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Scot Consultoria

Onde a demanda cresce, cresce o risco de surtos


Quarta-feira, 22 de janeiro de 2014 - 15h22

Médico Veterinário pela UFMS – Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, mestrando em Administração de Organizações na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEA-RP/USP). Consultor de mercado. Coordenador da divisão de couro e sebo. Coordenador da divisão de consultoria a revendas agropecuárias. Coordenador da divisão de reprodução animal. Editor chefe do informativo Boi & Companhia.


Zoonoses - doenças transmitidas de animais para pessoas - parecem estar se tornando mais sérias. É difícil ter certeza, desde a grande queda na mortalidade após 1950, as comparações se tornaram mais difíceis. Mas de acordo com Delia Grace, do Instituto Internacional de Pesquisa Pecuária, de Nairóbi, zoonoses causam um quinto das mortes prematuras em países pobres. As treze mais severas, incluindo brucelose e leptospirose (doenças bacterianas transmitidas por fluidos corporais), assim como a tuberculose bovina e raiva, geram 2,4 bilhões de casos e 2,2 milhões de mortes ao ano, mais que o HIV e a diarreia.

A proximidade dos humanos com os animais e a sinergia existente traz alguns custos. As zoonoses podem ser consideradas um deles. A seguir estão algumas considerações sobre as doenças citadas.

A transmissão da brucelose para o humano pode ocorrer pelo consumo de leite de animais doentes, que não passou por processo de pasteurização ou UHT (processamento por temperatura ultra alta). Também ocorre a infecção pelo contato direto com animais infectados, o que demanda cuidado especial, principalmente de produtores e técnicos.

A tuberculose é contraída de diversas maneiras, incluindo o consumo de carne e leite contaminados. Assim como a brucelose, o controle profilático é feito basicamente pelo diagnóstico e eliminação de animais infectados, na fazenda. Nos frigoríficos e laticínios a inspeção acompanha a sanidade dos produtos.

A leptospirose geralmente é transmitida por contato com urina de animais infectados, principalmente roedores. O controle de roedores é importante para a diminuição dos riscos de contaminação.

A raiva pode ser adquirida pela mordida de animais infectados e pode afetar mamíferos em geral. Em cães ocorre a forma furiosa, com alterações típicas de comportamento.

Em bovinos acontece a forma paralítica, com menos risco de contaminação humana, que deve ser diferenciada de outras doenças, como botulismo e a própria encefalopatia espongiforme bovina (BSE).

Os morcegos hematófagos (Desmodus rotundus, comum no Brasil) são importantes na disseminação do vírus e o controle de colônias é uma das ações, paralelamente à vacinação de animais em regiões de ocorrência.

Em humanos, a vacinação de veterinários e pessoas que têm contato com animais doentes é importante. Também é feita a vacinação após acidentes com animais. Após o aparecimento dos sintomas, a letalidade é de 100%.

A pecuária intensiva é uma causa. Animais em altas lotações em condições sanitárias precárias são mais susceptíveis a doenças e à transmissão ao homem. A duplicação do comércio global de carne nos últimos 20 anos se concentrou em apenas nove países. Isto diminui a chance de transmissão, mas significa que uma doença transmitida aos humanos pode causar mais danos.

O aumento da lotação e proximidade entre os animais gera um ambiente propício à disseminação de um patógeno (causador de doença: vírus, bactéria, fungo, etc.), o que aumenta a probabilidade de mais animais serem afetados em um surto.

Se as condições de bem-estar animal não estiverem em patamar satisfatório, o estresse gerado aumenta a produção de cortisol, um hormônio que, entre outras funções, causa imunodepressão, que é a diminuição da eficácia do sistema imunológico, com consequente aumento da suscetibilidade a doenças.

