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Scot Consultoria

Contra a maledicência, transparência!


Sexta-feira, 27 de outubro de 2017 - 14h30

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.


Foto: Scot Consultoria

 


Moro em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, há 15 anos e, das coisas da cidade que gosto, está o aeroporto.  Para embarcar, com apenas alguns metros de caminhada, vencemos o caminho da entrada até o avião. Na volta, as malas chegam quase junto conosco na sala de embarque. Até pouco tempo, porém, as malas iam para a esteira sem que a gente visse o trabalho das pessoas as retirando da carretinha. Até que um dia, alguém teve a iluminada ideia de quebrar as paredes e colocar vidros no lugar. Alguém duvida que isso fez o pessoal ser mais “gentil” com as malas?


Não tenho as estatísticas, mas é bem capaz que essa modesta solução tenha reduzido muito as reclamações dos passageiros sobre malas danificadas. A transparência do vidro garante que o trabalho seja fiscalizado pelos maiores interessados e que o provedor do serviço fique sob esse escrutínio.


Essa situação remete a outra forma de transparência bem conhecida: aquela plaquinha no restaurante escrito “VISITE NOSSA COZINHA”. Um fato engraçado é que raramente vejo alguém aceitar o convite. Acho que, quanto mais a gente gosta do lugar, menos inclinados estamos a conhecer os bastidores. Há sempre o risco de descobrir que ela pode ser suficientemente comprometedora a ponto de tirar mais um restaurante preferido da lista.


Se no primeiro exemplo, a transparência resolveu um problema, no segundo, chama a atenção para o fato que ter a transparência como aliada comercial implica em fazer muito bem o dever de casa. Manter uma cozinha funcionando a todo vapor e tinindo aos olhos dos curiosos é um desafio a ser vencido com planejamento, trabalho e, acima de tudo, constância.


Seria interessante saber quantas fazendas poderiam colocar, sem medo das críticas, uma placa semelhante, convidando os interessados a conhecerem suas instalações e métodos de trabalho. Pode parecer meio despropositada a comparação entre o restaurante e a fazenda, mas o fato é que o consumidor, cada vez mais, quer informações de onde vem sua comida e como ela é produzida.


Parece ser uma boa ideia se adiantar a esta tendência, preparando-se para poder ser “vistoriado”, não só para estar preparado com antecedência, mas porque a movimentação para atingir o objetivo está alinhada com a adoção de procedimentos que ajudam a trabalhar melhor e ter melhor eficiência.


Dessa maneira, fazer o dever de casa na fazenda para poder dar transparência a ela “sem medo de ser feliz” não seria exatamente um fim, mas a cereja do bolo, a coroação por um trabalho de organização e ganho de eficiência.


Ainda que não o fim em si mesmo, ter orgulho de mostrar a fazenda por seguir boas práticas de produção pode ser usado como o indicador do sucesso na organização e motivo para manter os processos afiados.


Coletivamente, a vantagem para que haja um movimento de muitos produtores a atingirem essa condição é que o setor é constantemente bombardeado por inúmeros lados sejam ambientalistas, protetores dos direitos animais, vegetarianos, etc. Recentemente, dois programas da TV fechada colocaram a pecuária como vilã, um dos quais só tomei conhecimento por conta da reação de colegas do setor.


Quando esses ataques acontecem, é comum haver algum revide e uma cobrança para respostas tão duras quanto possível. Ainda que seja difícil ignorar esses ataques, é preciso refletir se partir para a briga realmente é a estratégia mais inteligente.


O primeiro ponto a se considerar é que muitas vezes o público para quem se destina a mensagem original já tem opinião formada e, por mais que sejam usados nossos melhores argumentos para rebatê-la, prevalecerá a ideia, na melhor das hipóteses, que os dados positivos que falamos é da exceção e não a regra. Na pior das hipóteses, que nada que falamos é verdade.


O segundo ponto é que nestas situações é comum prevalecer a resposta dada com o “fígado” e não com o “cérebro”, o que aumenta a animosidade da situação e pode piorar ainda mais a visão da sociedade sobre o setor. Neste particular, ajuda muito exercer a empatia, ou seja, colocar-se no lugar do outro. Uma pessoa que é contra a pecuária por ser contra a morte de animais age assim pelo bom princípio de se preocupar com o sofrimento de outro ser vivo. Por mais que eu não concorde com ela, afinal, animais de criação existem como fim de alimentar as pessoas e não os matamos por crueldade, sua posição deve ser respeitada. Ao me esforçar para tentar ver o mundo com os olhos dela, sou muito mais capaz de estabelecer um diálogo que nos traga a um ponto de convivência pacífica ou, até, convencê-la que ela pode continuar sensível ao sofrimento animal e comer carne.


Por fim, e o mais importante, é que ao respondermos estamos dando eco e, portanto, ampliando a mensagem negativa, fazendo-a a alcançar ainda mais pessoas, sendo a maioria desconhecedora da realidade do campo e provavelmente também com ideias pré-formadas. No final das contas, as pessoas que acabam gostando das respostas dadas neste caso são pessoas ligadas ao setor, naquela situação inútil de “pregar para convertidos!”


De forma alguma, contudo, devemos ficar inertes aos ataques. A melhor alternativa, então, é não perder oportunidade para divulgar notícias positivas do setor e, dentro de cada unidade produtiva, tentar aplicar as melhores práticas produtivas, procurando o tripé da sustentabilidade: (1) ser economicamente viável, (2) socialmente justa e (3) ambientalmente correta.


Programas, como o Boas Práticas Agropecuárias - Bovinos de Corte, estão disponíveis para ajudar o pecuarista a trilhar esse caminho. Sendo bem-sucedido em sua adoção, ajuda a melhorar vários aspectos das propriedades e permite com que seja possível a colocação da placa “Visite a nossa fazenda” e esperar, com orgulho, que alguém aceite o convite.


Podemos e devemos manter uma agenda positiva da pecuária, cantando em prosa e verso nossos feitos, a importância do setor para economia do país, os milhões de empregos, a produção feita predominantemente de forma mais natural em pastagens e a oferta de proteína de alto valor biológico acessível à população. Nada melhor, porém, do que poder abrir as portas para quem quiser ver. Contra a maledicência, nenhum antídoto é mais poderoso que a transparência!



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