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Scot Consultoria

Rebanho bovino e desmatamento


Quarta-feira, 16 de julho de 2008 - 17h31

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Tenho acompanhado, por dever de ofício e interesse próprio, o debate sobre agricultura e desmatamento que tem ocorrido no Brasil e no exterior. O assunto vai estampar as capas dos jornais nesta semana, com a divulgação dos dados sobre a Amazônia captados pelo Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O que mais me intriga nesse debate é o papel da pecuária. Os dados de maio devem manter o setor no centro da discussão. Neste artigo defendo a idéia de que não há incentivos econômicos para que, nos próximos anos, o rebanho bovino continue a se expandir, nem na Amazônia, nem no resto do Brasil. Isso significa que não poderemos explicar novos desmatamentos na região por expansão econômica da pecuária, simplesmente porque ela não vai ocorrer. Assim, não há como entender o papel da pecuária no desmatamento sem avaliar o contexto econômico por que passa o setor. A sociedade brasileira parece estar tomando consciência de que não é possível explicar nem mesmo encontrar soluções para o problema do desmatamento da Amazônia reduzindo a questão à indicação de alguns culpados. Estamos nos dando conta também de que a Amazônia é uma região heterogênea e complexa, do ponto de vista social, ambiental e econômico. Jornais e grandes revistas já começam, a meu juízo pelo menos, a abordar o tema levando em conta essa complexidade. Generalizações, portanto, tendem a gerar análises parciais, enviesadas e sem grande utilidade prática. Como exemplo, ao que parece, muita gente já sabe a diferença entre Amazônia Legal e bioma amazônico, embora, em vários casos, o governo e atores da sociedade civil se esqueçam disso. Essa tomada de consciência, no entanto, ainda não foi capaz de colocar a pecuária, com perdão do trocadilho, no seu devido lugar. Meu argumento é que o fato de a Amazônia conter uma importante parcela do rebanho brasileiro de bovinos não quer dizer, necessariamente, que a pecuária seja o motor do desmatamento. Sobretudo quando olhamos para o futuro. Essa associação de causa-efeito direta entre expansão da pecuária e desmatamento da Amazônia tem estimulado o nascimento de algumas iniciativas que, bem-intencionadas quanto ao objetivo de estancar as causas deste, acham que, ao frear a expansão da pecuária, automaticamente se desliga o motor do desmatamento. Essa relação de causa-efeito vai passar por um teste de realidade nos próximos anos. Sabemos que o rebanho brasileiro não vai continuar a crescer como nos últimos dez anos. Se o desmatamento não der trégua, e se o rebanho de fato parar de crescer, a pecuária poderá ganhar seu salvo-conduto. Ironicamente, a melhor solução para o Brasil é que a pecuária não ganhe salvo-conduto, ou seja, que o desmatamento caia e nada consigamos comprovar da ação da pecuária sobre ele. Há certa controvérsia sobre dados de rebanho no País. Prefiro trabalhar com os da Produção Pecuária Municipal, do IBGE. O rebanho brasileiro cresceu de 158,3 milhões de animais em 1996 para 205,8 milhões em 2006, último ano disponível no IBGE. Veja que em 2005 eram 207,1 milhões de animais. De 1996 a 2006 o rebanho cresceu, portanto, 30% e a uma taxa de 3% ao ano. Embora os dados do IBGE não passem de 2006, estudos de consultorias especializadas apontam que o rebanho brasileiro em 2008 está ao redor de 202 milhões de animais. Ou seja, já está em queda. Foi no bioma amazônico que o rebanho cresceu de forma mais vigorosa: saiu de 19,7 milhões de cabeças para 47,3 milhões. O rebanho também cresceu, embora menos intensamente, no Centro-Oeste (excluindo a parte de MT que pertence ao bioma amazônico), de 46,4 milhões de cabeças para 56,4 milhões, e nas áreas de cerrado do Norte-Nordeste (BA, TO, MA e PI), de 20,7 milhões para 27 milhões de cabeças. Houve crescimento ainda nas demais regiões. É esse vigoroso crescimento do rebanho no bioma amazônico que tem sido usado como justificativa para o argumento de que a pecuária é "o motor do desmatamento da Amazônia". Desde 2005 esse processo de dez anos de crescimento contínuo do rebanho brasileiro foi interrompido. Sua evolução é praticamente uma questão matemática: depende da taxa de natalidade e da relação abate/reposição de fêmeas. Para que o rebanho de um país siga em crescimento é preciso que o número de fêmeas abatidas (vacas e novilhas) seja menor que o de fêmeas nascidas. Quando esses números são equivalentes, como vimos no País nos últimos dois anos, o rebanho se estabiliza, ou até pode diminuir. Num rebanho estabilizado o abate de fêmeas pode ser ao redor de 95% da taxa de natalidade, uma vez que parte do que nasce se perde por mortalidade natural. Já num rebanho crescendo a 3% ao ano o abate de fêmeas não pode ser maior que 65%. Esse é o chamado ciclo pecuário. No passado, em momentos de escassez de fêmeas, como ao que assistimos hoje, a produção de carne chegou até a cair, como parte do processo de ajuste e recuperação do rebanho. Reduzir a produção de carne, porém, não é mais opção para um país que é o maior exportador de carne bovina do mundo. Assim, a estabilização do rebanho brasileiro vai se dar por ganhos de produtividade, aumentando, sobretudo, a taxa de natalidade dos animais. Isto nos leva a duas conclusões. A primeira é a de que, na pecuária, aumento de produtividade não combina com aumento de área de pasto. Assim, necessariamente, para um mesmo rebanho o Brasil vai precisar de menos área de pasto no futuro próximo. A segunda é a de que, sem prejuízo da produção de carne, o País vai precisar de, pelo menos, dez anos para que nosso rebanho volte a crescer 3% ao ano. Assim, esquecendo propositadamente que a produtividade sempre cresce na pecuária, podemos afirmar que a pecuária demandará novas terras somente lá por 2018.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio.
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