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Scot Consultoria

O futuro da sustentabilidade: como os sistemas integrados estão transformando a agropecuária brasileira

Entrevista com o zootecnista, Paulo César de Faccio Carvalho

Segunda-feira, 16 de setembro de 2024 - 06h00
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Paulo César F. Carvalho é doutor em zootecnia pela UNESP de Jaboticabal, possui pós-doutorado no Dept. of Plant and Environmental Sciences da Universidade da Califórnia. Atualmente é professor titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atuando no departamento de plantas forrageiras e agrometeorologia. É membro do comitê gestor estadual do programa de agricultura de baixo carbono, atual presidente da Sociedade Brasileira de Sistemas Integrados de Produção Agropecuária, além de diretor da aliança SIPA (Sistemas Integrados de Produção Agropecuária) e vice-presidente da Asociación Latino-Americana de Producción Animal (ALPA).

Foto: Bela Magrela


Scot Consultoria: Como você pode explicar a importância do papel do consultor de SIPA (sistemas integrados de produção agropecuária) dentro de uma propriedade agropecuária? 

Paulo César Carvalho: Os consultores de sistemas integrados têm papel fundamental. Por sinal, a despeito do incremento de áreas em integração aumentarem todos os anos no Brasil (já atingem cerca de 18,0 milhões de hectares), há entendimento unânime dos setores envolvidos de que esteja havendo limites de crescimento pela falta de profissionais qualificados nesta especialidade tecnológica. 

O desafio dos SIPA, em termos de consultoria, é de tal ordem que costumo me referir a eles como “super-heróis”, que necessitam estar equipados com três “superpoderes” muito específicos. 

Primeiro é a “Supervisão”. O consultor ideal deve ter visão técnica sistêmica, entendendo tanto de agricultura quanto de pecuária. Deve ter conexão contínua com a academia, conhecendo minimamente um pouco sobre todos os compartimentos do sistema produtivo. Ou seja, profissionais que não só conheçam as plantas e os solos, mas também a pecuária, e que, por sua vez, possam incorporar ambas as atividades e seus efeitos na tomada de decisões. Por exemplo, definir como e até quando pastar, equilibrando aspectos e objetivos de qualidade da forragem e ganho de peso dos animais, bem como resíduos de palhada e efeitos no solo que possam condicionar uma cultura agrícola em sucessão. 

A segunda é a “Super Coordenação”, ou seja, desenvolver ao máximo as competências operacionais. É preciso saber “cocriar” soluções com os produtores, pois, em cada estabelecimento, surgem situações completamente diferentes. Embora os princípios de diversidade, ciclagem de nutrientes e proteção do solo sejam os mesmos em qualquer sistema integrado, as combinações são quase infinitas. 

Além disso, a parte econômica deve ser abordada, porque as decisões pecuárias e agrícolas impactam diretamente no “fluxo de caixa” da atividade. E para não falar do lado familiar, onde, dentro do operacional das empresas, interesses ou paixões podem jogar entre os “lados” pecuário e agrícola. 

Por último, requer competências interpessoais, como “Super Empatia”. É preciso ter a capacidade de conversar com as pessoas, e ajudar os produtores a se adaptarem às novas práticas, facilitando a colaboração entre produtores agrícolas e pecuaristas, promovendo benefícios mútuos e superando as percepções iniciais de concorrência.  O consultor deve ser um técnico que trabalhe com a fazenda, e não com uma operação dentro da fazenda. 

Scot Consultoria: Como o consultor de SIPA pode impactar diretamente a produtividade e sustentabilidade das propriedades agrícolas? 

Paulo César Carvalho: Assumindo que o consultor tenha as características acima descritas, ele impacta a produtividade e sustentabilidade das propriedades ao escolher e executar transições tecnológicas que venham a convergir ambas as demandas. Na construção de sistemas integrados, as combinações de pasto e lavoura, no tempo e no espaço, são inúmeras. Assim como são inúmeros os resultados potenciais, excepcionais ou não tão bons, derivados dessas escolhas. Por exemplo, pastos podem rodar por alguns meses ou até anos com a lavoura, tudo com seus prós e contras. 

Devo lembrar que aumento de produtividade não necessariamente caminha junto com sustentabilidade. Várias tecnologias pautadas exclusivamente em insumos, podem gerar poluição e insustentabilidade econômica, por exemplo. Ainda que o caminho tecnológico seja potencialmente convergente entre produtividade e sustentabilidade, ainda assim há vulnerabilidades que podem fazer com que se possa ir para o céu, ou para o inferno, como costumo dizer. Por exemplo, a definição da carga animal na fase pastagem de uma rotação pasto-lavoura, é crucial em definir os atributos do solo que irão se transferir para a lavoura em sucessão. Pastejo moderado vai para o céu, e sobrepastejo leva ao inferno. Eis um exemplo de atuação fundamental e sensível do consultor, que deve auxiliar a fazenda nas boas escolhas de manejo e de planejamento espaço-temporal do sistema. 

