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Scot Consultoria

Terrorismo Agrário


Terça-feira, 23 de maio de 2006 - 12h50


O horror que tomou conta da cidade, nesses dias, é familiar aos agricultores há tempos. Assim como nos processos de invasão de terras, covardia e medo se misturam com revolta. Será também o PCC, como se diz do MST, um movimento social? Alguns afirmam existir vínculos entre as duas organizações. Pode ser. No plano da ação, é certo, bem se assemelham: ambas afrontam o poder do Estado, desdenham da democracia. Fazem justiça com as próprias mãos. A opinião pública sempre mostrou certa condescendência para com os agressores fundiários. Os sem-terra causam um sentimento de compaixão pela miséria alheia. Alguns, mais religiosos, lhes dão a graça messiânica, na luta contra poderosos malfeitores. O embate do bem contra o mal. Políticos, bispos e juízes, jornalistas e lideranças civis, pessoas de bem, aceitam a violência contra a propriedade rural em nome da causa da reforma agrária. Governantes e suas polícias fazem o diabo para não se meter na encrenca. Driblam a lei para espantar seu medo das foices e facões vermelhos. Há uma década cresce o terrorismo agrário. Primeiro, diziam que ocupavam, e não invadiam, o latifúndio, por definição vazio. Assim driblavam a lei que protege a propriedade privada. Intelectuais da velha esquerda acharam o máximo. Depois, com a modernização da agropecuária e o avanço das desapropriações de terras, passaram a invadir de fato. Mais. Depredaram prédios públicos, fizeram reféns, tomaram pedágios, destruíram laboratórios, queimaram casas. Descambaram para o banditismo. Pior, estimularam a bandidagem. Quadrilhas de roubo pegam carona na onda das invasões de terra. Levam tudo: tratores, fertilizantes, fiação elétrica, motores de irrigação. Botam fogo, matam gado à tiros, destroem cercas. Fazendas, saqueadas à luz do dia, provocam o abandono. Ninguém resiste a tanta desfaçatez. Quem viaja ao Pará, vai ao Mato Grosso do Sul, conhece a região do Araguaia, passa no Triângulo Mineiro, no Pontal do Paranapanema, no sul da Bahia, na zona da mata pernambucana, por todos os cantos, sente um clima de guerra no campo. Ao mesmo tempo, percebe um desprezo pela autoridade. Homens se armando, arapucas sendo construídas, uma raiva crescendo. Salve-se quem puder. Há anos essa triste sina se desenrola no meio rural do país. Tudo acontece sem que nenhuma providência seja tomada. Bandidos se imiscuem com sem-terra, sem-terra vira ladrão. Atrocidades se justificam em nome da justiça social no campo. A agropecuária nacional passa por grande crise. Quem viaja pelo interior do Brasil encontra tristeza e desilusão. Os produtores rurais estão revoltados. Fazem protestos, fecham estradas, reclamam do governo. Grande ou pequeno, familiar ou patronal, o agricultor está endividado. Não consegue enxergar o amanhã. Nenhuma grande nação conseguiu se desenvolver deixando sua agricultura para trás. Os produtores rurais precisam de atenção. Sentem-se esquecidos, desprestigiados. Não descobrem como se comunicar com a sociedade. Se tentam se livrar do endividamento, os tacham de caloteiros. Caem na vala comum. Se gritam contra as invasões de terra, viram latifundiários. Ao exigirem proteção do poder público, são ignorados. A Justiça se arrepia, a PM se acovarda. Ninguém os escuta. É certo que a ocupação do território, na expansão das fronteiras agrícolas, poderia ter sido mais distributiva. É verdade, também, que muita injustiça se construiu no período da oligarquia. As mazelas da agropecuária, todavia, não podem dar guarida aos justiceiros agrários, como se fosse correto realizar aqui, tardiamente, a revolução francesa. Decapitar quem? Deus escreve certo por linhas tortas. Talvez as pessoas da cidade, horrorizadas agora pela gang do Marcola, consigam entender o drama dos agricultores, barbarizados há anos pela turma do Stédile. No fundo, eles representam a mesma coisa. Apostam na força bruta, violentam o ser humano. Vivem de explorar a pobreza. Cuidado. Uma cilada do pensamento paira no ar. Tolera-se o MST, ou compreende-se o PCC, a partir das injustiças sociais. A questão, delicada, pertence ao terreno das ideologias. A geração sofrida na ditadura militar, compreensivelmente, receia confundir autoridade com autoritarismo. Pessoas ilustres, geralmente com formação marxista, temem ser consideradas “de direita”. Esse paradigma alimenta um viés que enxerga na diferença social a justificativa de todos os males da sociedade. Inclusive a criminalidade. Os bandidos, por esse prisma, são frutos da pobreza. O raciocínio é virtuoso, porém equivocado. Fernando Gabeira, lúcido e corajoso, afirma que essa visão clássica da esquerda é alienante e paralisante. Aqui está o ponto. Novos problemas não conseguem ser equacionados com referenciais antigos. Que a miséria forja marginais não representa nenhuma novidade. Rousseau já afirmava que os homens nascem puros. A organização do crime, dados os recursos tecnológicos atuais, coloca em xeque a sociedade democrática. A simultaneidade das ações do PCC, espalhando terror por todos os cantos, pressupõe capacidade de comunicação idêntica a do MST, que realiza invasões em série no país. Cortam cercas com hora marcada, e ainda avisam a imprensa para registrar. Quem, depois dessa triste lição, ainda acreditar em “movimento social”, crê também em Papai Noel. Para enfrentar o crime organizado será necessário mudança de atitude. Tolerância zero com o terrorismo agrário.
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