Mesmo em meio às oscilações da arroba do boi gordo em 2015, de janeiro até junho, os preços acumulam valorização. Em São Paulo, a alta foi de 2,1% no valor referência do macho terminado neste período. Porém, a variação positiva de 24,8% de janeiro a dezembro de 2014 surge como um dos motivos pelo qual a arroba não teve força para subir tanto em 2015. Quem faz a constatação é a engenheira agrônoma e consultora da Scot Consultoria (Bebedouro/SP), Maisa Módolo.
Ela completa: "Os frigoríficos vêm pagando mais pela arroba e os preços foram repassados para a carne. Embora não na mesma proporção, a carne teve alta na ponta final da cadeia e o consumidor recuou diante desse cenário. A conjuntura econômica e a percepção do brasileiro sobre a situação do País não é otimista, e confirma o cenário de queda no consumo".
Quem corrobora tal afirmação é o consultor da Coan Consultoria (Jaboticabal/SP), Rogério Coan. Segundo o zootecnista, a crise econômica instaurada no País impacta negativamente na atividade no que tange investimentos em produção, visto a inexistência de uma estimativa real do mercado para os próximos meses. "É como querer ampliar uma fábrica de peças automotivas em um momento em que o mercado não está receptivo à compra de carros. Na pecuária intensiva não é diferente".
Além disso, aliado ao preço elevado em comparação às outras proteínas animais nas gôndolas dos supermercados, as exportações não vêm colaborando para o escoamento da produção, ressalta o consultor. Seguindo este raciocínio, Módolo completa: "Embora as expectativas para 2015 fossem boas, a Rússia iniciou o ano com a economia fragilizada pela queda no preço do petróleo e reduziu as compras da carne brasileira".
Quanto à China, a consultora não acredita que as comercializações com este país sustentarão o mercado brasileiro neste ano: "Embora seja importante reabrir o mercado chinês para reafirmar o status de qualidade da carne brasileira e ampliar o número de clientes, impactos na demanda ocorrerão somente daqui a alguns anos". E ela argumenta: "Em 2012, ano em que esse mercado mais comprou carne do Brasil, os negócios representaram pouco mais de 1% do total embarcado pelas nossas indústrias".
Outra aposta de muitos para a recuperação da demanda são os Estados Unidos. Módolo opina: "Embora tenham acabado de firmar um acordo para compra de carne in natura brasileira, deve levar mais alguns meses para que as regras de processo e produto exigidos sejam acertadas entre os dois países e, somente a partir daí, o primeiro contêiner será liberado".
Com este cenário configurado, Coan é taxativo ao afirmar: "As expor tações ditarão o humor do mercado e a permanência de muitos frigoríficos na atividade". Ele argumenta: "O consumo interno per capita/ano (41 kg) não tende a evoluir, pelo contrário, tende a regredir". E mesmo as vendas externas representando pouco se comparadas ao consumo interno, cerca de 80 a 85% da produção, são necessárias para o escoamento, principalmente em momento de consumo em baixa. "Com exportações e consumo em baixa, é de se esperar que parte da carne bovina anteriormente exportada permaneça no mercado, com isso, a tendência é de uma diminuição da margem da indústria frigorífica, correndo até mesmo riscos de operar em negativo", projeta o consultor.
Voltando as atenções ao consumo, Coan analisa a situação: "Com a menor precificação dos grãos, as atividades avícolas e suinícolas tendem a apresentar custo de produção mais baixo, implicando em oferta de produto no mercado a preços reduzidos e mais competitivos em comparação com a carne bovina. Além disso, outros componentes do orçamento familiar tem aumentado substancialmente, como energia elétrica, combustíveis, alimentos, água, etc., sobra menos capital para o bife nosso de cada dia. Assim, vejo como natural a migração do consumo da carne bovina para as carnes de frango e de suínos".
