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Scot Consultoria

Radar sanitário de fevereiro de 2024


Quarta-feira, 31 de janeiro de 2024 - 10h00

Médico-veterinário pela Universidade de São Paulo. É professor titular do departamento de clínica médica pela FMVZ-USP, especializado em Clínica de Ruminantes (ortolani@usp.br).



Essa coluna consta de duas partes: A) Manejo Sanitário para o mês; B) Registro recente de doenças transmissíveis ou não, sugerindo medidas para suas prevenções. Tais registros são obtidos com o apoio das Agências Estaduais de Defesa Sanitária Animal, de Professores Universitários, do MAPA, da EMBRAPA, e da rede de contato de veterinários de campo, assim como minhas observações.


Manejo Sanitário

Tratamento estratégico contra carrapatos

Segundo recomendações da Embrapa-Bagé, recomenda-se neste mês tratamento estratégico contra carrapatos no estado do Rio Grande do Sul e no planalto catarinense. O tratamento estratégico é geralmente feito em períodos em que há baixa infestação de carrapatos, com o intuito de diminuir muito as futuras gerações desta população e as infestações nos animais. O ideal é que o medicamento a ser empregado seja selecionado anteriormente pelo teste de biocarrapaticidograma, feito com carrapatos de sua própria fazenda. Nunca trate a esmo, pois a resistência dos carrapatos aos principais princípios ativos é enorme em todo o Brasil! Teste, gratuitamente, a eficiência destes produtos nos carrapatos de sua propriedade.


Para tal, siga as instruções e envie carrapatos adultos para:


EMBRAPA GADO DE LEITE-MG: cnpgl.carrapato@embrapa.br


INSTITUTO DESIDÉRIO FINAMOR-RS:www.ipvdf.rs.gov.br


Os resultados saem em até 60 dias e geralmente o carrapaticida indicado como o mais eficiente funciona “tiro-e-queda”!


Registro de doenças e parasitoses recentes

“Requeima” na Paraíba

Médico veterinário descreveu a morte de 25 garrotes e mais uma dezena de outros acometidos com quadro típico e agressivo de requeima (fotossensibilização), em uma região da mata Atlântica da Paraíba. Esses animais tinham sido recém adquiridos de uma fazenda da região Amazônica do estado do Maranhão. Segundo informações recebidas, alguns bovinos já vieram com o problema, mas boa parte manifestou a doença assim que chegaram à Paraíba. A fonte ainda informou, que a propriedade maranhense tinha pastagens de braquiarão (B. brizantha) bem implantadas e com bastante massa verde, pois a quantidade de chuva no último trimestre do ano, embora um pouco abaixo da média, foi adequada.


Chegando na nova fazenda os animais foram colocados também em pastagens de braquiária e em menos de oito dias já apresentaram o quadro, caracterizado por: perda de pelos em várias regiões do corpo, inflamação e “avermelhamento” da pele, apatia, diminuição do apetite, emagrecimento, e morte em 50% dos casos. O tratamento proposto foi colocar os animais doentes na sombra, adicionar quantidades extras de óxido de zinco no suplemento mineral, e para aqueles com quadro mais grave, foi-se oferecido, via oral, deste mesmo sal.


Tudo indica que os animais desenvolveram a doença no Maranhão, pois, segundo dados da literatura, no mínimo demoram 14 dias desde a ingestão do capim contaminado, com uma micotoxina, até o início do desenvolvimento dos sintomas. A micotoxina (esporidesmina) é produzida por um fungo (Phitomyces chartarum) que cresce nos períodos quentes e chuvosos no material vegetal morto úmido (folhas e talos) de certos capins, com destaque aos do gênero braquiária. Muitas vezes quando a lotação é alta na pastagem aumenta a chance de os animais ingerirem esse material vegetal morto contendo a micotoxina. Esta é absorvida e provoca uma lesão específica no fígado, e interfere na destruição completa da clorofila dos capins, provocando o acúmulo de uma substância chamada filoeritrina, a qual sai do fígado e vai ao sangue, e na pele submetida aos raios solares gera “queimaduras”, pelo acúmulo de radicais livres. Em algumas situações, não muito bem definidas, esses mesmos capins podem produzir saponinas, que têm o mesmo efeito da esporidesmina. A suplementação com boas doses de zinco irá diminuir a formação de radicais livres na pele e aliviar o processo!


