• Sexta-feira, 26 de abril de 2024
  • Receba nossos relatórios diários e gratuitos
Scot Consultoria

Mar de gelatina sufoca atividade pesqueira


Sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011 - 09h54

“O futuro será um mar de gelatina”. A piada entre biólogos marinhos reunidos recentemente em um congresso científico na Argentina ecoa no Brasil, na China, no Japão, no sul da África e também nos EUA, no México e nos países da Europa Central. Seus mares enfrentam uma proliferação de medusas - o nome pomposo das águas-vivas - que ameaçam ainda mais os estoques mundiais de peixes, o turismo e a infraestrutura marinha. Nas últimas duas décadas, a população desses animais aquáticos cresceu em progressão geométrica. No gelado Mar Amarelo, que banha o leste da China e o oeste das Coreias do Sul e do Norte, o volume de águas-vivas capturadas em rede subiu dez vezes em trinta anos. A gigantesca Nomura (Nemopilema nomuraida), cujo peso pode chegar a 200 quilos, voltou a ser vista no Mar do Japão após aparições raríssimas no século 20 (três ao longo dos cem anos). Desde 2002, o número de medusas em águas japoneses subiu seis vezes. Em 2005, um ano particularmente ruim, os prejuízos com redes perdidas foi de 30 bilhões de ienes (US$359 milhões atuais). Quando não são queimadas pela ação desses animais, as redes tornam-se pesadas demais para que as embarcações se dêem ao luxo de içá-las. Nem mesmo o sonar das embarcações japonesas consegue diferenciar os “cardumes” de águas-vivas. Nas palavras de um pescador local, “a decepção é visível quando as redes trazem à tona aquelas coisas transparentes e gelatinosas”. O crescimento fora da curva das águas-vivas tem criado problemas também para a indústria de turismo - sim, morrem mais pessoas por ano queimadas por águas-vivas que em ataques de tubarão - e para a infraestrutura marinha. Em 2008, a usina nuclear Diablo Canyon, na Califórnia, teve as operações afetadas depois que centenas de medusas do tamanho de bolas de basquete entupiram os dutos de um de seus reatores. Um ano antes, a população filipina temeu um golpe de Estado quando as luzes de Manila se apagaram. Novamente, foram as medusas, 50 caminhões delas, que obstruíram um canal de água da hidrelétrica da capital. Apesar das pesquisas e de três simpósios internacionais dedicados exclusivamente ao tema, os especialistas parecem longe do consenso sobre o que está provocando essa alteração nos mares. A única certeza é que se o ritmo de expansão desses animais não diminuir, será apenas uma questão de tempo para que ultrapassem os estoques de peixes de água salgada, como já foi detectado na Namíbia. Um caldeirão de suspeitas é investigado, “mas a verdade é que até hoje não sabemos exatamente o que regula essas explosões populacionais”, afirma Antonio Carlos Marques, professor da área de zoologia do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP). A teoria mais forte é o desequilíbrio ambiental. Décadas de sobrepesca retiraram de cena os grandes peixes, predadores naturais da água-viva. Caso do atum no Japão, onde a expansão de medusas, coincidência ou não, é mais evidente. Com o caminho livre, as medusas passaram a viver mais e a se multiplicar mais. Mas a quebra na cadeia alimentar provoca outro impacto negativo: mais águas-vivas nos oceanos implica menos ovos de peixes ou peixes pequenos, dos quais se alimentam, o que impede que uma nova geração se forme. E para especialistas como o cientista chinês Sun Song, quando um ecossistema for dominado por medusas, os peixes desaparecerão. “E isso já aconteceu”, afirma Marques. “Ao longo dos anos 80 e 90, a explosão de águas-vivas no Mar Cáspio levou à bancarrota a indústria pesqueira de anchovas”. A emissão de efluentes agrícolas nos mares também pode estar relacionada ao problema. Isso porque esses nutrientes tendem a elevar a concentração de fitoplâncton - comunidade de pequenos vegetais que vivem em suspensão nas águas -, fornecendo nova fonte de alimentação às águas-vivas. As pesquisas também estão sendo direcionadas para compreender o real reflexo de oceanos mais quentes, causados pelas mudanças do clima, nesse fenômeno marinho. Na semana passada, a China criou um programa de investigação envolvendo governo e academia para, no período de cinco anos, monitorar as águas do Mar Amarelo e da costa leste do país. Dados da FAO, a agência para alimentação e agricultura das Nações Unidas, apontam que os estoques de medusas da China subiram mais de dez vezes entre 1970 e 2000, para 500 mil toneladas. O que intriga a comunidade científica chinesa é se as prospecções de petróleo na costa do país estariam contribuindo para esse quadro. É que as plataformas metálicas nos oceanos servem de base para os pólipos, a fase larval da medusa, se fixarem. Cada pólipo é capaz de gerar centenas de águas-vidas. “Os pólipos só se fixam em substratos duros, e a maior parte do solo marinho é mole”, explica Marques, da USP. “Assim, as plataformas de petróleo são locais ideais para esses organismos”. A espécie Phyllorhiza punctata, comum no Nordeste brasileiro, apareceu no Golfo do México anos atrás e os cientistas suspeitam que seus pólipos foram transportados em plataformas de petróleo. Nesse sentido, é bem possível que a explosão de medusas ocorra no Brasil, dadas às prospecções cada vez mais avançadas da Petrobras. Por enquanto, o país foi preservado de prejuízos econômicos de grande porte, com registros pontuais de turistas que se afugentam das praias do Sul e Sudeste em tempos de surtos das chamadas caravelas-do-mar, no verão. O monitoramento mundial das medusas pretende compreender o fenômeno para contribuir com a correção desse desequilíbrio dos oceanos. O “mar de gelatina” pode até ter virado uma piada, mas o problema é sério. Fonte: Valor Econômico. Por Bettina Barrros. 17 de fevereiro de 2011.
<< Notícia Anterior Próxima Notícia >>
Buscar

Newsletter diária

Receba nossos relatórios diários e gratuitos


Loja