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Ecos do Passado


Terça-feira, 1 de dezembro de 2015 - 14h00

Problemas sociais - soluções liberais
Liberdade política e econômica. Democracia. Estado de direito. Estado mínimo. Máxima descentralização do poder.


Leio no jornal "O Globo" que mais de dois terços dos deputados americanos aprovaram uma lei que visa a dificultar o programa do presidente Barack Obama de receber até dez mil refugiados sírios nos Estados Unidos este ano. A iniciativa dos republicanos, que contou com o apoio de inúmeros democratas, foi tomada como resposta aos atentados de Paris, e o objetivo declarado é evitar a entrada de terroristas infiltrados.


Se os congressistas americanos conhecessem um pouco melhor a sua própria história, talvez essa lei lamentável (e possivelmente trágica) não tivesse sido aprovada.


Em 13 de maio de 1939, o transatlântico alemão St. Louis partiu de Hamburgo com destino a Havana, Cuba. A bordo, 937 passageiros, quase todos judeus alemães fugindo do Terceiro Reich.


A maioria dos passageiros havia solicitado vistos americanos e planejava ficar em Cuba somente até que pudesse entrar nos Estados Unidos. Porém, depois que o St. Louis zarpou, as condições políticas em Cuba mudaram. A viagem atraiu grande atenção da mídia, mesmo antes de sua saída de Hamburgo. Jornais cubanos de direita lamentaram a sua chegada iminente e exigiram que o governo cubano parasse de admitir refugiados judeus, devido a possíveis infiltrações comunistas e anarquistas entre eles. Miravam, evidentemente, o inimigo errado, como ficaria claro 20 anos depois.


Depois de Cuba haver negado a entrada dos refugiados, a imprensa ocidental divulgou a história para milhões de leitores em todo o mundo, em especial nos Estados Unidos, onde pesquisas de opinião indicavam, com larga margem, que a maioria dos americanos era contra o eventual asilo.


Ao deixar Havana, o St. Louis navegava agora perto da costa da Flórida. Inconformados por ter de voltar à Europa, alguns passageiros telegrafaram ao presidente Franklin D. Roosevelt pedindo refúgio, mas nunca obtiveram resposta. Um telegrama do Departamento de Estado, enviado a um dos passageiros, afirmava, burocraticamente, que todos os candidatos deveriam esperar a sua qualificação na lista de espera. O Departamento de Estado e a Casa Branca tinham decidido não tomar medidas extraordinárias para permitir que os refugiados entrassem nos Estados Unidos.


Oficialmente, a desculpa para recusar os imigrantes foi a crise econômica, mas sabia-se que a política isolacionista americana, então endossada pala maioria dos seus cidadãos, não pretendia melindrar o Führer. Por outro lado, se hoje os americanos temem a entrada de terroristas do EI, naquela época havia o medo (bastante real) de que, entre os alemães, houvesse espiões de Hitler.


Na sequência, o St. Louis navegou de volta para a Europa. Os passageiros, no entanto, não retornaram à Alemanha: 288 foram aceitos pela Grã-Bretanha, a Holanda admitiu 181, a Bélgica ficou com 214 e 224 encontraram refúgio na França. Dos refugiados admitidos pela Grã-Bretanha, todos sobreviveram à Segunda Guerra, exceto um, que foi morto durante um ataque aéreo em 1940. Dos 620 passageiros que retornaram ao continente, 87 conseguiram emigrar antes da invasão alemã e 532 foram presos pelos alemães durante a ocupação. Desses, pouco mais da metade (278) sobreviveu ao Holocausto. Os demais 254 morreram nos campos de concentração nazistas.


Claro, existem enormes diferenças históricas e contextuais entre o passado e agora. Mas, como frisou recentemente Dana Milbank, é difícil ignorar os ecos do passado quando confrontados com essa verdadeira sanha xenofóbica do presente.


Por João Luiz Mauad



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