• Segunda-feira, 10 de novembro de 2025
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Ecos do Passado

EUA querem aprovar lei para dificultar entrada de refugiados da guerra síria.


Leio no jornal "O Globo" que mais de dois terços dos deputados americanos aprovaram uma lei que visa a dificultar o programa do presidente Barack Obama de receber até dez mil refugiados sírios nos Estados Unidos este ano. A iniciativa dos republicanos, que contou com o apoio de inúmeros democratas, foi tomada como resposta aos atentados de Paris, e o objetivo declarado é evitar a entrada de terroristas infiltrados.

Se os congressistas americanos conhecessem um pouco melhor a sua própria história, talvez essa lei lamentável (e possivelmente trágica) não tivesse sido aprovada.

Em 13 de maio de 1939, o transatlântico alemão St. Louis partiu de Hamburgo com destino a Havana, Cuba. A bordo, 937 passageiros, quase todos judeus alemães fugindo do Terceiro Reich.

A maioria dos passageiros havia solicitado vistos americanos e planejava ficar em Cuba somente até que pudesse entrar nos Estados Unidos. Porém, depois que o St. Louis zarpou, as condições políticas em Cuba mudaram. A viagem atraiu grande atenção da mídia, mesmo antes de sua saída de Hamburgo. Jornais cubanos de direita lamentaram a sua chegada iminente e exigiram que o governo cubano parasse de admitir refugiados judeus, devido a possíveis infiltrações comunistas e anarquistas entre eles. Miravam, evidentemente, o inimigo errado, como ficaria claro 20 anos depois.

Depois de Cuba haver negado a entrada dos refugiados, a imprensa ocidental divulgou a história para milhões de leitores em todo o mundo, em especial nos Estados Unidos, onde pesquisas de opinião indicavam, com larga margem, que a maioria dos americanos era contra o eventual asilo.

Ao deixar Havana, o St. Louis navegava agora perto da costa da Flórida. Inconformados por ter de voltar à Europa, alguns passageiros telegrafaram ao presidente Franklin D. Roosevelt pedindo refúgio, mas nunca obtiveram resposta. Um telegrama do Departamento de Estado, enviado a um dos passageiros, afirmava, burocraticamente, que todos os candidatos deveriam esperar a sua qualificação na lista de espera. O Departamento de Estado e a Casa Branca tinham decidido não tomar medidas extraordinárias para permitir que os refugiados entrassem nos Estados Unidos.

Oficialmente, a desculpa para recusar os imigrantes foi a crise econômica, mas sabia-se que a política isolacionista americana, então endossada pala maioria dos seus cidadãos, não pretendia melindrar o Führer. Por outro lado, se hoje os americanos temem a entrada de terroristas do EI, naquela época havia o medo (bastante real) de que, entre os alemães, houvesse espiões de Hitler.

Na sequência, o St. Louis navegou de volta para a Europa. Os passageiros, no entanto, não retornaram à Alemanha: 288 foram aceitos pela Grã-Bretanha, a Holanda admitiu 181, a Bélgica ficou com 214 e 224 encontraram refúgio na França. Dos refugiados admitidos pela Grã-Bretanha, todos sobreviveram à Segunda Guerra, exceto um, que foi morto durante um ataque aéreo em 1940. Dos 620 passageiros que retornaram ao continente, 87 conseguiram emigrar antes da invasão alemã e 532 foram presos pelos alemães durante a ocupação. Desses, pouco mais da metade (278) sobreviveu ao Holocausto. Os demais 254 morreram nos campos de concentração nazistas.

Claro, existem enormes diferenças históricas e contextuais entre o passado e agora. Mas, como frisou recentemente Dana Milbank, é difícil ignorar os ecos do passado quando confrontados com essa verdadeira sanha xenofóbica do presente.

Por João Luiz Mauad

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