• Terça-feira, 30 de abril de 2024
  • Receba nossos relatórios diários e gratuitos
Scot Consultoria

Inflação nos alimentos – Dá para acreditar?


Sexta-feira, 21 de setembro de 2007 - 10h58

Engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE).


Cunhada em 2007, a expressão "agflation" refere-se ao aumento dos preços das commodities agrícolas observado a partir de 2006 e intensificado em 2007. O argumento central, defendido até por autoridades do governo brasileiro, diz que o aumento da demanda por alimentos e o uso cada vez maior de produtos agrícolas para a produção de biocombustíveis levarão a um aumento consistente nos preços. Assim, esse dois fatores teriam alterado uma regra que era aceita como irreversível: os preços dos produtos agrícolas tendem, historicamente, a apresentar quedas reais, ou seja, a subir menos que a inflação. Ganhos de produtividade na agricultura explicariam a capacidade do setor de continuar se expandindo mesmo que com quedas reais nos seus preços. Afinal, o patamar de preços mudou? E a regra da queda real foi, finalmente, quebrada? As respostas são sim e não. Não tenho dúvida de que houve uma mudança nos patamares de preços. As razões, no entanto, não são o crescimento da demanda, tampouco a competição alimentos-biocombustíveis. A razão central é o aumento dos custos, em especial dos fertilizantes, insumos mais sensíveis aos preços do petróleo e às cotações dos fretes internacionais. De uma perspectiva mais ampla, os preços dos produtos agrícolas ainda crescem menos que a inflação. O índice de preços de alimentos calculado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostra que os preços nominais em dólares norte-americanos cresceram 19% de 1990 até 2006, enquanto o índice de preços no atacado dos EUA cresceu 42%. Encurtando o período para 1995 até 2006, a queda real é ainda mais intensa: 13% para os alimentos ante 32% para a inflação. A situação se inverte no período recente: de 2002 a 2006 os alimentos subiram 46% em relação a 26% de inflação, apresentando ganho real. Há alguma novidade nisso? Não. Voltando alguns anos nos dados e procurando outros períodos de cinco anos, encontramos dois, entre 1985 e 2006. De 1985 a 1989, os preços dos alimentos tinham subido 51% ante 9% da inflação. Entre 1992 e 1996, a subida dos alimentos foi de 23% comparada aos mesmos 9% na inflação. Se em 20 anos encontramos dois períodos passados que replicam a situação corrente, é porque não estamos vivendo uma novidade. Aliada a essa repetição de comportamento, mais uma variável reforça o argumento de que a regra da queda real não foi quebrada: os preços dos alimentos variam sensivelmente mais que a inflação. Assim, o aumento real dos preços dos alimentos a que assistimos hoje será, mais cedo ou mais tarde, seguido por um processo de queda, que ajustará os preços a seus patamares normais. De 1985 até hoje, lembrando que 1985 já foi período de depressão de preços, observamos dois períodos de preços baixos - o último (1999 a 2003) teve duração de cinco anos, outro fato inédito. Já que falei em patamar normal, volto ao argumento do início do texto. Os preços dos produtos agrícolas oscilam muito por conta do desequilíbrio constante entre oferta e demanda. Esse comportamento, já batizado de ciclotímico, complica o cálculo do patamar normal. Assumindo que o patamar normal é a média dos preços mensais de 2000 até hoje (julho de 2007), identificamos uma situação que nos chama a atenção: para uma amostra de sete commodities (soja em grão, farelo de soja, óleo de soja, milho, açúcar bruto, algodão e arroz), os preços atuais estão mais altos que o patamar normal, situando-se no limite superior da oscilação normal dos preços (em palavras mais técnicas, no limite da média mais um desvio padrão). Essa constatação me leva a concluir que o patamar normal dos preços agrícolas está em processo de mudança. A variável central que comprova esse argumento é o preço dos fertilizantes. Usando o mesmo período-base dos preços das commodities, observamos que os preços dos fertilizantes, sobretudo os nitrogenados, estão em franca elevação desde 2002. No caso dos EUA, grande produtor agrícola, onde há farta oferta de dados, o preço da uréia pago pelo produtor subiu 137% de 2002 a 2007. Fertilizantes à base de fosfato e potássio também não ficam atrás, com incremento de 89% e 71% no mesmo período. No Brasil, a tendência é semelhante: o índice de preços para fertilizantes medido pela FGV aponta crescimento de 90% de 2002 até hoje, muito parecido com o observado nos EUA. Veja que o aumento dos preços dos fertilizantes foi o dobro dos 46% de crescimento no índice de preços de alimentos. Não é preciso ir muito longe para inferir que o aumento no combustível seguiu tendência semelhante. No caso de um produtor de leite, gado de corte, frango e porco, embora os fertilizantes tendam a pesar menos na conta do custo, o crescimento do preço das rações faz o contraponto. Dado que estamos assistindo a um aumento mundial nos custos, um ajuste no patamar normal certamente vai ocorrer. Embora a alta observada hoje, com algumas exceções, como açúcar e café, mantenha esse patamar escondido, um ajuste futuro nos preços vai mostrar que dificilmente os baixíssimos preços verificados no período de 1999 a 2003 voltarão a se repetir. Isso significa que a pior depressão de preços que possa ocorrer no futuro não será tão acentuada quanto a anterior, porque o custo marginal do melhor competidor é hoje sensivelmente mais alto. Essa conclusão, no entanto, não pode ser interpretada como a redenção dos produtores contra os consumidores. Os alimentos continuarão a apresentar queda real no longo prazo e ganhos de produtividade continuarão a ser a chave para afastar o argumento de que alimento e biocombustível são competidores. Os elevados preços atuais já estão estimulando os países produtores a incrementar a oferta. A diferença é que, hoje, EUA e União Européia têm um papel menos relevante na produção, que vai sendo transferida paulatinamente para os países em desenvolvimento.
André M. Nassar, engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP, com doutorado pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Desde julho de 2003 é Diretor Geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE). As principais áreas de atuação no ICONE são: negociações internacionais multilaterais e extra-regionais; desenho de cenários quantitativos e de projeções de longo prazo de comércio agrícola; política comercial agrícola em países desenvolvidos e em desenvolvimento; contenciosos da Organização Mundial do Comércio. amnassar@iconebrasil.org.br
<< Notícia Anterior Próxima Notícia >>
Buscar

Newsletter diária

Receba nossos relatórios diários e gratuitos


Loja