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Índia: Desafios da Agricultura


Terça-feira, 18 de setembro de 2007 - 09h55

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Saulo Nogueira* A Índia tem recebido muita atenção do mundo pelo seu crescimento econômico rápido, comparável ao da China, e pelo surgimento do setor de informática, que presta serviços de outsourcing nos quatro cantos do mundo. O país merece muita atenção pelo crescimento de seu setor industrial e o desenvolvimento da área de software, além do em certas áreas sociais. Na agricultura, porém, há um problema estrutural, que está se agravando com o elevado crescimento econômico nacional. O crescimento econômico da Índia tem aumentado a renda per capita da população de uma forma geral, especialmente nas zonas urbanas. O estilo de vida nessas áreas está levando as pessoas a adotarem novos hábitos de consumo, pois a vida urbana apressada limita o tempo dedicado à preparação de alimentos, entre outras razões. Os indianos têm uma tradição única e admirável de alimentação. Tirando os alimentos não perecíveis, como os grãos, eles compram a quantidade certa para o consumo diário, descartando o resto, em vez de congelá-lo para consumo futuro. Eles valorizam o alimento fresco, sem conservantes, e preparado da forma tradicional, isto é, na panela, em vez de forno de microondas. Ademais, eles compram seus alimentos em pequenas lojas de esquina. Praticamente não existem supermercados na Índia. Contudo, essa tradição choca-se com o ritmo da vida urbana, em que sobra menos tempo para a preparação das refeições, especialmente nos lares onde o marido e a mulher trabalham. Portanto, a demanda por alimentos diferenciados cresce e, assim, surgem as seguintes perguntas: a agricultura indiana está apta/ preparada para fornecer esses alimentos? Quais os fatores que impedem o desenvolvimento do setor? O governo indiano está disposto a permitir a importação de alimentos diferenciados para suprir a demanda urbana? O setor agrícola do país não tem sido tema prioritário na pauta de modernização do governo indiano, como ocorre com as leis trabalhistas e comerciais, as privatizações e a abertura comercial. Os políticos conseguiram manter o raciocínio das últimas décadas, que é, por representar em torno de 700 milhões de indianos, o setor precisa de uma proteção especial contra o risco de uma invasão de importações subsidiadas que levariam à falência e à fome os fazendeiros. Isso permitiu a manutenção de políticas de proteção comercial e de subsídio de preços e insumos, como água, eletricidade, sementes e fertilizantes, que têm mantido o setor bastante distorcido, especialmente no que se refere às commodities como trigo e arroz. O gráfico mostra como o suporte de preço é mais elevado para o trigo e arroz que para as outras commodities. Essas medidas tornaram mais lucrativo plantar trigo e arroz que feijão e lentilha, ao ponto da produção de feijão ter se tornado insuficiente para a demanda nacional, mesmo sendo um item importante da dieta indiana. A despeito dos problemas causados pelos subsídios, os gastos têm aumentando, nos últimos anos, de 80 milhões de rupias em 1996 para 260 milhões em 2004. O subsídio para o desenvolvimento e a distribuição de sementes melhoradas e mais produtivas tem-se concentrado no trigo e no arroz. Isso ajudou a aumentar a produção nacional dos itens básicos das refeições indianas. Porém, pouca atenção foi dada aos outros alimentos. O resultado é uma agricultura incapaz de fornecer alimentos diferenciados, como legumes não tradicionais e oleaginosas. O subsídio aos fertilizantes proporcionou o seu uso indiscriminado por parte dos agricultores indianos, o que contribuiu para os níveis elevados de diversos poluentes químicos nos aqüíferos. Em vários Estados indianos, a água, que está se tornando cada vez mais escassa na Índia, é classificada como imprópria para consumo, e isso restringe o seu uso. Além disso, os subsídios para o uso de água de irrigação levaram ao abuso do recurso ao ponto de a extração dos aqüíferos ter sido feita por muitos fazendeiros sem controle algum do Estado. O