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Scot Consultoria

Quanto custa para se produzir arroz


Sexta-feira, 3 de junho de 2005 - 14h39

Nascido e criado no Rio de Janeiro, para mim arroz, carne, leite e farinha de trigo "davam" no supermercado, nunca, naqueles quase 32 anos, me perguntei como esses produtos chegavam no balcão.
VAI SER BARBADA
  • Há seis anos atrás, quando cheguei, para trabalhar na atividade primária no Alegrete/RS, tinha a impressão, que trazia do Rio. O agronegócio comercial era a atividade mais rentável e prazerosa que podia existir, grandes propriedades, camionetes, cavalos, casas grandes, etc. e com sólidos conhecimentos que tenho na área administrativa e gerencial pensei: "Vai ser barbada".
    A CANOA FAZ ÁGUA
  • No primeiro mês fiz um levantamento de todo o negócio e comecei a perceber que a canoa do agronegócio era grande e confortável, mas que fazia água e não se podia tapar o buraco, apenas retirar a água que entrava. Daí, sem me alongar muito, comecei a querer saber o quanto custava para tocar o agronegócio, e no caso do artigo em questão, quanto custa para produzir arroz? - Logo vi, que essa atividade primária é mais mecanizada e tecnificada do que as outras. Somas vultuosas de dinheiro são envolvidas e o retorno depende do bom humor do mercado, dos governos, dos fornecedores de insumos, da indústria, da justiça do trabalho, da Fepam...
  • Veja bem, para se entrar, hoje, no negócio, com alguma chance de ter retorno, você precisa plantar no mínimo 100 hectares (ha) e ter uma condição mínima de maquinário (sendo quase tudo já usado). Então, pegamos, como dizem, compramos uma lavoura e pagaremos, num bom negócio, com o produto da safra que ainda nem plantamos, pelo equipamento usado já existente.
    R$300 MIL
  • Uma colheitadeira (R$120 mil), um trator arrozeiro 125 hp (R$45 mil), um trator 85 hp arrozeiro (R$ 25 mil), uma plantadeira (R$ 10 mil), um levante elétrico e canos (R$30 mil), um "pacote de ferros" (grades, entaipadeira, valetador, ferramentas...) R$25 mil, 2 casas de madeira e um galpão pequeno (R$10 mil). Num total de R$265 mil para iniciar o negócio. Opa, já ia me esquecendo, a maioria desse maquinário foi usado na safra passada e precisa de uma revisão (R$15 mil no mínimo) e da "famigerada" camionete (R$20 mil). Passamos então para R$300 mil. É isso mesmo! E só com material usado de mais de 5 safras.
  • Agora é só adquirir os insumos, contratar pessoal e tocar o negócio. Na safra 2004-2005, tivemos um custo mínimo por hectare de R$2,8 mil, o que dá um total de R$280 mil.
  • Bom, se plantar no tempo certo, se a chuva não atrapalhar, se o trator não quebrar, se não der frio na flor, se não der tormenta, se o raio não queimar o transformador, se a plantadeira não quebrar, se não faltar água, se não der granizo, se não der praga, se não der arroz vermelho, se não der causa trabalhista,... poderemos colher uns 7 mil kg/ha secos, disponíveis para venda (a média do RS gira em torno de 5.500 kg/ha). O que dá um total de 14 mil sacos de 50 kg para vender a R$20,00 (ou R$2,00 o saco de 5kg, do mesmo arroz que o consumidor, hoje paga R$6,00), gerando R$280 mil de receita. E como pagar os R$300 mil do investimento? - Como buscar dinheiro para a próxima lavoura? - E se o preço do arroz no próximo ano safra continuar baixo? - E se a lavoura der problema? - Peço aos leitores que me respondam...
    A CANOA ESTÁ QUERENDO AFUNDAR
  • Aprendi rapidamente que a lavoura de arroz exige competência técnica, sorte, política agrícola e uma boa gestão, nesse último caso, uma grande falha do produtor, ou melhor, do brasileiro, afinal quantos negócios se abrem e se fecham todos os dias no Brasil por problemas de gestão. Ao arrozeiro, devido ao grande volume de recursos envolvidos (afinal o arroz é o grão que exige o maior valor de recursos por ha dentre todos os outros grãos) só resta "chorar", pois seu negócio exige que ele esteja sempre alerta e constantemente fique a retirar a água da canoa ("fique a chorar").
  • Na safra 2003-2004, até deu para pintar a canoa, colocar equipamentos novos, melhorar as acomodações, mas nessa safra a água começou entrar mais rápido do que se pode retirar e a canoa está querendo afundar.
    CONCLUSÃO
  • No final de minha análise, tive que me render aos fatos e chegar a seguinte conclusão:
  • O arroz, como todos os grãos, é sinônimo de risco, mas é alimento de subsistência, por isso é um produto altamente protegido pelos governos em todo o mundo, se não plantarmos aqui e gerarmos emprego e renda, iremos trazer de fora pagando o que for necessário para obtê-lo, hoje barato, amanhã... não sei!!!.
  • No Brasil... gostamos de ver artistas, jogadores de futebol, modelos, grandes banqueiros e industriais desfilando em carrões, roupas de grife e tirando férias no exterior, é lindo, usamos a sandália da fulana, o desodorante do ciclano, o cigarro do beltrano e achamos que estamos na moda. Não há sem-terra que não goste de ver um "Ratinho", ver uma novela das oito, ter uma geladeira, assistir uma partida de futebol, um som, um carrinho, etc.
  • Boa parte desse dinheiro reverte para os mesmos artistas, jogadores de futebol, modelos, grandes banqueiros e industriais, como prêmio (e com todo mérito) por nos ter dado satisfação ou tornado nossas vidas mais felizes.
  • Porém, os que produzem alimentos, condição essencial para existência humana moderna, devem, no conceito de muitos, andar de pés descalços, roupas modestas e, de preferência, só sair da propriedade para comprar comida e os insumos necessários para produzí-la.
  • Talvez seja hora, de dar o devido respeito aos que produzem, deixarmos de lado os preconceitos que tínhamos fruto dos anos 70/80, procurar estudar ou conhecer o setor. Já se foi o tempo que se ganhou muito dinheiro no negócio, a globalização e abertura comercial impedem altas sucessivas do produto e a inflação aumenta a cada ano o custo do negócio.
  • É hora de ver que se quebramos os arrozeiros estaremos dando nosso dinheiro para os arrozeiros de outros países. Precisamos decidir se queremos deixar de fazer circular quase 50% do ICMS gerado nos municípios da Fronteira Oeste, com reflexo para o comércio e serviços municipais, se queremos aumentar a legião de desempregados, ou se devemos nos juntar aos arrozeiros e brigar pelo direito de nossas cidades não ficarem mais empobrecidas.
  • Quanto custa para se produzir arroz? Acho que muito mais do que pensava antes de escrever esse artigo!!!!!
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