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Scot Consultoria

Acordo na OMC seria bom para o Brasil


Segunda-feira, 31 de março de 2008 - 15h43

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Uma reunião entre ministros de Comércio, em maio, poderá ser a última chance para se chegar a um acordo, ainda este ano, na Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Faço parte do time que torce pelo fechamento do acordo, embora, neste momento, a probabilidade de ele sair seja menor do que seu adiamento. Para o Brasil o adiamento não é uma boa solução. Sem julgar as escolhas feitas pelo governo, o fato é que a negociação multilateral da OMC emperrou a política comercial do Brasil. O governo atual deixou claro que as ações de política comercial com foco em acordos bilaterais só terão vez quando a negociação da OMC acabar. Não fechar um acordo nos próximos meses significa adiar, no mínimo, até o final do mandato do presidente Lula, ações mais agressivas em negociações bilaterais. Os defensores do adiamento se apegam à negociação de produtos industriais. O argumento é que a redução das tarifas vai trazer prejuízos para certos setores da indústria brasileira. Perdas para certos setores acontecem em negociações internacionais. No entanto, desde que o balanço de ganhos para sociedade brasileira seja positivo e equilibrado, maior competição internacional em certos setores não é razão suficiente para trabalharmos pelo adiamento do acordo. Uma das formas de avaliar se a negociação está equilibrada é comparar os resultados em agricultura, setor em que o Brasil é ganhador líquido, e em produtos industriais, em que estão os poucos setores defensivos e os não dispostos a ver seu mercado ameaçado por novos competidores. Aqui, mais uma vez, não há razões para buscarmos um adiamento na conclusão da rodada. Mesmo reconhecendo que o chamado "nível de ambição" - que no jargão dos diplomatas significa a profundidade da abertura comercial - da negociação agrícola foi reduzido de forma significativa, o acordo ainda trará ganhos importantes para o comércio agrícola mundial e para o setor agrícola brasileiro. Paralelamente, e é preciso reconhecer que o Itamaraty está atuando muito bem nesse campo, o nível de ambição da negociação de abertura dos produtos industriais também já foi reduzido significativamente. Isso quer dizer que as concessões na indústria, assumindo argumento de que uma maior abertura não é necessariamente boa para certos setores, serão condizentes com os ganhos agrícolas. Um acordo balanceado entre agricultura e indústria é apenas uma das razões que me colocam no time dos torcedores pelo acordo. Há razões relacionadas ao mercado de produtos agrícolas que são ainda mais importantes. A negociação agrícola está baseada em dois pilares: aperfeiçoamento das disciplinas e abertura de mercados. Os mais importantes ganhos dessa rodada virão no aperfeiçoamento das disciplinas. Aperfeiçoar as disciplinas significa reduzir a liberdade dos países de usarem subsídios que afetam negativamente o comércio mundial, provocando queda nos preços ou deslocando exportadores. Distorções dessa natureza são regra nos produtos agrícolas. A União Européia ainda exporta carnes de frango e bovina fazendo uso de subsídios às exportações. A Índia dá subsídios às exportações de seus produtores de açúcar. Um acordo na Rodada de Doha levará à eliminação desse tipo de subsídios. Políticas internas também distorcem o mercado mundial. Os campeões nesse assunto são os EUA, que garantem um certo nível de preço aos seus produtores quando os preços mundiais estão muito baixos. Um produtor de soja norte-americano não precisa se preocupar com os preços porque, quando a soja está cotada abaixo de US$230/tonelada, o governo garante o equivalente a esse valor ao produtor. É claro que nestes tempos de soja com preços acima de US$400/tonelada tendemos a esquecer que entre 1999 e 2002, quando os preços estavam muito baixos, a área plantada nos EUA crescia, derrubando ainda mais os preços. Infelizmente, a Rodada de Doha ainda não trará a boa notícia da eliminação desse tipo de subsídio, mas criará uma importante disciplina: um teto por produto. Em 2000, ano recorde de subsídios para soja nos EUA, enquanto os preços mundiais estavam em US$180/tonelada, os produtores norte-americanos chegaram a receber mais de US$230/tonelada, ou seja, US$50 em subsídios. Após a rodada, o valor máximo será de US$25. No caso do algodão, o teto por produto vai praticamente eliminar os subsídios. É por causa do algodão que os EUA têm afirmado que não é preciso ter pressa para fechar a rodada. É no pilar de acesso a mercados que o nível de ambição está mais comprometido. Diversos produtos terão suas tarifas reduzidas por cortes muito baixos, porque serão selecionados como itens sensíveis. Nesses produtos, a abertura de mercado se dará por meio de cotas, o que interessa pouco ao Brasil. Esse é o nosso contencioso com os europeus, que relutam em aumentar suas cotas de carnes (bovina, suína e de aves), mesmo sabendo que a produção doméstica está caindo. Não devemos esquecer que parte dos produtos industriais também pode ser selecionada como sensível. Neste caso, um país em desenvolvimento pode isentar de redução até 10% do número total de tarifas. Do lado dos países em desenvolvimento, nossa maior preocupação é com o novo mecanismo de salvaguardas. Brasil e outros exportadores cometeram o deslize de aceitar, no lançamento da rodada, em 2001, a criação dessas salvaguardas. O objetivo agora é garantir que elas não acarretem aumento do nível de proteção. Garantido isso, teremos conseguido administrar o erro cometido lá atrás. Se temos menos a ganhar do que o esperado em agricultura, temos pouco a perder na indústria. Adiar a conclusão da rodada vai ajudar os países que querem reduzir ainda mais o seu nível de ambição. Destravar a agenda comercial brasileira e pôr em prática novas disciplinas sobre subsídios são razões suficientes para se fechar um acordo ainda este ano.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio. amnassar@iconebrasil.org.br
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