Produtores rurais conservam 29,0% da vegetação nativa do país e 28 milhões de hectares de pastagens degradadas podem contribuir com o crescimento da produção agropecuária sem a necessidade de abertura de novas áreas.
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O Brasil virou sinônimo de debate ambiental: desmatamento, clima, Amazônia, Cerrado. Em meio a essa discussão, dois números da Embrapa Territorial mudam o enquadramento: 65,6% do território nacional continuam cobertos por vegetação nativa e 31,3% são usados pela agropecuária (figura 1). A maior parte do país está com a vegetação nativa preservada. Lavouras, pastagens e florestas plantadas ocupam um terço da área total.
Dentro desses 31,3%, 266,3 milhões de hectares são de uso agropecuário, divididos em 165,1 milhões de hectares com pastagens (19,4% do território), 91,9 milhões de hectares com lavouras (10,8%) e 9,3 milhões de hectares com silvicultura (1,1%). É sobre essa base que o país produz proteínas de origem animal, leite, grãos, frutas, verduras, fibras, energia e demais recursos de importância para o abastecimento interno e para o mundo.
Esses números são da Embrapa.
Figura 1.
Atribuição, ocupação e uso das terras brasileiras.
Fonte: EMBRAPA Territorial.
Produtores rurais preservam 29,0% da vegetação nativa do país em suas propriedades, o que equivale a 246,6 milhões de hectares de vegetação nativa conservada em imóveis rurais. É a maior fatia de vegetação nativa sob responsabilidade de um único grupo de atores no território brasileiro.
Isso significa que, para cada hectare usado pela agropecuária no Brasil, existem 2,1 hectares de vegetação nativa no preservadas. Esse conjunto de números sugere a ideia de que o Brasil é uma potência agroambiental: produz em escala, com um grande estoque de vegetação nativa em pé.
Nas propriedades rurais, nas fazendas, a conta da preservação fica mais nítida. Áreas de Preservação Permanente somam 3,4% do território nacional, protegendo margens de rios, nascentes, encostas e topos de morro. Reservas Legais ocupam 17,9% da área do país. Além disso, 7,7% do território nacional aparecem como vegetação nativa excedente em imóveis rurais, mantida além do mínimo exigido pelo Código Florestal. Em muitos casos, essa área entra na conta como custo e tende a se tornar ativo econômico, com Cotas de Reserva Ambiental e mecanismos de pagamento por serviços ambientais.
Na Amazônia, o estudo aponta que 83,7% da área do bioma permanece conservada. Unidades de conservação, terras indígenas e áreas militares somam 34,9% da área amazônica, enquanto imóveis rurais preservam 27,4% do bioma. A agropecuária ocupa 14,1% da Amazônia, sendo 12,1% com pastagens e 2,0% com lavouras (figura 2).
Figura 2.
Atribuição, ocupação e uso das terras na Amazônia.
Fonte: EMBRAPA Territorial.
No Cerrado, coração da expansão da produção de grãos do país, 52,2% do bioma continua com vegetação nativa e 45,9% estão sob uso agropecuário. Desse total, 30,0% da área do Cerrado está coberta por pastagens, 14,2% por lavouras e 1,7% por silvicultura. Produtores rurais respondem por 34,7% de toda a área do Cerrado preservada dentro de imóveis rurais (figura 3).
Figura 3.
Atribuição, ocupação e uso das terras no Cerrado.
Fonte: EMBRAPA Territorial.
Em síntese: a Amazônia tem 83,7 % da área preservada e o Cerrado 52,2%, mesmo abrigando grande parte da produção de grãos e da pecuária nacional.
No entanto, o quadro não está isento de desafios. Entre a edição anterior do estudo, em 2021, e a atualização apresentada na COP30, a área conservada diminuiu de 66,3% para 65,6% do território nacional. Essa contratação de 0,7 ponto percentual representa 595,7 mil hectares. Uma parte da diferença vem de ajustes metodológicos, como o uso de melhores imagens de satélite e a criação da categoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, que hoje somam 6,5% do território brasileiro, o equivalente a 55,3 milhões de hectares. Outra parte reflete avanço real de atividades produtivas sobre vegetação nativa, em grande medida dentro das regras do Código Florestal.