Imagem 1. “Requeima” em vastas áreas da pele.


Fonte: Enrico L. Ortolani.


Imagem 2. Material vegetal morto no meio do capim verde.

Fonte: Enrico L. Ortolani.


Imagem 3. O fungo Phitomyces chartarum.

Fonte: Enrico L. Ortolani.


Infestação de carrapatos no Maranhão, Tocantins e Sul do Pará

Pesquisador da Universidade Federal do Maranhão e veterinários de campo descreveram um grande aumento da infestação de carrapatos em rebanhos nelore nesses três estados. Segundo informações, as condições meteorológicas particulares do segundo semestre na região, por influência de “El Niño”, favoreceram a súbita infestação de carrapatos, pois existiu uma intensa seca de julho a outubro, acompanhado em seguida de chuva moderada até o mês de janeiro, sempre acompanhada de temperatura alta, favorecendo a pequena infestação de carrapatos na estiagem e uma rápida multiplicação no período chuvoso.


Estudos brazucas mostram que o parasitismo de 20 carrapatos/ano num boi provoca perda anual de cerca de 18 kg peso. Mas, o pior são mortes por “tristeza parasitária” (babesiose e anaplasmose). Períodos longos sem infestação por carrapatos causam uma drástica queda dos anticorpos contra os agentes da tristeza parasitária. A volta súbita de carrapatos em desmamados e até vacas, mais desprotegidos, aumenta bastante o risco dessas doenças. O veterinário paraense consultado disse que teve que tratar vários bovinos contra a “tristeza”. Essa flutuação de longa ausência e súbita presença de carrapatos é chamada de “instabilidade enzoótica” e acontece no Nordeste e todos os estados amazônicos. Recomenda-se tratar todos os bovinos que tenham mais de 20 carrapatos (conte na virilha e na barbela). Estudos recentes feitos no RS indicam que naquele estado os melhores resultados foram obtidos com carrapaticidas a base de organofosforados (clorpirifós, fention etc.), vindo em seguida os inibidores de quitina (diflubenzuron e fluazuron) e fenilpirazóis (fipronil e pirizol). As ivermectinas, o amitraz e os piretróides praticamente perderam a eficácia. Não trate antes de consultor seu veterinário!


Imagem 4. Alta infestação de carrapatos em boi no MA.

Fonte: Enrico L. Ortolani.


Surto de anaplasmose em SC

Veterinário extensionista do planalto catarinense descreveu surto de anaplasmose em garrotes em fazenda desta região planaltina, com altitude média de 1.000 m. O proprietário comprou 117 garrotes de uma fazenda situada na serra do Campo do Padres SC, em uma das regiões mais frias do Brasil, com temperatura média anual inferior à 14º C, e altitude superior a 1.500m. Os animais que adoeceram vieram do alto do planalto sem um único carrapato. Além disso, quando chegaram na nova fazenda, no começo de outubro, ficaram no mínimo dois meses sem “pegarem” carrapatos, pois tanto em outubro como em parte inicial do mês de novembro a região passou por inundações (acima de 500 mm de chuva acumulada neste período), que provavelmente matou a maioria dos carrapatos das pastagens. Segundo informações, o lote começou a contrair carrapatos em meados de dezembro e no final deste mês morreram dois desmamados com sinais típicos de anaplasmose: anemia, emagrecimento, perda de apetite, porém sem apresentar febre evidente. Logo em seguida, outros cinco animais adoeceram com os mesmos sinais, sendo chamado de urgência o veterinário, no qual os medicou com sucesso. No exame laboratorial do sangue destes, comprovou se tratar de Anaplasma marginale, causador da doença. Para evitar novos casos, o profissional aplicou em todo lote, o medicamento em dose preventiva (imidocarb), além de combate aos carrapatos, que ajudaram a estancar, até o momento, o surgimento de novos casos no lote.


