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Scot Consultoria

A salvaguarda da discórdia


Segunda-feira, 17 de agosto de 2009 - 12h07

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


O fracasso das negociações da Rodada Doha na reunião de Genebra de final de julho deste ano não vai impedir o agronegócio brasileiro de continuar a se expandir no mercado internacional. No entanto, não se pode fazer pouco caso dos resultados sobre o impacto no comércio agrícola mundial em geral, e para a agricultura brasileira, em particular. Assim, não é verdade que os custos da falta de acordo são nulos para o Brasil. Para entender como e onde a agricultura brasileira deixou de ganhar com a falta de acordo é preciso entender o que estava em jogo nas negociações. A substância da Rodada Doha, ou seja, as ambições em termos de eliminação de subsídios às exportações, maior abertura de mercados e redução de subsídios aos produtores dos países desenvolvidos, começou a tomar forma no decorrer de 2005. Neste ano, o G20 – grupo de países em desenvolvimento, idealizado e liderado pelo Brasil, teve papel importante na Rodada, ao apresentar um documento com uma série de propostas sobre os diversos temas em negociação. O texto do G20, com a intenção de balizar as discussões que ocorreriam em dezembro do mesmo ano, na reunião ministerial de Hong Kong, abriu as portas para as negociações de substância. Na ocasião, o G20 trouxe idéias inovadoras, como o chamado teto global de subsídios, com a intenção de romper com o conceito de caixas coloridas da OMC – Organização Mundial do Comércio (amarela e azul, sobretudo) e os limites de subsídio específico por produto. Ambas as propostas criavam novas disciplinas para constranger os norte-americanos ao abusar de políticas que afetavam o mercado internacional. Jogadas na mesa de negociação em meados de 2005, as propostas do G20 eram prenúncios do grau de ambição da Rodada e dos temas mais polarizadores dos interesses dos protagonistas da negociação. Uma leitura mais atenta dos documentos do G20 mostrava que o grupo não apresentou qualquer proposta para o tema estopim do fracasso: salvaguardas para países em desenvolvimento. Qualquer semelhança do futuro com o passado não foi mera coincidência. As salvaguardas para países em desenvolvimento se transformaram no divisor de águas entre exportadores e importadores. O tema era uma panela de pressão pronta para explodir a qualquer a momento. Não era difícil antever o desfecho da reunião de Genebra. Em junho de 2006, ao comentar o insucesso da reunião do G4 (Brasil, Estados Unidos, Índia e União Européia) na Alemanha, escrevi o seguinte: “A minha aposta era de que o ‘não acordo’ teria como estopim as flexibilidades para países em desenvolvimento, tema de central interesse para os indianos” Coincidência? Certamente não. Nos temas agrícolas, a ambição da Rodada era balizada por três interesses defensivos centrais: - A relutância dos EUA em aceitar reduções em apoio doméstico, que viessem a afetar suas políticas para grãos; - Resistência européia em ampliar acesso ao seu mercado com a expansão de cotas de tarifárias (carnes, frutas, vegetais e lácteos); - Oportunismo, por parte dos indianos e chineses, ao usar o mecanismo de salvaguardas para elevar suas tarifas além dos compromissos assumidos em rodadas anteriores. Os interesses do Brasil na Rodada, país exportador e sem interesses defensivos em agricultura, passavam pelos três temas. Não interessa para o Brasil o aumento de tarifas proposta pela Índia e China. No entanto, a probabilidade da abordagem indiana e chinesa ser aceita era baixa. Tanto isso é verdade que o tema bloqueou as negociações. Se estávamos brigando contra um aumento nas tarifas dos países em desenvolvimento, fica claro que o ganho da Rodada tinha quase nada a ver com a maior abertura de mercado dos emergentes. Assim, nossos ganhos estavam exclusivamente associados aos temas defensivos dos países desenvolvidos. Ganhos podem ser graduados por magnitude. A dessa rodada já foi maior no seu princípio, em 2001. Depois, foi se estreitando, como conseqüência natural do processo negociador. No entanto, os ganhos estavam lá. Se já existisse um teto por produto, que limitasse os subsídios dos EUA para o algodão em US$600 milhões, a receita de exportação do Brasil, entre 1999 e 2003, pico dos subsídios concedidos no produto, teria sido, pelo menos, 5% maior. Se a Rodada tivesse sido concluída, as novas quotas para carne de frango, carne bovina e etanol na UE aumentariam as importações do bloco em cerca de US$4 bilhões dos níveis atuais em 2014, final previsto do período de implementação dos acordos. Crescimento econômico e demanda por alimentos são os condutores do crescimento do comércio entre países em desenvolvimento. Assim, é verdade que a Rodada seria indiferente na abertura dos mercados dos países emergentes. No entanto, sem a Rodada, nada de novo acontecerá nos países desenvolvidos. Hoje e no futuro próximo continuaremos sujeitos a reviver preços internacionais deprimidos como conseqüência do subsídio norte-americano e a escalar os picos tarifários, se quisermos vender mais carnes e etanol para os europeus.
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