No entanto, a pecuária intensiva vem acompanhada de aumentos dos cuidados com a sanidade, nutrição, manejo, etc... Se não vier acompanhada de uso racional de tecnologia, não é intensificação, é apenas um aumento de lotação, que vai cobrar o preço, com doenças e degradação de pastagens, dentre outros. 

A pecuária intensiva, no entanto, não é a única explicação. As zoonoses são menos mortais na Europa e América, apesar das fazendas industriais, devido ao melhor controle sanitário e à preocupação pública com saúde - humana e animal. Isto levou a pequenas mudanças: a União Europeia baniu as baterias de gaiolas para galinhas em 2012.

Aqui temos um paradoxo, dos grandes.

A União Europeia baniu gaiolas da produção de aves, o que é positivo e vai ao encontro da demanda do consumidor por qualidade no que diz respeito ao produto e aos meios como foi produzido. Ótimo.

Por outro lado, a França, um dos principais produtores, sob o ponto de vista econômico e de tempo de participação no bloco, ainda produz uma iguaria proibida em diversos países, o foie gras, que nada mais é do que um fígado doente de patos ou gansos.

O excesso de alimentação, forçada, ao qual as aves são submetidas provoca um estado patológico denominado esteatose hepática, condição também conhecida como fígado gordo, um estágio que normalmente evolui para cirrose. No caso, os animais são abatidos antes disso.

Os países mais pobres, que possuem sistemas tradicionais de pastejo, raramente registram doenças zoonóticas novas, como síndrome respiratória aguda (SARS) ou gripe aviária altamente patogênica. Mas isto não significa que os animais sejam mais saudáveis. Muitas doenças endêmicas ou epidêmicas são frequentes: um quarto dos animais da pecuária em países em desenvolvimento tem, ou teve, leptospirose.

Maiores taxas de lotação geram facilidade de disseminação de doenças emergentes.

De toda forma, há outros fatores que influenciam esta disseminação. No caso da gripe aviária há influência, inclusive, das rotas migratórias de aves. Generalizações sobre a epidemiologia têm que ser feitas com cautela.

Quanto à prevalência de doenças consolidadas, é um problema que precisa e tem sido abordado no Brasil, através de diversos programas de controle e de erradicação de doenças do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA) e de órgãos estaduais de defesa sanitária.

A maior ameaça de um surto está agora em grande mercados emergentes, com classes médias crescentes, como Brasil e China, onde a demanda por carne está aumentando e os produtores migrando para a pecuária intensiva. Isto os coloca em uma situação de risco. Eles possuem fazendas industriais que podem espalhar doenças, mas ainda faltam padrões de segurança alimentar e de produção que mitigariam os riscos.

Realmente, o aumento da renda dos países emergentes gera incremento do consumo de carne bovina devido à elasticidade renda da demanda. Com isto, a tendência é que haja estímulo ao aumento da produção e intensificação. Fato positivo.

No entanto, não necessariamente os países desenvolvidos possuem rebanhos mais saudáveis. O Reino Unido, por exemplo, registrou 97,4 mil casos de encefalopatia espongiforme bovina (BSE) entre 2003 e 2013, segundo a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Embora a quantidade tenha diminuído nos últimos anos, a doença é importante e relacionada à ocorrência da doença de Creutzfeldt-Jakob em humanos.  

A pecuária brasileira é grande o suficiente para abrigar sistemas com diversos níveis de intensificação e tecnologia, assim como diferentes situações sanitárias.

Os programas e sistemas de proteção à sanidade, animal e humana, existem e têm sido aprimorados. Há o que melhorar, mas isto não é exclusividade de países em desenvolvimento.

Em alguns países desenvolvidos o consumidor não tem certeza nem do tipo de carne contida no hambúrguer. Não sabe se está comendo boi ou cavalo.  

Artigo publicado em http://www.economist.com, em 18/1/14. Traduzido e comentado (em azul) por Hyberville Neto, médico veterinário.

Fontes consultadas: Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), Organização Mundial de Saúde Animal (OIE).


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