Não existe uma altitude limite que impossibilita a sobrevivência do carrapato no ambiente, pois apenas 5% das formas do parasita chegam ao boi, estando os restantes 95% no ambiente, quer seja no solo, como nas pastagens. Um trabalho brasileiro, liderada pelo saudoso Professor Laerte Grisi, verificou que o que limita a sobrevida do carrapato é a temperatura do solo. Segundo essa pesquisa, superfície dos solos com temperaturas médias anuais inferiores a 14º C não permitem a vida desses aracnídeos, em especial no período mais frio do ano, que atingem temperaturas inferiores a -3º C por vários dias. No Brasil, salvo áreas serranas restritas nos estados de SC, RS, SP, RJ e até MG, algumas regiões limítrofes com o Uruguai a temperatura média anual da superfície do solo é superior aos 14º C. Segundo a literatura, a temperatura do solo é cerca de 1º C a 2º C inferior a temperatura do ambiente.


Esse lote vivia numa área livre de carrapatos e não desenvolveu anticorpos contra o Anaplasma. A partir do contato do rebanho com os aracnídeos, estando alguns deles infectados com Anaplasma marginale, possibilitou que esta bactéria pudesse provocar a referida doença. Isso é relativamente comum em gado que se desloca principalmente da região extrema do Rio Grande do Sul, ou que importado de países do exterior que não têm carrapatos, para serem criados em áreas em que a doença ocorre com frequência. Para evitar o problema, muitos veterinários optam por realizar a chamada “premunição”, em que o gado livre de carrapatos, é confinado num local em que não tenha contato com esses parasitas, e recebe quantidade determinada de sangue contaminado, em pequeno grau, com os agentes causadores de anaplasmose e de babesiose. Assim, os bovinos terão uma doença leve, e sob controle, para que nesse meio tempo produza anticorpos. Esse processo dura de 35 a 45 dias e produz resultados muito bons.


Imagem 5. Desmamado acometido de anaplasmose.
Fonte: Enrico L. Ortolani


Imagem 6. Hemácias contendo o anaplasma em seu interior (pontos arroxeados).

Fonte: Enrico L. Ortolani


Raios fizeram estragos em Tocantins

Foi notícia até na TV, depois de uma longa estiagem, vieram muitos temporais, e uma quantidade enorme de raios, acarretando a morte de 25 bovinos em duas propriedades no Tocantins. Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia somente no dia 17 de janeiro caíram no estado 62 mil raios. Numa das fazendas no município de Taipas foram fulminadas 11 vacas e em outra propriedade em Alvorada, o estrago foi maior, com a morte de 14 touros, com estimativa de prejuízo de R$ 150 mil.


O que chamou a atenção que em ambas as mortandades, é que animais se encontravam debaixo de frondosas árvores (imagem 7 e 8). Existe uma explicação para tal fato. A grande maioria dos bovinos que sucumbem de raio, ou se encontram debaixo de árvores ou estão ao lado de cercas de arame farpado. Curiosamente, quando do início de temporais, mas não de chuva fina, os animais se abrigam preferencialmente debaixo de árvores, e na ausência desta ao lado de cercas. As descargas elétricas atingem os pontos mais altos do local, no caso das árvores, descarregando a corrente acumulada pelas raízes, atingindo o solo ao lado.


