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Scot Consultoria

Mais dinheiro para a engorda


Quinta-feira, 25 de junho de 2015 - 16h21

Os fundos de investimentos estão novamente de olho nos confinamentos brasileiros. Tal qual aconteceu no fim da década passada, entre os anos de 2006 e 2009, a intensificação da produção de bois, com valorização da arroba e boas perspectivas de exportação da carne bovina brasileira, impulsiona o interesse de investidores a financiar esse segmento da pecuária.


DBO entrou em contato com duas empresas gestoras desses fundos, ambas sediadas em São Paulo: a Finvest Agro, braço agropecuário do grupo Finvest Specialty Finance, que atua também nos setores imobiliário e de saúde, e a Hedge Alternative Investments, formada por ex-integrantes do mercado financeiro. A primeira começou a operar em janeiro, com foco exclusivo nos confinamentos, enquanto a segunda aguardava, para dia 1º. de junho (quando era fechada esta edição) autorização da Comissão de Valores Mobiliários para operar nos segmentos de boi gordo, café e soja.


O modelo de financiamento é o mesmo praticado em anos anteriores: a ferramenta utilizada é a Cédula de Produto Rural, espécie de nota promissória emitida pelo tomador do empréstimo em troca de adiantamento de recursos, com taxa de juro prefixada e cobrada já na liberação do dinheiro; no vencimento, o produtor paga o valor de face do documento. No caso dos confinamentos, a ferramenta propicia agilidade para a compra de animais, com um giro rápido que lhe é característico, normalmente entre 90 e 120 dias de permanência nos cochos, antes de seguir para o abate.


Capital de giro - Segundo o economista Ricardo Cotrim, responsável pela carteira agro da Finvest, a proposta é ser "diligente na análise de crédito e reduzir burocracias", de forma a que o pecuarista possa utilizar essa ferramenta como um "capital de giro de animais".


Ele explica que esse tipo de operação permite ao confinamento ganhar escala, o que às vezes é impossibilitado quando a empresa - ou pessoa física - já não pode utilizar o limite de crédito oferecido pelos bancos comerciais com os quais opera ou prefere usar esse crédito para outras atividades da fazenda. "Oferecemos uma flexibilidade maior", diz ele, dando como exemplo a eventual utilização de uma mesma CPR para a substituição de animais que já foram abatidos por outros que estão entrando no confinamento, dispensando todo o processo de repactuação do crédito com base em novas garantias, o que normalmente é exigido pelos bancos.


Para o engenheiro agrônomo Marcelo Petto, da Hedge Investments, esses recursos servem como linha secundária para produtores que já utilizaram recursos subsidiados do crédito oficial, que cobram taxas de juros mais baixas (6,5% ao ano, até a safra passada) mas são limitados. "Os juros cobrados por essa segunda linha são mais altos, mas o produtor tem a vantagem de não pagar IOF e IR", diz ele, que atuou por cinco anos (até agosto de 2014) como operador do setor de originação (compra de gado) do Banco Original, ligado ao grupo JBS, auxiliando pecuaristas na obtenção de recursos, via CPRs.


Segundo Petto, no caso da pecuária, a ideia é financiar quem já está operando um primeiro giro de confinamento e pretende comprar animais magros para o segundo, condição que normalmente o pecuarista só conseguiria após a venda do primeiro giro. "Vamos possibilitar a compra antecipada da reposição", resume.


Pelo lado do investidor que está nos fundos, o gestor diz que a ideia é oferecer uma possibilidade de diversificação - que não está sujeita a incertezas políticas - para papéis de renda variável e de renda fixa. "O agronegócio é um setor que vai muito bem no Brasil. E a remuneração oferecida nesse tipo de fundo é mais atraente do que, por exemplo, os CDBs oferecidos pelo sistema bancário: as taxas de retorno podem chegar a 15 ou 16% ao ano, ante 12% dos CDBs", calcula ele. Taxas próximas a essas, que incluem a taxa de administração do fundo, serão cobradas dos tomadores dos empréstimos, os pecuaristas.