Scot Consultoria: Qual é a principal diferença entre o sistema integrado recomendado por um consultor e as práticas que o produtor pode já estar utilizando? 

Paulo César Carvalho: Há produtores que dizem fazer integração lavoura-pecuária pelo fato de terem rotações de pastagens com lavouras em suas propriedades. Porém, os SIPA têm vários “degraus” de classificação, talvez a semelhança da tecnologia do Plantio Direto. Assim como, tecnicamente, semear sobre cobertura sem revolvimento do solo, não garanta os benefícios de um Sistema em Plantio Direto, da mesma forma, a simples rotação de lavouras e pastagens não garante os benefícios dos SIPA em sua plenitude. Mais do que rotacionar pecuária e lavoura, é necessário planejar tipos de sucessões e manejos voltados à exploração de sinergismos e propriedades emergentes entre os diferentes componentes do sistema. Um bom exemplo manejo em SIPA, neste nível, é a adubação de sistema, onde a adubação deixa de ser vista “por cultivo” e passa a ser planejada voltada “ao sistema, ou ao hectare”. Isso resulta, por exemplo, em adubações que são realizadas após a colheita de grãos, e antes do estabelecimento dos pastos. E somente neste momento, pois a fase pastagem transfere todos os nutrientes para a fase lavoura, transformados pela passagem pelo trato digestivo do animal e reciclado via fezes e urina. Isto significa que, na semeadura, por exemplo, da soja ou do milho, a caixa de adubo da plantadeira ande vazia. 

Portanto, as diferenças entre os níveis de SIPA que um produtor possa estar experimentando e aqueles que ele poderia atingir com um “consultor super-herói”, pode ser importante.

Scot consultoria: Como as recomendações de manejo do SIPA podem variar entre diferentes regiões e tipos de solo no Brasil?

Paulo César Carvalho: É importante frisar que, obviamente, os sistemas integrados devem se adaptar a diferentes regiões e tipos de solo. Não obstante, a estrutura conceitual dos SIPA não muda. Ou seja, em qualquer lugar do Brasil ou do mundo, os princípios básicos de diversificação, ciclagem de nutrientes, conservação de solos, autonomia do sistema, pastoreio rotatínuo ou uso de cargas animais moderadas, dentre outros, não mudam jamais. Mas, tal qual um jogo de cartas, onde os princípios não mudam, nem todos os tipos de cartas estão disponíveis para se jogar, dependendo da região e do tipo de solo. Por exemplo, a “carta trigo” está disponível para compor SIPA em algumas regiões do país, outras, não. 

Scot Consultoria: Quais são os principais erros que você observa frequentemente em práticas de manejo de SIPA e como evitá-los?

Paulo César Carvalho: Os principais equívocos que observo frequentemente, começam por não se entender o SIPA como, de fato, um sistema, e o produtor ter preferências e gostos por algum dos componentes, o que faz com que tudo o que é demais, fique em segundo plano ou com menor atenção. Em situações de arrendamento, também é muito comum que aqueles que deveriam ser parceiros, se tornem competidores, cada um querendo “extrair o máximo” do outro, ao invés de atuarem de forma convergente, buscando um “ganha-ganha”. Outro equívoco frequente diz respeito ao manejo da intensidade de pastejo. Pastejo excessivo se testemunha frequentemente, ou ponto de entrada incorreta após estabelecimento do pasto, o que leva o sistema a não operar em sua plenitude. O método de pastoreio é bem menos importante. Tanto faz ser em pastoreio contínuo ou rotativo; o que importa é que a intensidade de pastejo seja moderada. Por último a destacar, a falta de adubação na fase pastagem por acreditar que o pasto se aproveite da adubação residual da lavoura. Ledo engano, pois falta, e não sobra. 

Scot Consultoria: Quais são suas expectativas para o Encontro de Intensificação de Pastagens promovido pela Scot Consultoria? 

Paulo César Carvalho: O evento da Scot Consultoria se caracteriza pela excelência técnica e organizacional. Ela reúne uma audiência da mais elevada qualidade e de todos os lugares do Brasil. Já estive em outros encontros, e já estive em centenas de eventos no Brasil e em todos os continentes do mundo. Tenho lugar de fala para dizer, sem dúvida alguma, que o Encontro de Intensificação de Pastagens está entre os TOP 10 do mundo. É impecável. Consequentemente, minhas expectativas são as maiores possíveis de encontrar um ambiente altamente qualificado para trocas de experiências, para aprender e para se relacionar, tudo dentro de uma estrutura de evento irrepreensível.


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