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Scot Consultoria

Mudanças climáticas e pecuária: O que todo pecuarista deve saber


Quinta-feira, 7 de março de 2013 - 16h03

Engenheiro agrônomo, formado pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, com mestrado e doutorado pela mesma universidade. É pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste e especialista em nutrição animal com enfoque nos seguintes temas: exigência e eficiência na produção animal, qualidade de produtos animais e soluções tecnológicas para produção sustentável.


Poucos assuntos irritam tanto o pecuarista como o envolvimento do boi no aquecimento global. Seu maior desejo seria alguém confirmar que o aquecimento global (AG) é a balela científica do século ou que o boi não tem nada a ver com isso. Iniciaremos esse texto colocando esses assuntos em perspectiva.


O AG tem sido intensamente estudado no mundo inteiro há décadas e a maioria dos climatologistas apontam evidências suficientes de sua ocorrência e relação com o aumento da concentração de carbono (C) na atmosfera. Por ser uma ciência muito complexa e cheia de incertezas, é necessário gerar vários cenários futuros. É possível, então, selecionar desde os cenários catastrofistas até aqueles que mostram nenhum efeito. O fato é que esses cenários extremos são os menos prováveis, o que denota desinformação ou desonestidade de quem os avoca como cenários prováveis. Ocorre que, mesmo para os cenários intermediários, pode-se esperar efeitos significativos no clima e, consequentemente, na nossa vida. Se as previsões sombrias se confirmarem, daqui uns 30 ou 50 anos, não teremos como voltar atrás.


Já o envolvimento da pecuária no problema está relacionado principalmente ao fato do ruminante produzir metano, gás 25 vezes mais potente que o gás carbônico na retenção do calor. Admite-se hoje, somado aos demais gases de efeito estufa (GEE), que de 10% a 18% dos GEE gerados pelas atividades humanas são de origem de ruminantes.


Portanto, apesar de nem o AG ser uma farsa e nem o boi ser totalmente isento,um grave problema é o sensacionalismo como o tema é tratado. Recentemente, por exemplo, foi divulgado um trabalho europeu com a seguinte manchete "Produzir 1kg de carne no Brasil equivale a rodar 1,6 mil km de carro". Essa informação não consta do artigo científico, demostrando clara predisposição contra o setor. No seu conteúdo, ele adota uma abordagem francamente oposta à produção de carne, sugerindo incluir na "conta" da pecuária o que eles chamaram de "dreno de C potencial perdido", que vem a ser o C da vegetação natural que retornaria a área em que se produz carne caso ela fosse vedada. A justificativa seria que há pressa na redução da concentração de C na atmosfera e que isso daria uma ideia melhor aos consumidores ao fazerem suas escolhas. O Brasil passaria de 59,0 para 335,1kg de CO2-eq/kg carne!


Há, contudo, várias falhas graves: 1) Não se considera os impactos ao ambiente pela necessidade de aumento de produção de alimentos vegetais e de monogástricos para substituir a carne. Com essa escolha abre-se mão da produção de proteína de elevada qualidade a partir de capim, com consequente aumento da competição de animais monogástricos por alimentos que servem aos humanos; 2) Considerou-se que a produção média brasileira por hectare e a área destinada à pecuária permaneceria a mesma nos próximos 30 ou 100 anos. O fato de termos aumentado a produção de 1950 a 2006 em 535%, aumentando apenas 47% a área de pastagem, dá uma ideia de quão errada é essa premissa; 3) Ao fazer as contas de quanto C se acumularia caso as pastagens fossem vedadas, chegaram a valores entre 110-136t C/ha, ou seja, quase 80% da média do que se encontra na floresta tropical, como a Amazônica (151t C/ha). Para o Cerrado, bioma em que fica a maior parte do nosso rebanho o valor médio é de 67t C/ha) A justificativa para redução na produção de carne para melhoria da saúde da população é uma ideia ultrapassada. Hoje, sabe-se que a carne é um alimento que ajuda na obtenção de dietas com ótimo balanço nutricional. Chega a ser irônico que os autores, pertencentes à afluente comunidade europeia, venham sugerir a redução da produção de carne no mundo, quando exatamente neste momento as populações de países em desenvolvimento começam a ter acesso a ela, ainda que em níveis de consumo muito inferiores ao dos países ricos do hemisfério Norte.