Quanto à Finvest Agro, Ricardo Cotrim informa que os recursos estão sendo captados em operações da empresa, que tem como acionistas majoritários três sócios brasileiros e participação de dois fundos internacionais. Ele informa que o volume de recursos disponível é "interessante", mas prefere não falar sobre as taxas a serem cobradas dos pecuaristas.


Segundo ele, a Finvest já tem contrato com três confinamentos e negociações em andamento com mais outros sete, com rebanhos espalhados pelos Estados de Goiás, Mato Grosso, São Paulo, Minas e Mato Grosso do Sul. Os contatados até agora têm uma capacidade estática variando de 5.000 a 15.000 cabeças.


Pré-Condições - Cotrim informa que os confinadores candidatos aos recursos do fundo devem ter seus animais cadastrados no Sisbov (sistema Eras), não só pela rastreabilidade, que é um mecanismo de controle que o fundo pode ter sobre o financiado, como também pelo fato de essa adesão denotar um nível de gestão mais elevado por parte da propriedade, o que proporciona maior grau de confiança na operação. "O Sisbov permite que se tenha mais transparência. E também queremos trabalhar com quem tenha procedimentos de gestão adequados, para um segmento que entendemos estar em crescimento", justifica, mostrando gráfico elaborado pela Assocon (a Associação Nacional dos Confinadores) onde se constata aumento de mais de 80% no número de cabeças confinadas no Brasil entre 2010 e 2014 (2,2 milhões para 4 milhões).


Para exercer controle sobre a movimentação de gado no confinamento, os números dos brincos dos animais são anotados na CPR. O crédito é exclusivo para a compra de animais, sejam eles do confinador ou de parceiros que trabalhem para um determinado boitel, esse o receptador dos recursos emprestados.


Cotrim explica que, mesmo sendo o emissor da CPR, o boitel pode repassar os recursos a seus parceiros pecuaristas, que podem usar esse dinheiro para comprar animais de recria (bezerros ou garrotes) ou mesmo para fazer reposição dos bois magros que foram mandados para o boitel.


Cuidados - Aproveitar o bom momento de preços elevados da arroba do boi e aumentar a quantidade de animais no confinamento é algo que muita gente está pensando em fazer e ter mais linhas de financiamento para concretizar esse objetivo é algo convidativo. Mas é preciso cuidado.



É sabido que o movimento de uso desenfreado de recursos por parte dos confinamentos no fim da década de 2000 levou alguns grandes projetos a naufragar. O mais conhecido deles é o da Cotril, que chegou a engordar 600 mil cabeças em várias unidades espalhadas por quatro Estados brasileiros. O descuido no gerenciamento dos recursos teria sido a causa do não pagamento de empréstimos aos financiadores, de um lado, e de parceiros fornecedores, de outro. DBO tentou contato com a Cotril, sem sucesso.


Uma fonte ouvida por DBO que vivenciou aquele período - e que pediu para não ser identificada - conta que o "apetite" dos financiadores naquela época foi muito grande, em função da possibilidade de gordos ganhos. Os fundos lastreavam suas operações com CPRs para obter LCAs (letras de crédito do agronegócio), que são letras não financeiras (lastreadas por garantias hipotecárias ou alienação de bens), para vender aos grandes bancos e captar mais recursos, um mecanismo que continua em funcionamento até hoje.


Para se ter ideia, lembra essa fonte, em 2009, por exemplo, a taxa cobrada dos confinamentos pelos empréstimos era de 22% ao ano, superior à da Selic (taxa de juros oficial estabelecida pelo Banco Central do Brasil), que bateu em 18%. "O problema é que a variação do valor da arroba entre a safra - quando o boi magro entra no confinamento -, e a entressafra - quando ele é vendido já como boi gordo - variou de 10 a 15%. Aí, a conta não fechou e muita gente quebrou", relata.