nível de água desses aqüíferos tem caído constantemente nos últimos anos e, em alguns Estados, houve extração de até 80% do potencial. O mapa ilustrado do estudo que preparamos para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Dinâmica do setor de agronegócio da Índia e do Mercosul:diferenças, tendências e potencial complementaridade, mostra que esses Estados também são grande produtores agrícolas, mas estão pondo em risco o futuro da produção estadual e nacional. Assim como as nossas rodovias, as estradas indianas sofrem com a falta de manutenção, e o transporte de cargas é bastante complicado. Existe legislação federal proibindo a venda de produtos agrícolas fora do Estado onde foram plantados. Com isso, as alfândegas interestaduais, que cobram taxas e impostos pesados dos caminhoneiros que carregam alimentos, se sentem respaldadas. As autoridades rodoviárias podem parar caminhões de carga aleatoriamente, exigindo inúmeros documentos e comprovantes de pagamento de impostos e taxas rodoviárias. Além disso, as vendas no atacado são permitidas somente nos mercados regulamentados, os Agricultural Produce Marketing Committees – APCM. Estes funcionam como mercado de monopólio controlado pelo governo, que cobram taxas para cada transação, limitando assim as opções dos agricultores em relação aos locais de venda de seus produtos. Por essas razões, a indústria do agronegócio não cresceu na Índia. As empresas não gostam de investir em um setor com tamanhos problemas e ditado por políticas estaduais e federais restritivas à produção e à venda de produtos agrícolas. Algumas multinacionais tomaram a iniciativa e começaram a investir na infra-estrutura da cadeia produtiva, tanto da fazenda, quanto do porto e da indústria de alimentos. Assim, as empresas conseguem garantir uma logística mais confiável para a produção agrícola chegar aos centros de processamento de alimentos, ou para o fornecimento de alimentos importados para lojas e supermercados. Certos grupos indianos, como a National Commission on Farmers (NCF), estão fazendo campanha para convencer o governo indiano a mudar essas políticas e permitir que o setor venha a se estruturar com mais capital privado, investimentos estrangeiros e a desregulamentação do mercado de alimentos. Pequenos passos estão sendo dados nessa direção, como a mudança de legislação para atrair investimentos estrangeiros no setor de processamento de alimentos ou a eliminação do limite de tamanho das fazendas, assim como a elaboração de leis referentes à formação de cooperativas, algo raro na Índia. De qualquer modo, muitas mudanças legislativas e estruturais precisam ser feitas até o setor do agronegócio chegar ao nível de integração entre fazenda, indústria de processamento de alimentos e uma rede de varejo equipada para vender produtos congelados e diferenciados. A Índia tem ultrapassado outros países no desenvolvimento econômico, porém esqueceu de atualizar suas políticas agrícolas, deixando o setor com uma infra-estrutura precária, com políticas onerosas que concentram a produção em poucos grãos e mercado controlado pelo governo. Em resumo, os riscos para os atores desse setor são elevados. A Índia está em fase de mudanças e tem muito que aprender com as experiências de outros países que já passaram por essa etapa. Portanto, existem áreas de cooperação entre o Brasil e a Índia, como o intercâmbio entre delegações de especialistas, técnicos e políticos. O Brasil poderia mostrar as suas experiências em tecnologia agrícola, desregulamentação e abertura comercial do setor. A demanda crescente por alimentos diferenciados na Índia aponta para a necessidade de importar certos alimentos que não podem ser fornecidos pela agricultura nacional. Com isso, surgem oportunidades para as exportações brasileiras. No estudo para o BID, em elaboração pelo Icone, identificamos que em 2020 a Índia precisará importar anualmente: - entre 2 e 6 milhões de toneladas de oleaginosas, das quais uma parcela é óleo de soja; - entre 500 mil e 3 milhões de toneladas de carne de frango. * Pesquisador sênior do Icone
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