamento de acordo com a época do ano, a infestação das áreas, a capacidade de investimento do pecuarista, disponibilidade e custo local de mão de obra, e necessidade e capacidade de lotação das pastagens. Não se tem a pretensão de controlar todas as plantas num único momento, mas estabelece-se um calendário onde cada área receberá uma intervenção, seja em aplicação foliar de herbicidas em área total, localizada, no toco ou basal, dependendo de cada fator acima citados.
Esse planejamento de controle, ou mais especificamente, Programa de Controle, é estabelecido obedecendo uma lógica na recomendação para controle dos alvos, da dinâmica de manejo de entrada e saída dos animais nas pastagens, e da viabilidade econômica, tanto da recomendação técnica em si, como do fluxo de caixa da empresa rural.
Um exemplo hipotético
Imaginemos uma pastagem onde se identifica uma infestação de 60% por plantas daninhas. Esses 60% são compostos por: 30% de guanxumas, malvas, joás e anileira, ou seja, plantas de possível controle foliar em área total; 10% de plantas moles, como fedegoso-branco, canela-de-perdiz, erva-quente etc., plantas de fácil controle foliar; 10% com plantas lenhosas, arbóreas e arbustivas, como: leiteiro, canela-de-velho, lobeira, de difícil mas possível controle foliar; e 10% restantes composto por plantas duras, como: lixeira, ciganinha, ipê-tabaco, cujo controle só é possível com aplicação no toco ou basal.
Primeiramente, o nível de infestação de 60% nos indica a inviabilidade de uma aplicação foliar exclusivamente localizada, ou em catação, pois o número de indivíduos a ser tratado é excessivo para essa modalidade de aplicação, o que nos direciona para uma aplicação de herbicidas em área total, seja tratorizada ou aérea, caso a localidade permita. E qual seria a recomendação considerando-se um complexo de 30% de plantas herbáceas, 10% de plantas moles, 10% de plantas arbustivas e arbóreas e 10% de pragas duras? Cada uma tem uma recomendação diferente.
Analisando inversamente, em temos de “dureza” das plantas:
- 10% de pragas duras não são controladas em aplicação foliar. A recomendação seria tratamento no toco ou basal, em qualquer época do ano;
- 10% de plantas lenhosas, arbustivas e arbóreas poderiam ser controladas por tratamentos foliares em área total, mas necessitam de tratamentos de mais alto valor, aliada à baixa representatividade do complexo de infestantes. Essas também poderiam ser controladas por aplicação foliar localizada no período chuvoso, ou toco, ou basal, em qualquer época do ano;
- 30% de plantas herbáceas, que são as mais representativas no conjunto da infestação, e que apresentam bom controle quando em tratamentos foliares de herbicidas em área total, a um custo bastante razoável, e com ampla gama de opções oferecidas pelo mercado;
- 10% de plantas moles, que têm seu controle por inúmeros tratamentos foliares baratos, contudo, esses tratamentos não são efetivos no controle das plantas herbáceas, anteriormente citadas.
Uma recomendação bastante razoável para o exemplo acima, dentro de um Programa de Controle de Plantas Daninhas em Pastagens, poderia ser:
- Tratamento foliar em área total no período de primavera/verão, idealmente primavera para se ter todo período posterior à aplicação com boas condições climáticas para máxima recuperação da pastagem. O tratamento deve ser direcionado para as plantas herbáceas com maior representatividade, 30%, e que controlarão com folga os 10% de plantas moles. Assim promovemos o controle aproximado de 2/3 da infestação presente (40% de 60% total);
- Seguido de tratamento no toco, ou basal, de todos os 20% de alvos restantes da área no outono/inverno, ou até mesmo no próximo período chuvoso;
Ou,
- Tratamento foliar acima descrito no período úmido e quente;
- Tratamento no toco, ou basal, dos 10% de pragas duras no outono/inverno;
- Tratamento foliar localizado nos 10% de plantas arbustivas e arbóreas no seguinte período chuvoso, fazendo possíveis catações de alvos mais fáceis que escaparam da primeira aplicação.
Só neste exemplo já temos dois esquemas possíveis de escalonamento de ações, o que reforça que normalmente não existe uma única resposta correta para um dado problema, tratando-se de plantas daninhas em pastagens.
Imagine no exemplo dado se fizermos uma recomendação baseada nas plantas de fácil controle. O tratamento será mais barato, porém será efetivo apenas nesses alvos. Não fará nada nas plantas duras e lenhosas, arbustivas e arbóreas, e apenas promoverá desfolha, ou certo estresse, em algumas espécies herbáceas mais difíceis. No próximo período úmido, a condição de infestação será provavelmente similar a encontrada no momento inicial.
Se direcionarmos nosso tratamento para as plantas do terceiro grau de dureza, os 10% de plantas lenhosas arbustivas e arbóreas, cuja efetividade foliar em área total é até possível, teremos neste tratamento o mais que suficiente para o controle de todas as demais espécies moles e herbáceas, só sobrarão as plantas de difícil controle, alvos posteriores a qualquer momento de ações no toco, ou basal, mas terá um custo bastante alto se apenas direcionado para as plantas herbáceas, como as guanxumas, joás etc. Mas fica aí um ponto para reflexão: será que o custo maior não compensa a eliminação da mão de obra e demais gastos da aplicação num segundo momento desses alvos intermediários, seja no toco/basal no outono/inverno, ou foliar localizado no próximo verão? Dependendo da disponibilidade de caixa para investimento, carência de mão de obra para tratamentos localizados, ou necessidade de recuperação rápida da pastagem, também pode ser uma estratégia interessante.
Como dito no início, não se deve ter por objetivo uma aplicação de um tratamento que num único momento resolva 100% dos problemas de plantas daninhas das pastagens. Deve-se administrar a expectativa de controle, e por vezes até a ansiedade, em não ver tudo sendo controlado. Algumas vezes, o controle de 50-60% de determinados alvos é um resultado espetacular. Imagine que a totalidade teria que ser tratada no toco ou basal, ao passo que numa aplicação em área total se viabilize esse nível de controle e, posteriormente, se tenha apenas metade, ou algo parecido, para esta lenta e cara modalidade de controle, que fantástico seria.
Cabe ao pessoal técnico que realiza a prescrição dos tratamentos que estabeleça de forma clara e objetiva, junto ao pecuarista, essa expectativa de controle para cada alvo presente na área. Seja direto: meu tratamento dará 100% de controle nas espécies x e y; podemos esperar de 70 a 80% de controle nesta espécie, e essa outra espécie dura não controlará nada, e será alvo de repasse no toco, ou basal, posteriormente. Desde que o resultado atinja o antecipadamente prometido, o pecuarista ficará feliz e satisfeito, e encorajado para avançar no controle de invasoras de novas áreas.
Nesse ponto aproveitamos para reforçar a necessidade de técnicos com o adequado conhecimento da performance de seus produtos sobre a flora regional, fazendo recomendações precisas de tratamentos sem surpresas posteriores, tanto no controle sobre os alvos como na seletividade às pastagens.
O conceito do Programa de Controle é válido tanto para plantas de folhas largas, que mais tradicionalmente infestam as pastagens desde sempre, e que foram alvo dos exemplos aqui citados; até os mais recentes problemas relativos a invasoras de folhas estreitas, como: capim-navalha, capim-capeta, capim-rabo-de-burro etc., que inclusive foram tema de nosso último artigo nesse veículo, em outubro de 2020, onde mostramos que seus controles numa única aplicação é praticamente impossível, e o raciocínio do Programa de Controle totalmente aplicável também nesse caso.
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