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Scot Consultoria

Mercado livre: chegaremos lá?


Segunda-feira, 25 de julho de 2011 - 09h28

De antemão já vou avisando – infelizmente não. O assunto veio à tona quando os EUA sinalizaram o fim dos subsídios ao etanol, resultando em mau humor no mercado. O assunto é válido por colocar em perspectiva a eficiência dos países envolvidos. Professores de economia usualmente ensinam a teoria das vantagens comparativas como base para a análise do comércio internacional. Essa teoria foi formulada pelo economista clássico, David Ricardo, no início do século 18, e apesar de antiga é extremamente útil e válida até hoje. Ela diz que os países devem concentrar seus esforços naquilo que fazem melhor, aproveitando o excedente gerado pela sua expertise na aquisição dos bens que não são produzidos internamente. Exemplo fictício: dois países (“A” e “B”) são produtores de laranjas e maçãs. “A” produz laranjas a um custo de R$10,00/caixa, enquanto “B” produz a mesma caixa a um custo de R$15,00/caixa. Ao mesmo tempo, “B” produz uma caixa de maçãs a R$20,00/caixa, enquanto “A” produz o mesmo a um custo de R$30,00/caixa. Qual deveria ser a lógica do mercado? Em um mundo perfeito os países procurariam a relação do “ganha-ganha”: “A” produziria apenas laranjas (é o que melhor faz) e compraria maçãs de “B”, que por sua vez produziria apenas maçãs e compraria as laranjas de “A”, gerando excedentes em ambos países participantes dessa relação de troca. Pena que o mercado é mais complexo do que laranjas e maçãs. Imagine comparar um contêiner de microchip com um de filé mignon. Ambos possuem uma extensa cadeia de produção, diversos agentes envolvidos, são influenciados pela economia mundial, e assim por diante, mas à medida que os produtos saem da razão entre custo de mão de obra e utilidade, a comparação começa a ficar difícil. As relações que envolvem a economia são como uma complicada “teia de aranha” – se mover um fio aqui, outro aparentemente sem qualquer relação desmorona, levando todo o sistema a um novo equilíbrio. Este equilíbrio no comércio exterior é fortemente influenciado pelos subsídios, sejam eles de qualquer fonte ou em qualquer produto. Faz com que atividades deficitárias em seu lucro se tornem competidores globais e levem prejuízo à agentes mais capacitados. Os produtos agropecuários notadamente sofrem esse tipo de distorção. Alguns casos são bastante peculiares: países hoje desenvolvidos que enfrentaram o horror da guerra e da fome tendem a assegurar a produção interna de alimentos, numa espécie de “segurança alimentar” da sua população, custe o que custar. Principalmente países da Europa e Israel, são alguns dos que possuem plenas condições de importar mais barato, mas preferem a segurança da produção interna, diante do horror e ameaças que sofrem ou já sofreram. Em alguns outros casos, a produção é efetivamente eficiente e, além disso, conta com uma extensa rede de apoio governamental, entidades de classes e apoio político em geral. É o caso dos agricultores dos EUA, que possuem um forte lobby no Senado. Os agricultores norte-americanos são extremamente eficientes na produção de milho. A produtividade média por hectare é mais que o dobro da obtida pelos agricultores brasileiros. Repare na figura 1. Até a média mundial é influenciada pela alta produtividade dos americanos, por essa razão existe o item “Mundo Ex-EUA” na última figura, para mostrar que produtores brasileiros estão acima da média mundial, mas como os EUA detém cerca de 39% da produção mundial, o número acaba influenciado. Se a produtividade dos EUA é tão boa assim, como os subsídios participam dessa distorção? A tabela abaixo mostra o número de leis de incentivo criadas pelo governo dos EUA. São diversas leis, que vão desde deduções de imposto de renda aos produtores de etanol do milho até o financiamento de veículos que funcionam com esse combustível. Repare que não existe apenas um incentivo, pontual e específico, que justifique uma distorção de mercado, mas uma complexa rede de leis de incentivo, deduções e linhas de crédito que levam a uma sólida demanda por etanol – a partir do milho. Através dessas leis, o governo norte-americano cria as condições de demanda para os produtores. O uso do milho para etanol nos EUA subiu 20 vezes desde 1986. De 2002 a 2010, a produção aumentou cinco vezes, basicamente levada pelo número de incentivos disponibilizados pelo governo. A demanda para etanol representa hoje 16% de toda a oferta mundial, levada por uma pujante indústria de etanol. Atualmente, a situação dos incentivos e subsídios destinados à agricultura dos EUA vem, em certa medida, ajudando produtores ao redor do mundo. Levada principalmente por metas de produção de combustível de fontes alternativas e pressões por parte de ambientalistas, a demanda por milho enxugou os estoques e hoje, diante da incerteza climática e estoque final reduzido, oferece um belo suporte aos preços em patamares elevados. Desnecessário dizer que uma indústria desse porte irá lutar “com unhas e dentes” pelos seus benefícios. Associações de produtores rurais, políticos, imprensa e ambientalistas fazem coro diante do Congresso americano pela manutenção dos subsídios. E não acabará tão cedo. Enquanto isso, produtores brasileiros podem se beneficiar deste ciclo de alta dos produtos agrícolas. Não durará para sempre. Rentabilidade atrai investidores, que aumenta a produção e diminui os preços no longo prazo, e este é o ciclo constante das commodities, há que se aproveitar e se preparar para a próxima fase. Produtores de cana-de-açúcar no Brasil comemoram o “início do fim” dos subsídios agrícolas nos EUA. Será uma nova balança entre a produção de açúcar e a de energia. Quem sabe seria melhor se preocupar antes com o fornecimento de etanol no Brasil, pois, se nem conseguimos garantir o abastecimento brasileiro, que dirá o maior mercado consumidor do mundo.
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