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Brincando de deus, versão 2006


Quinta-feira, 16 de novembro de 2006 - 11h33

Fernando Reinach* Você sabia que 99,99% de todas as espécies de plantas e animais que já habitaram nosso planeta estão extintas? É isso mesmo, de cada 10 mil espécies que viveram na Terra, somente uma ainda está entre nós. A biodiversidade entre as espécies extintas é milhares de vezes maior que a biodiversidade atual. Isto significa que o destino de todas as espécies é se extinguir. Aceitar esse fato é desagradável, mas permite uma melhor compreensão do nosso lugar na história do planeta. Esse fato já era conhecido por Darwin quando ele publicou A Origem das Espécies, em 1859, e sua descoberta se deve à descrição da diversidade dos fósseis. Quando os paleontólogos começaram a estudar de maneira sistemática as camadas de fósseis no século 17, encontraram uma diversidade enorme de animais extintos, a grande maioria deles sem nenhuma correspondência com os seres vivos existentes. Milhares de dinossauros não deixaram descendentes e mesmo entre as linhagens que deixaram descendentes diretos, como os cavalos ou os humanos, o número de “parentes” extintos é dezenas de vezes maior que o número de espécies sobreviventes. Desde o século 19, muito antes de a ecologia surgir como disciplina, todo naturalista sabia que o destino final das espécies é a extinção. Apesar de nos preocuparmos com o destino do mico-leão-dourado e condenarmos a devastação da Amazônia e a diminuição da biodiversidade, a realidade é que o desaparecimento de espécies é condição necessária para que novas espécies se espalhem pelo planeta. Os cientistas acreditam que foi a extinção dos dinossauros que permitiu que os mamíferos se espalhassem na Terra. Se o processo de extinção é normal, então devemos nos perguntar se é “biologicamente ético” o homem tentar reduzir a destruição que ele mesmo vem causando no planeta. Antes de nós, muitas espécies bem-sucedidas causaram tamanho estrago no ambiente em que viveram e terminaram por inviabilizar sua própria existência. Punir com a extinção essas espécies faz parte do processo de seleção natural. Foi a seleção natural que ao longo do último milhão de anos “criou” o homem. Agora, neste início do século 21, esse animal, do alto do seu egocentrismo, decidiu que pretende controlar o processo de seleção natural, salvando espécies em extinção e tentando controlar a maneira como altera o meio ambiente. É difícil prever se teremos sucesso, mas a arrogância da nossa espécie é notável. Para quem não acredita que nosso destino depende de um determinismo divino, interferir no processo de nossa própria seleção natural talvez seja a atividade humana que mais se assemelha ao que classificamos como “brincar de Deus”. Muitos pessimistas acreditam que não vai ser uma minoria de pessoas preocupadas com o meio ambiente que vai mudar o comportamento predatório do bicho homem. Se isto for verdade, o início do processo que vai levar à nossa extinção já começou. Mas visto de longe não devemos ficar tristes, nossa extinção deve permitir que novos e melhores seres vivos tomem nosso lugar no planeta. Nós deixaremos de pertencer à minoria das espécies vivas e passaremos a ocupar nosso lugar entre as espécies extintas. Para quem tem filhos e netos, o único consolo é que o último ser humano a morrer provavelmente ainda não nasceu. *Fernando Reinach é biólogo. E-mail: fernando@reinach.com
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