Alcides Torres Júnior, o Scot, da consultoria de Bebedouro que leva o mesmo nome, também acha que o problema foi falta de gestão por parte dos confinamentos e um mercado "enlouquecido", com corretores de gado "brigando entre si para ver quem vendia mais, inflacionando os preços". Para ele, dinheiro novo é bom para a agropecuária, mas a remuneração da atividade não pode ser comparada a um rendimento do sistema bancário. "Acho muito difícil retornos na faixa de 12 a 15% ao ano; 6 a 8% são factíveis", diz ele. Para completar: "Os fundos devem escolher confinamentos bem administrados e neles fazer auditoria fiscal, não só técnica." Isso significa avaliar não só se o confinamento vai conseguir entregar animais em quantidade, peso e rendimento compatíveis com a receita projetada, mas também se a empresa está recolhendo impostos.


Pedro Merola, proprietário do Confinamento Santa Fé, de Santa Helena de Goiás, que no ano passado fechou cerca de 60.000 cabeças, grande parte pertencente a 104 parceiros, concorda que é preciso cuidado no gerenciamento desse tipo de crédito, pois o custo do dinheiro é alto. "O boi não paga um juro de 18 a 24% ao ano. Numa operação de curto prazo, de 90 dias, conseguir um lucro de 4,5% ao mês faz sentido, mas tem de ser uma operação muito bem-feita", diz ele, se referindo ao acerto de todos os componentes do processo - desde custos sob controle até ganhos zootécnicos e travamento de preços, para garantir receita. "Só lançaria mão de financiamento se fosse para ganhar de 5 a 6%", diz ele, informando que só fecha bois quando a margem é de no mínimo 3% ao mês".


Um exemplo que ele cita: financiar a compra de um bezerro que custou R$ 1.250, a um juro de 20% ao ano, significa que o pecuarista terá um custo desse animal de R$ 1.500; adicionando-se a isso um custo de R$ 33 por aluguel de pasto, por 12 meses, o custo sobre para R$ 1.900; se ele levar esse bezerro, de 6,5@ para 11,5@ no período ("o que poucos conseguem") terá um boi magro custando R$ 165/@, R$ 25 acima da cotação da arroba do boi no final de maio, na praça de Goiânia.


Vale o mesmo raciocínio para a conta com o boi magro (feita pela fonte que não quis se identificar): para ter uma margem bruta de 30% na venda de um boi gordo de 18@, que em maio, estava cotado a R$ 150/@ para outubro, o pecuarista precisa ter um custo de produção de R$ 1.900 (R$ 800 de lucro de uma receita de R$ 2.700). Para isso, o preço do boi magro (considerando que ele representa 70% da operação) deve girar em torno de R$ 1.400. Se ele tomar um empréstimo com 15% de juros, esse boi magro passa para R$ 1.600 e o custo total será de R$ 2.300, com a margem bruta caindo para R$ 400, considerando que os outros 30% do custo de produção se manterão nos mesmos patamares. Se ele comprar um boi magro, financiado, a R$ 1.800, o custo total subirá para R$ 2.600, estreitando a margem para apenas R$ 100. E pode ficar negativa se os demais custos de produção ou o próprio boi magro aumentarem de preço.


Para Marcelo Petto, da Hedge Investments, a diferença de hoje para 2008 é que os fundos não irão concentrar recursos em poucos (e grandes) projetos, limitando o ciclo desses recursos. Por exemplo: se um pecuarista quer tocar um confinamento de 15.000 cabeças mas só tem recursos para operar 10.000, a gestora do fundo financiará apenas a compra das outras 5.000. "Não vamos financiar 90.000 cabeças para quem quer passar de 10.000 para 100.000 cabeças", exemplifica ele.


Outro problema por ele apontado naquela época foi utilizar o dinheiro que era destinado para a compra de gado para financiar investimentos em instalações. "Para esse tipo de investimento, recomendamos a utilização dos recursos oficiais, que são mais baratos."


Outra diferença apontada por Marcelo Petto é que os recursos disponíveis no mercado hoje são mais escassos e os fundos não podem operar "alavancados", ou seja, se captam R$ 10 milhões só podem emprestar R$ 10 milhões, não R$ 20 milhões ou R$ 30 milhões.


Fonte: Revista DBO, edição no. 416 (junho/2015). Texto de Moacir José.



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