O maior erro dos autores,ao fazerem a análise por área, foi penalizar nossa pecuária pelo seu maior mérito: o baixo uso de insumos, que implica em baixo impacto ambiental. Ainda assim há o mérito do trabalho ter sido feito baseado em Análises de Ciclo de Vida (ACV), que tenta levar em consideração a totalidade de geração de GEE na cadeia de produção até o consumo (pré-porteira até pós-porteira). Foi a análise de um estudo de ACV, comparando o impacto ambiental de 1 tonelada de carne produzida no Brasil ou no Reino Unido,que primeiro chamou a atenção de como a problemática do AG é, na verdade, uma grande oportunidade para alcançarmos um novo patamar na nossa pecuária (quadro 1). 



Os dados do quadro 1 apontam impactos em importantes aspectos ambientais, sendo desejáveis os menores valores possíveis. Nos três primeiros itens, a produção de carne bovina no Brasil leva imensa vantagem, reflexo da menor necessidade de insumos, incluindo seis vezes menos energia primária. No último, exatamente o relacionado ao AG, o Brasil se sai pior. Nesse relatório britânico é apontanda a razão desse resultado: nossos baixíssimos índices de produtividade.O grande vilão, portanto, é o metano produzido em vão por animais sem ganho de peso (ou perdendo peso na seca), bem como aquele emitido por vacas vazias, seja por falha na reconcepção ou pela demora das novilhas entrarem em produção. Produzimos, assim, muito metano por quilograma de carne produzida.


É consenso entre os técnicos que, apenas com a recuperação das áreas degradadas e melhor manejo das pastagens, que nossa produção por área poderia dobrar dos atuais (0,8-1,0 UA/ha). Um bônus adicional da recuperação e manejo de áreas degradadas é que há sequestro de C pelas pastagens no solo, em função do crescimento radicular. Esse é um dos grandes drenos de C que temos para aproveitar. Outras tecnologias simples, como suplementação estratégica, podem aumentar significativamente a produtividade. Enfim, com baixo impacto ambiental, temos chance de reduzir muito o potencial de AG. Portanto, bem ao contrário de reduzir nossa produção, temos que intensificá-la, apenas com o cuidado de fazer de forma mais eficiente do que hoje.


Nossa eficiência na produção de carne pode ser ampliada enormemente com o uso de sistemas integrados de produção, seja na integração lavoura-pecuária, em sistemas silvipastoris ou na integração lavoura-pecuária-floresta. Outra atividade que pode ser incorporada é o confinamento, uma das mais eficientesferramentaspara reduzir a emissão de metano por quilograma de carne.


Para quem advoga, como esses infelizes autores europeus, a redução da produção de carne, vale lembrar as nove bilhões de bocas previstas para 2050. Não podemos abrir mão de um alimento nobre que pode ser produzidoem áreas impróprias para a agricultura, usando capim ou resíduos diversos, sem competição por alimentos consumidos por humanos. Deve-se lembrar de que bovinos cumprem a função social de ser a "poupança" de muitos pequenos agricultores no mundo e que, na África, 70% da população pobre depende da pecuária.Também, que nas ACV, todos os subprodutos aproveitados do boi deveriam ser contabilizados, desde o sebo já usado como biocombustível até a farinha de ossos que, apesar de não ter C em sua constituição, reduz a necessidade do produto industrializado, que tem embutido maior necessidade de energia para ser produzido e transportado.


Em síntese, o que precisamos é intensificar a produção com ganhos em eficiência. Felizmente, o que os economistas da área mostram é que esse é o caminho para deixar a propriedade sustentável também do ponto de vista econômico.


*Publicado na revista agroanalysis em volume 32 nº10 outubro de 2012.



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