Mesmo assim, o ponto central é outro. Ao contrário da percepção comumente divulgada, a agropecuária brasileira está cercada por vegetação nativa. Em vez de um mapa inteiramente tomado por desmatamento, os números revelam outra realidade. A produção ocupa uma fração do território. Em volta dela, dentro e fora das propriedades, permanece um conjunto expressivo de florestas e outras formações nativas que sustentam regimes de chuva, regulam a temperatura, protegem solo e água e dão lastro à agenda climática do país.
Quando o olhar se volta para as pastagens, aparece a outra metade dessa história. Um artigo técnico, publicado na revista Land em 2024, analisou as pastagens brasileiras com dados geoespaciais. O trabalho identifica 177 milhões de hectares com pastagens cultivadas no país. Desse total, 109,7 milhões de hectares apresentam algum grau de degradação, o que corresponde a 62,0% da área com pastagens cultivadas. São áreas com solo empobrecido, menor produção de forragem, maior risco de erosão e pior aproveitamento de água e nutrientes.
A partir desse diagnóstico, os pesquisadores cruzaram o nível de degradação dos pastos com o potencial agrícola do solo, o zoneamento de risco climático, a presença de infraestrutura e a localização de áreas sensíveis para a conservação. O filtro destacou 28 milhões de hectares de pastagens plantadas com degradação intermediária ou severa, situadas em áreas de bom ou muito bom potencial agrícola, fora de unidades de conservação, terras indígenas e áreas de alta prioridade para biodiversidade.
Esse bloco de 28 milhões de hectares funciona, na prática, como uma nova fronteira dentro das propriedades rurais. O estudo mostra que a conversão dessas áreas em lavouras ou em sistemas integrados tem capacidade de ampliar a área com grãos entre 30,0% e 35,0% em relação à área cultivada na safra 2022/23, conforme o cenário considerado. Tudo isso em terras abertas no passado, sem necessidade de remover nova vegetação nativa.
Para a pecuária, esse conjunto de informações abre duas leituras claras. A primeira é econômica. Pastagem degradada pesa na conta da fazenda: entrega menos arrobas por hectare, alonga o tempo de engorda, aumenta o custo por unidade produzida, reduz a capacidade de lotação e dificulta o uso eficiente de insumos. Áreas com bom potencial agrícola podem ser recuperadas para uma pecuária mais intensiva ou compartilhadas com lavouras em sistemas de integração lavoura–pecuária–floresta.
A segunda leitura é ambiental. Quando uma área degradada se torna pastagem bem manejada, lavoura ou sistema integrado, o solo fica mais protegido, o uso da água melhora, o carbono no sistema tende a aumentar e a pressão para abrir novas áreas diminui. A mesma decisão de manejo que melhora o resultado econômico da fazenda ajuda a sustentar metas de clima e conservação.
No fim, para o pecuarista, essa combinação de números oferece uma narrativa diferente sobre o próprio papel da pecuária. Não é o campo contra a floresta. É o campo dentro de um país que continua majoritariamente coberto por vegetação nativa e concentra uma parte importante do seu potencial de ganho ambiental justamente nas terras agrícolas. Cada hectare de pastagem recuperado, cada sistema de integração bem conduzido, cada fazenda que cumpre e supera o Código Florestal reforça, na prática, a ideia de um Brasil que produz e preserva ao mesmo tempo.
Referências
EMPRESA BRASILEIRA DE PESQUISA AGROPECUÁRIA. Embrapa Territorial apresenta atribuição, ocupação e uso das terras no Brasil na COP30. Campinas: Embrapa Territorial, 2025. Disponível em: <Embrapa Territorial apresenta atribuição, ocupação e uso das das terras no Brasil na COP30 - Portal Embrapa>
EMBRAPA. Brasil possui 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial para expansão agrícola. Semear Digital, Campinas, 19 fev. 2024. Disponível em: <Brasil possui 28 milhões de hectares de pastagens degradadas com potencial para expansão agrícola – Semear Digital>
BOLFE, É. L.; VICTORIA, D. C.; SANO, E. E.; BAYMA, G.; MASSRUHÁ, S. M. F. S.; OLIVEIRA, A. F. de. Potential for Agricultural Expansion in Degraded Pasture Lands in Brazil Based on Geospatial Databases. Land, Basel, v. 13, n. 200, 2024. DOI: 10.3390/land13020200. Disponível em: https://doi.org/10.3390/land13020200.
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