Lagarta do milho migra e passa a ser problema em outras culturas no Brasil
Uma lagarta antes subestimada nas lavouras brasileiras se tornou protagonista de uma crise fitossanitária que já levou os agricultores do oeste da Bahia, onde a situação é mais grave, a desembolsar cerca de R$1,00 bilhão para sua erradicação nas últimas duas safras. Em nível nacional, estima-se algo em torno de R$2,00 bilhões em gastos. A vilã, que atende pelo nome de Helicoverpa, passou de costumeira praga do milho a algoz de culturas como soja e algodão, e virou até tema de uma reunião marcada em Brasília (DF), que deve ter representantes de produtores, do Ministério da Agricultura e da Casa Civil.
Um dos objetivos do encontro é delinear estratégias para evitar que o problema se espalhe para mais Estados, além dos 11 já afetados. A Bahia saiu na frente para tentar combater a praga. Na semana passada, decretou situação de emergência e atestou a necessidade de um amplo programa para o controle da lagarta. A expectativa é que um decreto do governo seja publicado nos próximos dias, permitindo a adoção de medidas para acelerar o registro de inseticidas específicos para a Helicoverpa (atualmente inexistentes no país, mas já utilizados no exterior).
Segundo Ernani Sabai, diretor de integração e agronegócio da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), os danos causados pela lagarta ao milho não eram tão agudos no país, já que a praga costuma permanecer na ponta das espigas. Mas, no caso da soja, a lagarta segue em direção à flor, derrubando-a, e se a vagem já estiver formada, entra e se alimenta dos grãos. No algodão, o inseto vai até as primeiras "maçãs", que geram o capulho (fibra madura). "Uma vez a praga alojada na vagem ou no capulho, não existem meios de combate, porque não há inseticida que penetre", diz Sabai.
Uma confusão inicial retardou a reação dos agricultores. O produtor Celito Breda, que se deparou com a praga em suas plantações de soja em Barreiras (BA) e em Baixa Grande do Ribeiro (PI), diz que a Helicoverpa é muito parecida com as lagartas do gênero heliothis. "Assim, quando a lagarta passou a aparecer nas plantações, foram feitas aplicações de inseticidas contra a heliothis. A princípio, como o inseto permanecia no campo, a desconfiança era de aplicação errada do produto, o que levou até ao aumento da dose do defensivo", conta ele. Quando a lagarta foi finalmente identificada, após um combate infrutífero, já era tarde.
Estima-se que os gastos com inseticidas nas lavouras do oeste da Bahia tenham dobrado por conta da Helicoverpa nesta safra 2012/2013. Normalmente, um plantio de soja na região recebe oito aplicações de inseticidas, que custam US$100,00 por hectare, mas a praga fez esse montante saltar para US$200,00, em um total de 15 aplicações. Embora não existam defensivos específicos para a praga, produtos do grupo químico das diamidas ajudam no combate.
Caso todos os produtores venham a realizar o controle com esse nível de investimento em defensivos, os gastos alcançarão cerca de US$128,20 milhões (ou algo em torno de R$251,00 milhões), levando-se em conta a previsão de plantio de 1,3 milhão de hectares feita pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para a Bahia. Mas ainda há as perdas de produção.
"A estimativa é que se percam cinco sacas de soja por hectare, de um total de produtividade de 35 a 40 sacas esperadas. Quanto ao algodão, o prejuízo previsto é de 30 a 40 arrobas por hectare, de um rendimento que deve ficar entre 200 e 210 arrobas", diz Breda, que também é diretor da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa). O gasto com inseticidas no cultivo da fibra dobrou, para US$800,00 por hectare.
Muitas hipóteses têm sido levantadas para explicar a disseminação da praga. Uma das teses aponta o milho transgênico como responsável. O grão geneticamente modificado libera uma toxina capaz de combater alguns tipos de lagartas, como a do cartucho do milho, mas seria menos eficaz no controle da Helicoverpa. Como a lagarta do cartucho é predadora natural da Helicoverpa, sua redução nas lavouras de milho transgênico favoreceria o aumento da população de Helicoverpa.
A Embrapa iniciou um trabalho para identificar que espécie de Helicoverpa tem atacado cada cultura. Até o momento, a percepção é que a Helicoverpa zea, que mede até quatro centímetros de comprimento, é a que mais tem causado prejuízos. De acordo com Silvana Moraes, pesquisadora da Embrapa Cerrados, a não adoção do manejo integrado de pragas (controle ecológico que incentiva a ação de inimigos naturais sobre os agressores de uma planta) e condições climáticas favoráveis, como a seca intensa na Bahia em dezembro de 2012 e fevereiro deste ano, podem ter sido fatores relevantes.
A experiência da Austrália, que registrou o maior surto de Helicoverpa no mundo, tem servido de inspiração para o Brasil. Entre 1996 e 1998, os australianos sofreram uma baixa de quase 75,0% na produção local de algodão, por conta da lagarta. Paulo Degrande, especialista em insetos e professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), fez parte de um grupo que foi recentemente ao país estudar o problema.
Ele observa que a espécie que causou transtornos na Austrália não é a mesma que parece dominar no Brasil, mas ressalta que o modelo de organização do setor produtivo é digno de cópia. Entre as principais ações para minimizar os prejuízos com a Helicoverpa, Degrande destaca o estabelecimento de um vazio sanitário que seja efetivamente cumprido pelos produtores, do fim de agosto ao fim de outubro, o que colaboraria para criar uma entressafra e, assim, evitar que a praga encontre locais para se multiplicar.
O especialista defende a intensificação do uso de culturas transgênicas com duas proteínas inseticidas (amplamente adotadas em Austrália e EUA, mas ainda de baixa adesão no país). "Experiências globais mostram que o controle de Helicoverpa melhora significativamente com dois genes no campo. Uma toxina pode até matar, mas com duas na planta, os benefícios são ampliados", explica. A adoção de 20,0% de área de refúgio, com variedades convencionais, seria também fundamental.
Fonte: Valor Econômico. Por Mariana Caetano. 11 de março de 2013.
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