A consultora da Scot Consultoria cita a Pesquisa de Intenção de Consumo das Famílias (ICF, abaixo), desenvolvida pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), como uma tradução do sentimento do consumidor a respeito da situação do País, das perspectivas econômicas, mercado de trabalho, perspectiva de consumo e renda, entre outros indicadores. "Mais do que apontar se a inflação desceu ou subiu, se a taxa de juros está maior ou menor, ou qual o nível de recessão que teremos, o ICF retrata, em termos práticos, em que medida a situação do País tem sido sentida pela população".
Valorização tímida
De volta ao parágrafo inicial da reportagem, mesmo em meio a essa situação complicada pela qual o País atravessa, o preço da arroba encontrou condições de se manter firme, muito pela baixa disponibilidade de animais. "A fase é de alta do ciclo pecuário, o que confirma a expectativa e preços firmes este ano, ainda que com alguns momentos de oscilação e de quedas reguladas pelo comportamento sazonal no mercado da carne", explica a engenheira agrônoma, e completa: "O preço da dieta está mais competitivo este ano, outro fator positivo ao confinador".
De qualquer maneira, é imprescindível ao confinador avaliar seus custos e redobrar a cautela, sugere Módolo: "O custo com a aquisição do boi magro representa cerca de 70% do total e há incertezas quanto ao comportamento dos preços do boi gordo no momento da venda, já que o mercado futuro vem apresentando oscilações negativas".
Com expectativas de valorização da arroba entre 3,5 e 5% em relação ao preço vigente, Coan analisa como uma necessidade gerencial a adesão dos pecuaristas ao confinamento: "Este método permite ajustes no sistema de produção, tanto na capacidade de suporte da propriedade como ferramenta para estoque de arrobas da safra para entressafra. Nenhuma outra tecnologia permite a liberação dos pastos e estoque de um grande volume de animais em uma pequena área. Além disso, com a necessidade de aumento de produtividade, o confinamento se torna peça fundamental para alcançar tal objetivo".
E, quanto ao boi magro, o consultor acredita na manutenção da precificação, uma vez que o abate de matrizes de anos anteriores e o maior aporte de tecnologias em nutrição animal "eliminaram esta categoria do mercado", afirma Coan. "Hoje, abate-se animais com 18 a 22@ com 19 a 24 meses. O boi magro no médio prazo tende a diminuir". Módolo confirma: "Tivemos participação das fêmeas nos abates crescentes entre 2011 e 2013. Os bezerros que elas deixaram de produzir são os animais de reposição que fazem falta hoje. Assim, a alta dos animais de reposição foi maior que a do boi gordo em todos os estados pesquisados pela Scot Consultoria, o que prejudicou o poder de compra do pecuarista, mas não quer dizer que tornou inviável a relação de troca".
O mercado, contudo, já aponta para preços do boi magro próximos de uma estabilidade, não só pela recente perda de firmeza do boi gordo, o que acaba desestimulando a demanda pela reposição, mas também pela resistência dos compradores aos preços vigentes. "Já há relatos de negociações a preços menores do que a referência", esclarece a consultora.
Coan ainda acrescenta: "Se o preço da reposição permanecer nos patamares atuais, acredito em uma diminuição dos custos de produção, uma vez que as dietas tendem a ficar mais competitivas a partir da primeira quinzena de julho. A segunda safra de milho tende a superar as expectativas, o que traz um cenário diferente para as dietas de confinamento, uma vez que tal insumo apresenta destacada participação nas dietas intensivas".
"Por este conjunto de motivos, os preços da arroba apresentam resistência em subir", esclarece Módolo e encerra: "Por outro lado, a baixa oferta limita desvalorizações expressivas, o que leva a expectativa de que os preços não oscilem expressivamente em médio prazo". E, como conclusão, Coan sugere: "Para aquele pecuarista que não possui um planejamento na propriedade, com reserva estratégica de forragem para o período seco (diferimento de pastagens) ou o uso do confinamento, a saída é mesmo vender o produto no mercado, principalmente no atual momento, onde as pastagens do Centro-Oeste brasileiro cessam o crescimento em virtude da restrição de chuvas, menor fotoperíodo e menor temperatura".
Fonte: Revista Feed&Food, edição no. 99 (julho/2015), texto de João Paulo Monteiro - http://www.revistafeedfood.com.br/pub/curuca/
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