No caso das cercas, caso estas sejam de fiações contínuas, o choque elétrico é transmitido pelo arame, e a descarga elétrica passa para o solo, ao lado da cerca. É muito citado que por vezes os bovinos morrem em linha ao lado da cerca contínua, como mostra a incrível imagem 9. Algumas fazendas quando fazem a cerca, deixam a cada 50 metros uma interrupção da fiação, com colocação de fio terra nos moirões laterais. Mas o custo/benefício dessa prevenção deve ser avaliado.


A morte pelos raios, vai depender da quantidade de voltagem recebida. Altas voltagens simplesmente desregulam o sistema nervoso, provocando inconsciência e morte súbita, por parada cardiorrespiratória fulminante. Voltagens menores podem ou não provocar inconsciência e morte, e quando esta acontece é antecipada por fibrilação ventricular, levando à interrupção no bombeamento do sangue para o corpo.


Imagem 7. Morte de 14 touros em alvorada.

Fonte: Enrico L. Ortolani


Imagem 8. Morte de 11 vacas em Taípas.

Fonte: Enrico L. Ortolani


Imagem 9. Morte de bovinos ao lado da cerca.

Fonte: Enrico L. Ortolani


Surtos de verminose pulmonar no Paraná e no Acre.

Professor da UFPR e um ativo veterinário de campo do Acre descreveram recentes surtos de verminose pulmonar, acometendo desmamados. No Paraná, na região dos Campos Gerais, o lote atingido era de garrotes Angus e mestiços dessa raça com Nelore, que apresentavam tosse, corrimento nasal com presença de catarro, perda de peso, levando a morte de cinco deles. Eles já tinham sido tratados, sem sucesso, com antibiótico e um vermífugo a base de ivermectina. Após um exame de fezes específico (teste de Baermann) detectou-se a presença do verme Dictyocaulus viviparus. No Acre, o surto ocorreu num grupo de novilhas Nelore, que apresentaram os mesmos sintomas citados acima, e já tinham sido inicialmente medicados com um vermífugo a base de levamisole, também sem resultado satisfatório. No caso do PR, o surto foi resolvido com alta dose de um vermífugo a base de albendazole e no AC com uso de fembendazole.


O D. viviparus é um verme que praticamente tinha sumido dos rebanhos após a chegada das “avermectinas” (lactonas macrocíclicas), na década de 1980. Com o tempo os vermes foram ficando resistentes a estes princípios ativos, e foram surgindo surtos aqui e ali. Embora essa verminose seja mais frequente nas regiões sul e sudeste, ela tem sido descrita em outros estados do Centro-oeste, do Nordeste, e no Acre. Os desmamados são as maiores vítimas, embora eu já atendi vacas de corte com o problema.


O ciclo do parasita se inicia com a ingestão das larvas na pastagem. Elas perfuram o intestino, caem na corrente sanguínea e migram para a parte mais interna dos pulmões, migrando pelos bronquíolos, brônquios e traqueia. Durante essa migração pulmonar os vermes causam dificuldade para respirar, devido ao enfisema, bronquite, tosse, podendo levar à morte. As larvas saem dos pulmões e são deglutidas, e nos intestinos colocam ovos, que se desenvolvem em larvas, as quais são eliminadas pelas fezes. No solo sobrevivem por muito tempo em ambientes úmidos, até serem ingeridas pelos bovinos, fechando o ciclo. Acredito que casos de dictiocaulose estão cada vez mais presentes pelo Brasil, pelo se tornando um problema de maior significado para pecuária.


Imagem 10. Dictiocaulose causa dificuldade respiratória.

Fonte: Enrico L. Ortolani


 


 


Imagem 11. Larvas de Dictyocaulus viviparus na traqueia.

Fonte: Enrico L. Ortolani


Caso o colega veterinário que me lê tenha relatos recentes de surtos ou foco de doenças ou infestação de parasitas em bovinos de corte, entre em contato comigo pelo e-mail ortolani@usp.br , que divulgaremos no “RADAR SANITÁRIO” para o conhecimento de todos!



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